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Críticas

VAI QUE COLA 2 | Crítica do Neófito

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Durante toda a década de 1980 até os anos de 1992 a 1995 (espaço de tempo que a “Lei do Audiovisual” levou para ser elaborada e entrar em vigor) o cinema brasileiro praticamente sucumbiu.

Após décadas de investimento e rígido controle estatal no âmbito cinematográfico brasileiro – coincidente com o período de ditadura militar – o país enfrentava uma crise econômica sem precedentes. Em 1985, o Brasil teve o índice recorde de 285% de inflação anual! (atualmente, desde 2010 está abaixo dos dois dígitos). Não por acaso, neste mesmo ano (1985), metade das produções cinematográficas nacionais foram de sexo explícito!

A chamada retomada do cinema brasileiro é didaticamente compreendida entre estes anos de 1992-1995* até aproximadamente 2003. É neste interstício que veremos filmes como O Quatrilho (1995), O Que é Isso Companheiro (1996) e Central do Brasil (1998) – que rendeu a indicação ao Oscar de melhor atriz para Fernanda Montenegro – e o fenômeno Cidade de Deus (2002).

*no final de 1992, o governo Itamar Franco cria a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, que volta a liberar recursos para a produção cinematográfica nacional, permitindo o lançamento de filmes como Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, estreado em 1995, mesmo ano em que a Lei do Audiovisual é aprovada, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, que também teve o mérito de criar a Agência Nacional do Cinema – Ancine, em 2001.

Foto: Divulgação

Fernando Meirelles (diretor de Cidade de Deus) e José Padilha (Tropa de Elite, 2007) despontam como os primeiros diretores brasileiros de cinema a comandarem filmes para a nata de Hollywood, incluindo O Jardineiro Fiel (2005), de Meirelles – que conta com Ralph Fiennes e Rachel Weisz (que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante pelo papel de Tessa Quayle) – e o reboot de Robocob (2014), dirigido Padilha, contando com atores do porte de Gary Oldman, Samuel L. Jackson e Michael Keaton.

Foto: Divulgação

Após esses filmes icônicos acima mencionados – os quais mostravam a realidade brasileira por diferentes vieses: lírico (Central do Brasil), politizado (O Que é Isso Companheiro, Carandiru – de 2003), ou pop (Cidade de Deus, Tropa de Elite) – a “indústria” de entretenimento cinematográfica nacional se manteve de pé muito graças às comédias apoiadas em atores, Se Eu Fosse Você (Tony Ramos e Glória Pires, 2009/2016), De Pernas Pro Ar (Ingrid Guimarães, 2010/2012/2019), Minha Mãe é Uma Peça (Paulo Gustavo, 2013/2016), O Candidato Honesto (Leandro Hassum, 2014/2018), Loucas para Casar (Ingrid Guimarães e Tatá Werneck 2015), Chorar de Rir (Leandro Hassum, 2019) e afins.

Foto: Divulgação

A qualidade de algumas dessas produções oscilam entre o bom padrão estético a outras menos elaboradas. Além disso, a crítica especializada passou a destacar a saturação do segmento e a pouca diversidade de produções, com a maioria seguindo quase que uma fórmula específica de sucesso, que ia desde a estrutura maniqueísta do roteiro à fotografia “esbranquiçada”, sem falar no difuso e pejorativo “padrão Globo” (o que queria dizer que o cinema copiava a estética das novelas da Rede Globo, além de utilizar, basicamente, atores e equipe de produção oriundos da conhecida rede televisiva).

Aos poucos, todavia, o cinema brasileiro começou a investir em gêneros mais diversificados, que vão desde o subgênero religioso – produções de cunho católico, evangélico ou espírita – à aventura policial – 2 Coelhos (2010) – passando, mais recentemente**, pelo terror – Animal Cordial (2018) e Morto Não Fala (2019), por exemplo.

**sem qualquer menosprezo à obra autoral (e quase artesanal) de Zé do Caixão, mas especificando a atual produção mainstream, que conta com atores “globais” e melhor orçamento.

Foto: Divulgação

Ao que tudo indica, todavia,  o cinema brasileiro parece estar caminhando para um novo momento de hiato criativo, e não por falta de material, profissionais gabaritados ou condições técnicas, mas devido, mais uma vez, a uma forte ingerência ideológica estatal sobre este cenário, uma vez que o atual governo tem prometido e sinalizado que irá direcionar verba apenas para produções que estejam de acordo com o gosto governamental, sendo o filme Bruna Surfistinha (2011), tomado como arquétipo do tipo de filme “pornográfico” que a Ancine não mais irá apoiar. O filtro moral de ordem religiosa também fica claro nesse processo.

Foto: Divulgação

Somando-se a isso a forte crítica às leis de incentivo (principalmente a Rouanet) – que poderiam permitir produções independentes a saírem do papel pelo esforço empreendedor de seus realizadores – corre-se o risco, nos próximos anos, de termos filmes nacionais apenas com temáticas bastante específicas e em número cada vez menor, abrindo-se espaço – como ocorria nas décadas de 60 e 70, nas quais havia até mesmo um compromisso do governo brasileiro para com as produções hollywoodianas – para mais blockbusters norte-americanos.

Tudo isso nos traz à análise do filme em questão, ou seja, Vai Que Cola 2, continuação de Vai Que Cola: O Filme (2015 – ambos sob a direção de César Rodrigues), que, por sua vez, já se tratava da adaptação cinematográfica da sitcom (comédia de situação) brasileira de 2013, produzida pelo canal Multishow (nos mesmos moldes teatro filmado da série Sai de Baixo) e dirigida pelo mesmo César Rodrigues em parceria com João Fonseca.

Foto: Divulgação

Contando com praticamente os mesmos atores/personagens do programa televisivo – Catarina Abdala (Dona Jô); Marcus Majella (Ferdinando); Cacau Protásio (Terezinha); Samantha Schmutz (Jéssica); Emiliano D’Ávila (Máicol); Silvio Guindane (Lacraia); Fiorella Mattheis (Velna); Marcelo Médici (Seu Sanderson) – além de algumas participações especiais como Fábio Lago no papel de Tiziu e Érico Brás como o bandido Afrânio, o filme volta ao passado dos personagens para mostrar como eles teriam se conhecido e se reunido na Pensão da Dona Jô, que é o cenário da sitcom, antes da chegada no local do (na série e primeiro filme) personagem principal, Valdomiro Lacerda/Valdo, interpretado por Paulo Gustavo.

Foto: Divulgação

Desse modo, a trama conta como Ferdinando se torna o “concierge” da pensão; como se formou o triângulo amoroso entre Jéssica, Máicol e Lacraia; a real razão do disfarce de Velna e o motivo de Terezinha/“Tetê” passar a morar no local.

A história mostra Ferdinando saindo de sua pequena cidade natal para tentar a “glória” na capital carioca, conhecendo Máicol no ônibus, enquanto que, no Meier, mais especificamente no Morro do Cerol, Terezinha prepara uma grande feijoada – cozinhada por Dona Jô – em comemoração à saída da prisão (ao estilo da abertura do seriado Agente 86) de seu amado marido Tiziu, e Jéssica supostamente estudando para o ENEM, mas na verdade, passando as noites com Lacraia, por sua vez morando com outra mulher, que é capanga de Afrânio, inimigo declarado de Tiziu, e que quer o “tesouro” escondido deste a qualquer preço.

Esse é a “rico” enredo do filme.

Na verdade, tudo é apenas uma desculpa para a de gags e situações humorísticas, nada sendo minimamente sério. O “sequestro” ocorrido no terceiro ato perde totalmente a força, quando se sabe que aquelas figuras exóticas estarão todas sãs e salvas em vários episódios da série e filme posterior àquela história.

O filme tira sarro de tudo: de Rei Leão aos filmes de terror, passando por um tiroteio noturno com balas cruzando os céus ao longe. Nada é levado a sério (o que é um ponto positivo), mas tudo é tão ralo, que fica difícil se identificar com algum personagem ou situação. Resta tentar rir das paródias de Lua de Cristal da Xuxa, pela performance de Marcus Majella – o verdadeiro destaque do longa – e das caretas de Schmutz.

Foto: Divulgação (participação especial de Sérgio Malandro)

O longa – tentando se mostrar maior do que atores/personagens específicos – claramente se ressente da ausência do talentoso Paulo Gustavo. Não que os demais atores não se mostrem completamente à vontade na pele de personagens altamente conhecidos por eles, devendo ser praticamente automático reproduzir os trejeitos e jargões característico de cada um. Mas falta alguma coisa, como num esquecível filme dos Trapalhões, feito somente com Dedé Santana, Mussum e Zacarias, sem a participação de Renato Aragão (Atrapalhando a Suate, 1983).

Em termos cinematográficos, o filme, no início, conta com alguma inventividade, como na tomada aérea pela perspectiva de uma “pipa”, na cena de introdução do Moro do Cerol. Mas para por aí. Desse ponto para a frente, tudo é mais autocontido, em termos de cenários (o mais fechados possível), fotografia (básica) e direção. Há dinamismo na edição e montagem do longa (outro fato elogiável), mas tudo é tão esquemático e previsível, que ao final da projeção, fica-se com a clara sensação de que não se assistiu a um filme, mas apenas a mais um episódio “anabolizado” do sitcom.

É até difícil fazer uma crítica mais técnica de um filme desta natureza, afinal, ele é obviamente direcionado para os fãs do programa televisivo, que gostam muito daqueles personagens e situações absurdas, de modo que fica a impressão de se tratar de uma obra autossuficiente, que não se importa muito (ou nada) com aqueles que não sejam iniciados.

Mas, como se trata de uma comédia, espera-se, pelo menos, que o riso brote farta, fácil e espontaneamente no nosso rosto, algo que, infelizmente, este colunista não pode dizer que aconteceu com muita frequência durante a sessão para a imprensa de que participou.

Por fim, poderíamos até dizer que, em caso de uma terceira produção cinematográfica acerca do universo do Vai Que Cola, que os realizadores buscassem melhorar certos aspectos técnicos, ou que ousassem mais em termos de roteiro, afim de que o produto para o cinema ficasse mais descolado das suas raízes televisivas e teatrais, além do retorno de Paulo Gustavo.

Mas talvez nem precisemos.

Afinal, nem dá para saber ao certo se haverá cinema nacional pelos próximos anos…

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Nota: 2 / 5 (fraco)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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