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Críticas

ALTERED CARBON | Crítica (tardia) do Neófito

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 ALERTA DE SPOILER!!!!!!

(Este texto abordará elementos da trama ocorridos no decorrer da série)

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 Numa inesquecível cena de Highlander: O Guerreiro Imortal, de 1986 – estrelado por Christopher Lambert no papel do guerreiro imortal Connor MacLeod e com participação especial de Sean Connery como o mentor também imortal, Juan Sanchez Villa-Lobos Ramirez – toca-se uma música de fundo cantada por Freddie Mercury, a embalar, nas montanhas escocesas (as “highlands”), o envelhecimento e morte da companheira de um MacLeod eternamente jovem. Em certo ponto da canção, ouve-se a seguinte pergunta: “Quem quer viver para sempre?”.

 Foto: cena do filme Highlander (1986) – mera divulgação

É provável que a maioria das pessoas submetidas a essa pergunta respondam sem pestanejar que “sim! Claro que quero viver para sempre”!

Para estes, é bom recordar que, já na antiga mitologia grega, o personagem Títono, amado da deusa Aurora, foi presenteado pela amante com a imortalidade, conferida por Zeus. Todavia, a deusa do amanhecer se esqueceu de um detalhe importantíssimo: não pediu, junto com a imortalidade, a juventude eterna, de modo que Títono continuou a envelhecer e a se decrepitar eternamente sem conseguir morrer, até ser transformado numa cigarra a pedido de sua amada, que não suportava vê-lo naquele sofrimento.

Antes disso até, na mitologia babilônica, o herói Gilgamesh também se angustiava com a inevitabilidade da morte, partindo numa saga repleta de aventuras em busca da imortalidade. O conto termina, porém, sem dizer se ele foi bem sucedido em sua busca.

Altered Carbon – série da Netflix de 2018, baseada no romance homônimo de Richard K. Morgan, escrito em 2002, que retrata um mundo futurístico no qual a morte se tornou obsoleta graças à possibilidade de se copiar e transmitir a mente para “cartuchos” a serem implantados próximos ao lobo temporal de corpos ou “capas” – já próximo dos seus episódios finais, afirma que a melhor causa pela qual lutar seria a acabar com a imortalidade (na verdade, as pessoas podem ser “mortas”, desde que seus cartuchos sejam destruídos antes delas poderem – caso tenham condições para isso – transferir seu “conteúdo” para outra capa).

Foto: Divulgação

De fato, ainda que o viver para sempre seja associado a uma juventude perene, o que a série busca mostrar é que o tédio oriundo dessa condição, principalmente (como sempre) para os mais ricos (na série chamados de “matusas”, referência ao mais idoso personagem da Bíblia, Matusalém, que teria vivido 969 anos) poderia ser destruidor para o restante do mundo.

A trama é centrada no mercenário/anarquista oriental Takeshi Kovacs, papel defendido, na maior parte do tempo, pelo ator Joel Kinnaman (Robocop / Esquadrão Suicida). “Na maior parte do tempo” porque o personagem, 250 anos após sua morte, é “acordado” na “capa” do ex-policial supostamente corrupto, Elias Ryker, com o objetivo de resolver “extralegalmente” o suposto assassinato do mais rico matusa do planeta, Laurens Bancroft (James Purefoy); todavia, o personagem é interpretado por Will Yun Lee (que seria o corpo/capa originais de Kovacs) e por Byron Mann, em rápida participação no primeiro episódio, como uma as capas utilizadas por Kovacs em sua fuga e cruzada (aquela com a qual será capturado).

Foto: Divulgação

Ficamos sabendo, ao longo dos 10 capítulos desta primeira temporada, que Kovacs, durante a pré-adolescência, matou seu pai (ou padrasto), após este assassinar sua mãe e estar prestes a fazer o mesmo com sua irmã, Reileen, ou simplesmente Rei (interpretada por Dichen Lachman). Após anos “dormindo” no reino virtual, ele é acordado e treinado para atuar como soldado do Protetorado, em troca da segurança de sua irmã. Numa missão, ele acaba reencontrando Rei como assassina da Yakuza, e não numa “boa família”, conforme o prometido, resolvendo se voltar contra o protetorado e o sistema que o haviam enganado, tornando-se um traidor renegado. Em sua fuga junto com Rei, Kovacs é novamente recrutado, desta vez por uma espécie de resistência constituída por mercenários altamente treinados chamados Emissários e comandados por Quellcrist, ou Quell (Renée Elise Goldsberry) que, em verdade, teria sido a cientista responsável pela criação dos cartuchos capazes de conter toda a consciência/memória (alma) de uma pessoa. É dela, aliás, a avaliação de que a imortalidade tornaria as pessoas menos “humanas”.

Foto: Divulgação

Uma vez trazido de volta à vida física, Kovacs, em troca de perdão judicial e muito dinheiro, tem que usar todo o seu treinamento para proceder à perigosa investigação sobre o assassinato (ou suicídio) de Bancroft, sobreviver aos inimigos que a capa de Elias Ryker por ele utilizada amontoou em sua carreira policial, à investigação implacável da detetive Kristin Ortega (Martha Higareda), que era amante de Ryker, além de uma trama por detrás de todas, envolvendo o amor/obsessão de sua irmã por ele.

Foto: Divulgação

No caminho, Kovacs acaba fazendo alguns aliados importantes, como Vernon Elliot (Ato Essandoh), que de suspeito passa a ser colaborador (tendo sua própria trama paralela, que envolve o misterioso assassinato e loucura de sua filha, Lizzie Eliot, interpretada por Hayley Law, e a condenação de sua esposa haker Ava Eliot); da inteligência artificial dona do hotel Corvo, ironicamente chamado de Edgar Allan Poe (Chris Conner, fantástico), e da própria Kristin Ortega, com quem fatalmente se envolveria amorosamente.

Foto: Divulgação

A história, no geral, até pode ser considerada “simples”, mas as tramas paralelas e a forma de desenvolvimento da série fazem – principalmente os primeiros episódios – com que tudo se desenrole num ritmo excessivamente lento e com tantas inserções de novos elementos, que em certo ponto é fácil se esquecer dos detalhes da narrativa principal (ah, tem o caso de uma prostituta morta, que ligará todos os fatos também!).

Em termos de produção, a série é um verdadeiro desbunde! Os efeitos especiais são espetaculares; a cenografia, figurino e cenários emulam, com sincera reverência, Blade Runner da década de 80; o conteúdo crítico também é muito forte, podendo desagradar a pessoas mais polarizadas com ideologias de centro-direita mais conservadoras.

Foto: Divulgação

O conteúdo também é bastante adulto. Há fartas e generosas cenas de nudez feminina e masculina em igual medida (com destaque para a belíssima atriz Martha Higareda, no episódio 5, se me permitem a confessional admiração); sexo (afinal, estamos num mundo altamente hedonista); além de violência gráfica (cabeças decepadas, mutilações, tortura etc.).

Apresentando – como já dito – alguns problemas com a questão do ritmo e de algumas subtramas que alongam um pouco demais o foco na trama principal, a série, por detrás de toda a pirotecnia, traz um importante questionamento sobre o sentido da vida. Afinal, vale tudo para ficar vivo? O que é amor de verdade?

Isso fica mais evidente a partir do 7 episódio, quando ocorre uma grande reviravolta envolvendo Rei, que se mostra disposta a vender a alma para concretizar seus objetivos e por “querer viver”.

A ideia de que a mente é um software pode ser lida como uma sutil crítica à religião (e há, na série, pessoas que se recusam a se submeterem a tal procedimento, por serem religiosas), mesmo que o fato das pessoas poderem “dormir” por muitos anos antes de serem ressuscitadas, lembre certos conceitos das igrejas evangélicas.

O hedonismo também é criticado fortemente. Pessoas ricas – consideradas por alguns como os novos e “infalíveis deuses” – podem pagar para frequentar prostíbulos em que é possível matar indiscriminadamente garotos e garotas de programa, ou patrocinarem lutas fatais em arenas antigravitacionais. Também podem ter uma infinidade de clones do seu próprio corpo/capa, de modo a viverem para sempre e com a mesma aparência, ao contrário das “pessoas de baixo”, obrigadas a esperar anos a fio por uma nova capa, sem direito de escolher raça ou sexo. Além disso, os poderosos (com influência dentro da própria ONU) podem ter corpos aprimorados, com peças biônicas ou dotados, por exemplo, de feromônios químicos capazes de seduzir irresistivelmente o objeto de sua conquista. Como diz Quell em determinado momento, trata-se de “uma nova classe de pessoas tão rica e poderosa, que não obedece a ninguém e não pode morrer”.

Outra impactante crítica sociocultural ocorre numa curta cena do primeiro episódio, na qual se mostra que uma criança de 6 anos, morta por atropelamento, tem seu cartucho implantado na capa de uma senhora de mais de 70 anos de idade, a única disponível para seus pais, dependes do sistema público de saúde!

Ou seja, há uma severa crítica social, que, em verdade, guarda um incômodo paralelo com a realidade.

Autores respeitáveis como Yuval Noah Harari (Sapiens: Uma Breve História da Humanidade / Homo Deus) e Michael Sandel (Contra a Perfeição) esclarecem que o nível da pesquisa genética e nanotecnológica com objetivo de se atingir a “amotalidade”  (não morte por meios naturais) se encontra num estágio mais avançado do que a esmagadora maioria das pessoas sequer desconfia! Empresas investem bilhões em pesquisa desse porte! É até possível que o primeiro amortal já esteja andando entre nós, sem que saibamos!! Todavia, a tecnologia de aprimoramento genético será, por um bom tempo após surgida, privilégio de quem puder pagar por ela, dizem os mesmos autores.

Foto: Divulgação

De modo que os questionamentos levantados por Altered Carbon se mostram incrivelmente atuais. É preciso, porém, retirar uma grossa camada de glacê antes de se alcançar esse núcleo duro mais filosófico que o programa televisivo propõe.

Mas é bom saber que o streaming acaba permitindo a produção de obras desse porte, que não têm medo de cutucar certas feridas sociais muito evidentemente abertas nos dias atuais e todo esse discurso, inúmeras vezes irresponsável, acerca de uma meritocracia ampla e irrestrita, num mundo real tão cruelmente desigual.

Seguindo a trilha de sua inspiração visual e de questionamento filosófico sobre a vida, Deus, mortalidade – Blade Runner –, Altered Carbon é exemplo de uma pequena pérola escondida na infinidade de títulos do Netflix e que merece ser assistido por quem gosta de se entreter sem medo de pensar.

Superada a lentidão dos primeiros episódios, trata-se de uma excelente pedida para maratonar!

A segunda temporada – que contará com agradáveis 8 episódios (sinal de menos enrolação ou de muito apressamento) – já se encontra em produção, e terá trama possivelmente baseada no novo livro de Richard K. Morgan, Altered Carbon: Download Blues. Sabemos que o novo ano do programa será protagonizado por Anthony Mackie (o Falcão do MCU), como a nova capa de Kovacs, que agora parte em busca do cartucho ou mente de sua amada Quell.

Foto: Divulgação

Sem data de estreia anunciada, ficaremos de olho para trazermos aos nossos tripulantes quaisquer notícias novas sobre essa peculiar e muito bem produzida série.

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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