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Críticas

BACURAU | Crítica (tardia) do Neófito

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Alerta de SPOILER

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A típica ave nordestina de hábitos noturnos conhecida como Bacurau é bastante arredia, apesar de fazer ninhos no chão. A coloração de sua plumagem se mistura e se confunde às do cerrado e das folhagens secas das matas em que se abriga como forma de proteção. Segundo uma personagem do filme Bacurau, o pássaro costuma ser “bravo”.

Foto: Divulgação

E o mesmo se pode dizer desse longa dirigido a 4 mãos por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que alcançou o feito de conseguir o prêmio do júri de Cannes em 2019, o que não é pouca coisa, haja vista que o último filme nacional a ser consagrado no famoso festival foi O Pagador de Promessas, no distante ano de 1962, quando foi premiado com a única Palma de Ouro que o Brasil conquistou (Fernanda Torres viria a conquistar a Palma de Ouro de melhor atriz em 1986, mas o filme, Eu Sei Que Vou Te Amar, não teve nenhuma premiação).

 Foto: Divulgação

Mas sendo bastante direto sobre o filme em questão, pode-se dizer que Bacurau não é um filme para todo mundo.

E não é pelo fato de se tratar de um filme “nacional”. As cenas de violência gráfica (com direito a cabeças explodindo), de infanticídio e de nudez desglamourizada é que podem incomodar bastante certo tipo de público.

Bem como – claro – suas metáforas político-sociais.

A história é tão simples como intrigante: num futuro próximo e incerto, a cidade perdida do sertão pernambucano – que possui celulares de última geração, mas precisa de caminhão pipa regularmente para provê-la de água – simplesmente “some do mapa”; em seguida, perde o sinal de celular e, finalmente, fica sem iluminação pública. Concomitantemente, várias mortes começam a ocorrer nos arredores, coincidentemente ao surgimento de drones e forasteiros bastante suspeitos.

Na verdade, Bacurau estava isolada, cercada e posta à disposição de um grupo de caçadores norte-americanos. Caçadores de gente, interessados em um jogo homicida de contagem de corpos.

Foto: Divulgação

Muito sutil e gradativamente, vai se revelando que a cidade, na verdade, é um povoado genealogicamente derivado de ex-jangunços e/ou de criminosos, que, como a ave Bacurau, ali se camuflam no meio da seca nordestina, praticamente “esquecidos de Deus”, onde podem ter uma vida de aparente civilidade (essa impressão é reforçada por uma breve fala de um dos personagens gringos; pelos vídeos do matador de aluguel Pacote/Acácio Thomás Aquino – assistidos pela população em praça pública como se fosse um blockbuster; e pelas fotos e armas dispostas no pequeno museu da cidade, entre outros elementos mais sutis).

O embate com “armas vintage” é iniciado de forma sangrenta entre os “brancos” norte-americanos sob a liderança de alemão naturalizado (e a referência à cor da pele não é gratuita) e aqueles habitantes de quem ninguém sentiria falta. Os duelos ocorridos numa cidade “fantasma” remetem à estética do faroeste, enquanto os recursos hitech propõem uma ficção científica; as falas típicas e situações bem regionalizadas revelam as origens nacionais; o nível de violência e suspense flerta com o terror. E ainda há uma boa dose de humor permeando essa salada de referências. Tudo isso, apesar de parecer confuso, na prática confere bastante unicidade e personalidade ao longa de Dornelles e Mendonça Filho, haja vista a condução segura dos dois diretores, que demonstram saber aonde queriam chegar com sua obra.

Apesar de não haver um protagonismo claro de nenhum personagem, alguns se destacam, como Silvero Pereira e seu sanguinário Lunga (perfeito); Sônia Braga e sua médica alcoólatra Domingas (sempre uma grande e versátil atriz); Wilson Rabelo como o professor Plínio. O personagem de Bárbara Colen Teresa – apesar de inicialmente dar mostras de ser a personagem principal da trama, logo se torna apenas “mais uma” dentro da história, tendo pouca relevância para seu desenvolvimento, apesar de sua correta composição.

Dentre os personagens gringos, o destaque evidente é para Udo Kier (Bastardos Inglórios) na pele do frio caçador/assassino Michael. Os demais apenas preenchem espaço obrigatório do enredo.

Foto: Divulgação

Fotografia impecável (Pedro Sotero), que retrata tanto a secura e isolamento daquela cidade quanto a beleza do agreste nordestino (principalmente em certas tomadas noturnas), boa direção de atores (muitos deles completamente amadores!), ótima cenografia e acertados figurinos ressaltam o esmero técnico do longa.

A montagem, na grande maioria do filme, é muito bem feita, mas o início é um pouco arrastado, podendo cansar espectadores menos “habilitados” a obras (involuntariamente?) não comerciais (apesar do paradoxal forte apelo popular do filme).

Foto: Divulgação

O roteiro também não responde a todas as perguntas que a história levanta, o que também é positivo. Ao sair do cinema, fica-se refletindo e discutindo sobre o entendimento da trama.

Mas, apesar de tantos pontos positivos analisados de forma isolada, no conjunto, a obra causa certa estranheza. O que nos leva ao seu conteúdo, que contrasta com a declaração de Mendonça de que “nunca escrevi nada com a intenção de passar uma mensagem”.

Uma região sudeste em que há execuções públicas e Norte-americanos absolutamente xenófobos e amantes de armas de fogo recebendo carta-branca de autoridades e a colaboração de cariocas e paulistanos “de uma região rica, (e) mais parecida” com a deles,  para sair acumulando corpos nordestinos (de “criminosos”), acaba por se mostrar (enquanto metáfora) um tema sociopolítico relevante, diante do estado de coisas atual, de defesa do armamento da população como medida de segurança pública, de discursos sobre executar bandidos de forma sistemática durante ações policiais, de “civilizarização” (processo civilizador) de silvícolas.

Evidentemente, apresenta-se um subtexto crítico (nem tão “sub” assim) com relação ao nosso famoso “complexo de vira-latas”, e nossa admiração quase idólatra aos EUA.

Há, também, uma sugestiva incitação de que apenas por meio da educação (a cena mostrando uma escola abandonada e em ruínas logo na primeira cena deixa isso claro), da preservação da cultura (a capoeira e o museu sendo símbolos disso), da união e da resistência corajosa e à altura da opressão é que é possível manter a dignidade e a identidade (uma verdadeira identidade, fiel às suas origens e à sua história real, não recontada). O “predador” e o “caçador” podem se tornar a “caça”, se enfrentados de frente.

Aliás, a semente (supostamente psicotrópica) que Damiano (Carlos Francisco) oferta a todos que chegam à cidade e antes do confronto pode significar o vínculo com aquela terra (a cidade), uma incorporação do ambiente e daquela realidade.

Por último, a cena em que Michael reclama indignado a um chefe do Poder Executivo – “you promisse me! – por seus projetos não terem se realizado conforme o esperado é altamente metafórica.

Apesar de toda a violência e tensão, o filme consegue terminar com algum humor genuíno e com uma aparentemente paradoxal mensagem de paz (lenços brancos sendo acenados, trazendo a possível mensagem de que a guerra seria um caminho para a paz), provocando reflexões profundas acerca dos caminhos que o mundo – e principalmente o Brasil – está tomando.

Como disse Sônia Braga, mais ou menos com estas palavras durante as premiações do longa, trata-se de um filme que “uma vez visto, vai unir de novo as pessoas”.

Foto: Divulgação

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Nota: 4 / 5 (ótimo)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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