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Críticas

FORD VS FERRARI | Crítica do Neófito

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Mesmo as modalidades esportivas aparentemente mais “individuais” demandam uma equipe de apoio dando suporte ao atleta.

Isso se aplica até mesmo a esportes inimagináveis como, por exemplo, o xadrez, algo que o próprio cinema demonstrou em filmes da ordem de Face a Face com o Inimigo (Knight Moves, aventura ficcional de 1992, estrelado por ‎Christopher Lambert) ou Rainha de Katwe (Queen of Katwe, cinebiografia de 2016, com Lupita Nyong’o, baseado na história real de Phiona Mutesi).

 Foto: Divulgação

A respeito dos chamados esportes coletivos, todavia – especialmente o mais popular de todos, o futebol – a enorme infraestrutura existente por detrás dos jogos e campeonatos não só é bastante conhecida como até mesmo objeto de especulação sobre a ética questionável que percorreria seus bastidores e vestiários: a famosa cartolagem. Sempre foi objeto de acaloradas discussões se certos resultados de jogos não são previamente combinados entre dirigentes esportivos, jogadores e árbitros, em nome de interesses outros que não a disputa esportiva em si. Os exatos 6 a 0 da seleção argentina sobre a peruana na Copa do Mundo de 1978, que garantiriam que ela fosse para as finais; a final da Copa do Mundo de 1998, na qual a seleção francesa ganhou da brasileira por 3 a 0, depois de uma mal explicada convulsão do craque brasileiro, Ronaldo “Fenômeno”; são dois entre muitos (e muitos) outros jogos questionados na história do soccer.

Foto: Divulgação

O automobilismo também é considerado um esporte, tendo na ousadia, desprendimento e talento de seus pilotos seu principal atrativo. Todavia, trata-se de uma modalidade esportiva em que essa habilidade dos “atletas”, na prática, pode ter até baixíssima relevância, pois, o que conta mesmo é a qualidade da mecânica e do carro elaborado por uma certa fábrica automotiva e o entrosamento (sinergia) existente a equipe e o piloto. A equipe que concebe, projeta, desenha, constrói, dá manutenção e está presente segundo por segundo no ouvido do piloto, calculando o nível de combustível, o desgaste do pneu e a quantidade e a velocidade dos pit stop’s necessários durante um circuito muitas vezes chega a ser mais determinante do que o próprio piloto. É o que se chama de estratégia.

Alguns pilotos, todavia, demonstraram um potencial absolutamente diferenciado, capazes de, com sua habilidade ao volante, extrapolarem as próprias limitações mecânicas dos carros que pilotavam. Juan Manoel Fangio, Alain Prost, Nelson Piquet, Michael Schumacher e Ayrton Senna são exemplos históricos de pilotos dotados dessa capacidade única de superarem as deficiências de suas máquinas.

Foto: Divulgação

Em alguns casos, pilotos “medianos” têm o “seu dia”, no qual fazem a “volta” ou a “corrida” perfeita. Em maio de 2002, por exemplo, Rubinho Barrichello, no Grande Prêmio da Austrália, fazia a sua corrida perfeita, pilotando pela poderosa Ferrari. Seu carro estava insuperável, numa harmonia irrepreensível entre estratégia de equipe, execução do planejamento e capacidade do piloto em lidar com as adversidades naturais de uma corrida com 58 voltas, com 5.300 de quilômetros percorridos em quase duas horas.

Todavia, na reta do grid de chegada, quando não havia mais dúvida alguma de quem tinha ganhado aquela corrida de ponta-a-ponta, o carro de Barrichello reduz drasticamente a velocidade, chega para o canto da pista e deixa seu companheiro de escuderia, Michael Schumacher – então líder do campeonato e que, nesta corrida, estava em segundo lugar – ultrapassá-lo para ganhar a bandeirada.

O constrangimento no podium foi tão grande, que Schumacher desceu do lugar mais alto para que Barrichello pudesse subir e ser ovacionado como “campeão moral” daquele dia. Para a Ferrari, todavia, o resultado – ordenado dos boxes – foi fruto do cálculo para que ganhassem o título de melhor equipe daquele ano, além de darem ao piloto alemão uma vantagem de pontos considerável frente ao segundo colocado no campeonato de 2002.

A F.I.A. (Federação Internacional de Automóvel) ficou tão incomodada com a estratégia da equipe italiana daquele ano, que estabeleceu normas novas para que a Fórmula 1 passasse a punir esse tipo de manobra, que claramente afeta o caráter esportivo do automobilismo.

Esse tipo de estratagema, contudo, não vinha de hoje no âmbito automobilístico, que sempre sofreu com a dúvida atroz de se tratar mesmo de um esporte ou de uma enorme, internacional e muito cara estratégia de marketing das fábricas automotivas ao longo dos anos.

Tudo isso nos leva ao filme Ford vs Ferrari, dirigido por James Mangold (Logan), e estrelado por Christian Bale (no papel do engenheiro mecânico e piloto de corrida constante do Hall da Fama da Motorsports, Ha Ken Miles) e Matt Damon (também no papel do engenheiro e piloto Carrol Shelby), contando, ainda, com a participação luxuosa de Jon Bernthal (O Justiceiro, no papel de Lee Iacocca), de Josh Lucas (de Hulk de Ang Lee, como sempre, interpretando o “vilão” da vez, no caso, o CEO da Ford da década de 1960, Leo Beebe), da belíssima Caitriona Balfe (de Outlander, no papel de Mollie Miles) e do talentoso garoto Noah Jope (de Extraordinário, aqui vivendo o filho de Miles, Peter Miles).

Foto: Divulgação

Todo o filme é uma romantização e adrenalização dos eventos reais que circundaram a corrida das 24 horas de Les Mans, França, no ano de 1966, que marcou a ascensão da Ford – e, por conseguinte, dos Estados Unidos – como potência do automobilismo mundial, frente à hegemonia da Ferrari nesse terreno, uma vez que a glamourosa fábrica italiana estava prestes a falir no ano anterior, recusando-se a ser comprada pela concorrente americana e sendo incorporada pela Fiat.

Os personagens reais são retratados no longa com bastante esmero, mas ao mesmo tempo com fortes doses arquetípicas. Desse modo, o Shelby de Damon se mostra um homem de bom coração, meio malandro, tímido na defesa de certos posicionamentos, mas ao mesmo tempo ousado nas suas estratégias. O Henry Ford II, composto com muita competência por Tracy Letts, é o estereótipo do megaempresário que carrega o peso de um legado enorme sobre as costas, sempre frio e irritadiço na condução dos negócios, mas altamente passional nas suas reações. Josh Lucas, pela enésima vez, repete seus charmosos personagens vilanescos, inescrupulosos e ardilosos, capazes de fazerem maldades sem fim para alcançarem seus objetivos enquanto exibem um sorriso maravilhosamente branco e irresistível.

Foto: Divulgação

Resta a Christian Bale ­– aparentemente muito mais à vontade e leve do que normalmente – a melhor intepretação do filme, ainda que sua composição de Ken Miles – que foi motorista na Segunda Guerra Mundial – também não fuja do característico “genial homem rude”, irascível em suas convicções a respeito de sua paixão (os carros), pai e marido amoroso e super talentoso piloto de corridas.

Mangold também não é muito criativo ao retratar as muitas cenas de corrida do filme, utilizando o batido recurso de mostrar passagens de marchas sem fim e pés se apertando em aceleradores e embreagens para indicar a crescente tensão que advirá de uma ultrapassagem ou de uma aceleração marcante, no melhor estilo Velozes e Furiosos.

Mas isso não implica, também, que o filme não possua enormes méritos.

Apesar desse esquematismo de gênero, e de um certo anacronismo na abordagem de certas temáticas e concepção de certos planos e sequências, não há como negar que, mesmo assim, as sequências de corrida são verdadeiramente emocionantes e traduzem muito da tensão que um piloto deve sentir de verdade quando numa pista. A utilização, mesmo que por breves segundos, da câmera subjetiva, é capaz de transmitir a urgência e a imediatidade da tomada de decisão de um piloto durante percalços da disputa, como um acidente grave ocorrido logo à sua frente. E quem dirige automóvel vai se identificar imediatamente com tais cenas. Aliás, Mangold claramente opta por uma câmera fechada, quase em constante close no rosto dos personagens enquanto eles estão correndo com carros, o que funciona bem, justamente pelos motivos acima expostos. O Imax exibido para a imprensa potencializa tudo isso, aumentando a sensação de imersão. Aplausos, também, para a sonoplastia e seus muitos barulhos de motores roncando, aceleradores, freios sofrendo, zunidos de altíssima velocidade em pista. Em momento algum soam excessivos ou incômodos, mas sem deixar de corresponderem a algo muito próximo da realidade.

Foto: Divulgação (o famoso GT 40 Ford)

A história do filme, como dito – e para não dar nenhum spoiler, apesar de se tratar de uma história real, facilmente checada no Google – gira em torno da suposta grande amizade existente entre Miles e Shelby, a rivalidade entre Ferrari (Itália) e Ford (USA), a convocação dos dois por Henry Ford II para desenvolverem um carro de corrida capaz de fazer frente à escuderia italiana, o conflito em torno da forte personalidade de Miles como piloto e garoto propaganda da fábrica norte-americana.

A mensagem fica por conta dos questionamentos acerca do valer à pena correr tantos riscos e/ou morrer por um sonho ou uma paixão, contra tudo e todos (principalmente os interesses comerciais e corporativos), e mesmo em detrimento da família; e isso é muito real durante toda a projeção. Afinal, a verdadeira morte advém de morrer fisicamente em razão ou por se estar a fazer o que ama ou de permanecer vivo por anos a fio trabalhando em algo de que não se gosta, apenas para ter uma posição social?

Foto: Divulgação

Logicamente, há um subtexto ufanista que tenta ser discreto em sua exposição, mas que absolutamente não esconde o enorme orgulho norte-americano em conseguir se destacar em áreas nas quais, a princípio, não detinha know how relevante. No futebol (soccer), por exemplo, é claríssimo o esforço dos estadunidenses em se alçarem a um patamar bem mais alto do que até então alcançaram, inclusive com ações que visam a sanear eticamente a FIFA.

Outra coisa que chama a atenção é perceber como os pilotos automobilísticos, principalmente em meados do século passado, viam companheiros de pista morrendo em acidentes explosivos diante dos olhos e mesmo assim continuavam a fazer seu trabalho. É surpreendente o quanto a felicidade daqueles homens estava (e está) atrelada, verdadeiramente, a se posicionarem atrás de um volante, dirigindo e fazendo curvas acima de 200 ou 300 km/h em carros cuja segurança ainda estava muito longe de ser minimamente adequada. Cada qual sabendo que a próxima curva pode, de fato, ser a última, mas valendo à pena cada segundo mais rápido que se consiga imprimir em sua execução.

Seria a adrenalina um vício mais escravizante do que a heroína?

Foto: Divulgação

Por fim, Mangold parece ser claramente apaixonado pelo tema automobilismo, tamanho carinho demonstrado pelo diretor com sua obra, mas é preciso admitir que ele foi mais bem sucedido com Logan.

Ford vs Ferrari vai agradar não apenas os marmanjos que adoram carro desde criança, podendo ser curtido sem maiores problemas por toda a família, como costumava acontecer nas manhãs de domingo, quando o Ayrton Senna do Brasil fazia o coração de todo brasileiro se encher de orgulho e esperar, na linha de chegada os acordes do Tema da Vitória, até que uma única curva imperfeita na carreira do piloto, no distante ano de 1994, no Grande Prêmio da Itália, pista de San Marino, fez um país inteiro tirar o pé do acelerador e chorar…

Foto: Divulgação

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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