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Críticas

BRIDGERTON S01 | Crítica do Neófito

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A aclamada série televisiva da Netflix, Bridgerton, assistida por mais de 80 milhões de assinantes em menos de um mês de exibição, tem roteiro inspirado na série de 9 livros homônimos (muito bem) escritos pela norte americana Julia Quinn, ao longo de 13 anos (o primeiro livro, O Duque e Eu, foi publicado em 2000, enquanto o último, E Viveram Felizes para Sempre, em 2013). Por óbvio, nesta primeira temporada, a história gira bastante em torno da primeira publicação.

Trata-se, portanto, de uma riquíssima fonte de enredos e tramas para a construção de um programa de televisão de média/longa duração. Só o primeiro livro de Quinn tem quase 500 páginas! (os demais ficam na casa das 300).

 Foto: Divulgação (no detalhe, Julia Quinn e seus 9 “filhos”, que venderam milhões de cópias ao redor do mundo)

As histórias – dos livros e da série televisiva – remetem o espectador para a Inglaterra do início do século XIX, abarcando parte do período da regência britânica (graças a loucura do Rei Jorge III), com acurada pesquisa e reconstrução histórica por parte da escritora e dos roteiristas. As tramas aristocráticas – muitas delas aparentemente beirando à frivolidade quando encaradas sob o olhar moderno – são repletas de amores, conquistas, glamour, bailes, vestidos luxuosos, joias, títulos de nobreza, duelos, intrigas e escândalos,  e acabam por lembrar muito Jane Austen (1775-1817). Todavia, são dotadas de uma dose de leveza, acidez e bom humor que seriam difíceis na pena da famosa escritora inglesa, autora de Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade e Emma, para citar seus mais famosos e já adaptados romances.

O fato de escrever com grande distanciamento histórico e cultural da época retratada em seus livros, permite à Julia Quinn grande liberdade e criticidade acerca de aspectos sociológicos, culturais e antropológicos do período em que situa suas tramas. A prosa clara, dinâmica e muito bem fundamentada em termos historiográficos complementam o trabalho, tornando a leitura sobre a saga da família de viscondes Brigderton extremamente agradável e altamente instrutiva.

Felizmente, a série televisiva conseguiu altíssimo grau de eficiência na transposição do texto fácil de Quinn para o formato live-action. Bridgerton (a série televisiva) é deliciosamente sedutora e cativante. Com ritmo ligeiro e sempre avançando com a história, os 50 minutos dos 8 episódios da primeira temporada passam sem que o espectador os perceba, ficando sempre um gostinho de quero mais ao final de cada capítulo.

isso se deve à direção leve e competente, somada a uma produção caprichadíssima, com locações deslumbrantes, trilha sonora extremamente adequada (até mesmo com inclusão sutil de músicas modernas interpretadas ao modo clássico), figurinos de encher os olhos, reconstrução de época impecável, efeitos visuais de altíssima qualidade e elenco afinadíssimo, encabeçado (nessa 1ª temporada) pela expressiva Phoebe Dynevor, perfeita no papel da típica mocinha vitoriana Daphne Bridgerton, e o belíssimo ator Regé-Jean Page, vivendo o enigmático duque Simon Basset Hastings, os quais formam o par romântico com mais química da televisão mundial dos últimos tempos. Mas os demais atores não ficam nada a dever, sendo injusto falar de um sem citar de outro; como são muitos – só a família Bridgerton é formada pela matriarca, oito filhos e diversos criados – ficaremos apenas nos protagonistas nesta crítica inicial. O único senão que pode ser colocado é a previsibilidade dos amores sobre os quais o enredo se constrói, mas nem os livros, nem a série, escondem pertencer ao gênero romance.

Foto: Divulgação (o núcleo principal do elenco de Bridgerton)

A aparente superficialidade do roteiro, quase sempre girando ao redor de um baile e da busca das debutantes por um bom partido – bem como das aparências sociais acima de qualquer coisa – esconde um acurado estudo sobre costumes humanos e os equívocos de séculos de construção de uma sociedade religiosa (ao invés de realmente espiritualizada) machista e estratificada. O sexo envolto em tabus, o papel da mulher reduzido ao lar e à maternidade, o lugar privilegiado dos homens no contexto social, tudo está presente no programa da Netflix, embalado com muito bom gosto e humor, de maneira que o subtexto de crítica sociocultural do roteiro é absorvido quase que inconscientemente.

Mas o maior acerto da série televisiva foi, sem dúvida, proceder uma sutil, porém significativa, alteração do texto de Julia Quinn, na transposição para a tela. Trata-se da inclusão, de forma orgânica e integrada, das pessoas pretas como personagens da história, absolutamente iguais na sociedade vitoriana inglesa, como se a escravidão nunca tivesse ocorrido e todas as raças tivessem vivido em perfeita harmonia na construção do modelo social predominante. O duque de Hastings (Regé-Jean Page), por exemplo, é preto, bem como a própria Rainha Charlotte da Inglaterra (Carlota de Mecklemburgo-Strelitz)*, interpretada de forma brilhante por Golda Rosheuvel.

*Há uma teoria, defendida pelo historiador Mario de Valdes y Cocom, de que a rainha Charlotte teria distante ascendência africana; todavia, ainda que a tese seja real, o fato é que, historicamente, ela tinha pele alva, conforme retratado em diversos quadros e relatos a seu respeito. A alteração feita para a série tem objetivo narrativo e até mesmo acertadamente político, enriquecendo a história e garantindo uma bem vinda [e tardia] representatividade.

É muito bom e recompensador ver pessoas pretas em papeis que, historicamente considerados, seriam impossíveis. Dá para imaginar, ao se assistir a Bridgerton, como seria uma sociedade na qual as pessoas fossem julgadas tão somente pelas suas atitudes e nunca pela cor de sua pele e em que pretos e brancos vivessem em real pé de igualdade. E isso não é pouca coisa!

Foto: Divulgação (no detalhe, pintura a óleo da Rainha Charlotte verdadeira e sua personificação na série, na pele de Golda Rosheuvel)

A trama, além de suscitar as reflexões acima mencionadas acerca do machismo, do sexismo, da repressão sexual e do racismo, ainda consegue ser um competentíssimo entretenimento para adultos, apresentando cenas de sexo de altíssimo bom gosto e não explícitas (sem mostrar nada que não seja naturalmente necessário) e ao mesmo tempo realistas. A já mencionada química entre os atores principais – bem como a naturalidade de suas interpretações – faz pensar na artificialidade do erotismo teatralizado da trilogia cinematográfica 50 Tons de Cinza, por exemplo, que consegue – desculpando o termo mais direto – ser quase brochante nas suas cenas sensuais e com o mérito de não ter o componente abusivo (também presente em outra comentada obra erótica pop, 365 dni). Regé-Jean Page e Phoebe Dynevor conseguem fazer com que a temperatura realmente se eleve nas suas “relações matrimoniais” (episódio 6).

Foto: Divulgação

Outra coisa digna de nota é o mistério do enredo sobre a identidade da misteriosa da narradora da história – na trama, a escritora de um jornal de fofocas lido por toda a alta-sociedade – que tem a voz da eterna Noviça Rebelde, Julie Andrews. Após ser revelada no último episódio, as pistas dadas ao longo da temporada sobre o alterego da personagem ficam claras. Mas tudo é construído de forma tão competente que os sinais passam desapercebidos.

Ou seja, Bridgerton é, de fato, um programa de primeiríssima linha, bastante recomendável para casais adultos, que une organicamente romantismo de folhetim com tempero picante, crítica, trama sempre em movimento, roteiro inteligente e dinâmico.

Que venha logo sua segunda e já confirmada temporada!

Foto: Divulgação (a maioria dos personagens principais de Bridgerton)

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Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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