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Críticas

O ASTRONAUTA – Tão vazio quanto o universo | Crítica do Neófito

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Há obras artísticas – sejam livros, quadros, esculturas, peças de teatro ou produções audiovisuais – que, mesmo dotadas de uma estética simples e/ou baixo orçamento, constituem-se, na verdade, em pequenas pérolas de cunho filosófico, capazes de provocar reflexões profundas em quem tiver a oportunidade de as apreciar.

Livros como O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, por exemplo, apesar da sua banalização nas bocas de inúmeras misses, e de sua aparência lúdica e infantilizada, traz uma profunda reflexão sobre a complexidade dos relacionamentos humanos e é carregado de dor em várias de suas passagens.

Outro livro, nacional e mais recente, Tudo é Rio, de Carla Madeira, consegue mostrar que o impossível pode ser possível, com profundas reflexões sobre a passagem do tempo, sobre perdão e redenção.

Foto: montagem de divulgação na rede (paulada na mente e coração!)

Tio Vanya – obra prima teatral de Tchécov – fala da dor de ter que lutar contra ou de se aceitar ou de se conformar com o “destino”.

No campo da cinematografia, o concorrente ao Oscar de melhor filme de 2024, Vidas Passadas, com a singeleza de sua estética, consegue ser lírico e incrivelmente reflexivo sobre as consequências das escolhas próprias e impostas que tomamos e sofremos na vida.

2001: Uma Odisseia no Espaço, Blade Runner, Interestelar, Em Busca da Terra do Nunca, Sociedade dos Poetas Mortos, Dias Perfeitos, entre inúmeros outros filmes, com maior ou menor investimento na sua produção, de forma mais explícita ou sutil (às vezes, até enigmática), e de maneiras diferentes, conseguem falar muito sobre questões existenciais humanas.

Foto: Cartazes de divulgação na rede (prepare-se para pensar e se emocionar)

Para isso, utilizaram-se tanto do texto – do roteiro ou dos diálogos e falas ­– quanto das imagens para contar histórias que, para além de sua trama propriamente dita, provocavam reflexões, extrapolando, muitas vezes à revelia de seus autores, suas intenções iniciais (no sentido de “obra aberta”, como defendeu Umberto Eco).

Por outro lado, há obras – notadamente audiovisuais – que se pretendem filosóficas e “profundas”, mas que, seja por incompetência ou simplesmente incapacidade de seus realizadores não conseguem cumprir seus objetivos, tornando-se esteticamente elaboradas e supostamente complexas, mas fracassando nos seus intentos.

Este é o caso de O Astronauta, mais recente produção da Netflix junto de Adam Sandler, nas suas empreitadas “sérias”, isto é, fora do seu natural habitat do humor físico e, por vezes, escatológico.

Sandler, aliás, tem se mostrado um ator realmente um bom e versátil, capaz de transitar bem entre papeis dramáticos e humorísticos, sempre retratando o homem comum. Espanglês (2004), Reine Sobre Mim (2007) e Joias Brutas (2019) são exemplos incontestes da sua capacidade dramática, abstração feita a algumas de suas comédias horrorosas, como Zohan: Um Agente Bom de Corte (2008) e Cada Um Tem a Gêmea Que Merece (2011).

Foto: cartazes de divulgação na rede (Sandler indo do bom ao péssimo!)

Em O Astronalta – filme baseado no livro homônimo de Jaroslav Kalfar (o qual, este colunista confessa não ter lido) – Sandler vive o astronauta tcheco Jakub Procházka, há seis meses isolado numa viagem estelar investigativa rumo a uma nuvem de partículas que coloriu o céu terráqueo.

Uma vez sozinho no espaço – que ainda envolve uma disputa com uma expedição coreana – Jakub começa a refletir sobre seu casamento e sua misantropia, a partir do momento em que sua esposa, Lenka (vivida por Carey Mulligan) para de se comunicar com ele, revelando, na Terra, seu desejo de se divorciar o que, em termos objetivos, pode comprometer a missão espacial.

Foto: Divulgação (será que o amor só funciona enquanto conto de fadas?)

Há várias coisas que, em livro funcionam bem, mas que, em filme, soam estranhas. Dificilmente, por exemplo, no mundo real, uma missão dessa magnitude seria encabeçada por um único astronauta, justamente pelos impactos psicológicos que tal alongado isolamento certamente provocaria na pessoa, colocando em risco todo o alto investimento para a viabilização de uma viagem espacial.

A precariedade dos equipamentos – banheiro com mal funcionamento, câmeras queimadas etc. – também é bastante conveniente para os objetivos do roteiro, que tenta retratar, em live action, uma situação próxima da real.

Mas o principal problema da narrativa e roteiro estão nos elementos que se pretendiam ser mais reflexivos. A aparição da Hanus (voz de Paul Dano, excelente) – literalmente uma aranha espacial – aproveita-se das conveniências do roteiro – como o caso das câmeras queimadas, que impedem o centro espacial na Terra de ver o que acontece no interior da nave de Jakub – de modo que nunca ficará claro se o alienígena seria uma espécie de Wilson (de O Náufrago) de Jakub, criado pela desesperada mente solitária e sofrida do cosmonauta ou um alien real.

Fonte: Divulgação e montagem (será que são parentes??)

Hanus não se define como ameaça; nem, a princípio, como aliado; não provoca o pavor que deveria causar numa pessoa normal confrontada com aquela situação e nem empatia imediata. Parece mais um pesquisador curioso, capaz de acessar as memórias de Jakub, mas seletivamente tão somente as que dizem respeito ao seu afeto pela esposa, sua tendência ao isolamento voluntário e traumas de infância (tudo relacionado entre si).

O trabalho de voz de Paul Dano é excepcional, revelando-se a melhor coisa do filme. Carey Mulligan também empresta o máximo de força dramática possível para sua personagem e Sandler se esforça para conferir profundidade ao seu O Astronauta (reparem em seu olhar constantemente cansado e deprimido), mas o problema, definitivamente, não está nas mãos dos atores, mas na concepção do roteiro, muito reverente a obras como 2001 e, principalmente, Solaris, porém, sem conseguir chegar ou justificar suas intenções; ou talvez, a primeira experiência em longas-metragens do diretor Johan Renck tenha prejudicado o melhor resultado a que um filme desses poderia chegar.

Afinal, seria realmente necessário ir tão longe no espaço para descobrir que se ama sua mulher e que o melhor, diante dos problemas – que podem ser desde dificuldade de se relacionar com pessoas a uma misteriosa nuvem de partículas interestelar – seria se sentar, conversar, buscar reaproximação e entendimento do que partir para uma aventura solo, potencialmente suicida? (ou simplesmente “se afastar”?)

Haveria real necessidade de um ser alienígena (ou imaginário) aparecer nos confins do sistema solar para fazer perguntas que um homem sozinho por seis meses já deveria estar cansado de se fazer? (ou num processo psicoterapêutico?)

Vale mesmo investir tantos milhares de euros ou dólares numa aventura estelar (ou cinematográfica) para recuperar o amor e a empatia humana de um único homem?

Talvez até valha, quando bem-feito – como em Gravidade – mas que não é o caso de O Astronauta.

Ao final, o filme passa a impressão de uma produção muito cuidadosa em termos estéticos, com bons efeitos, fotografia competente, atuações dedicadas, muitas boas intenções, e pouca realização.

Vai agradar a muita gente, mas vai deixar uma sensação de vazio em tantas outras, como se lançadas no espaço sideral, rumo ao nada…

Foto: Divulgação (literal e figurativamente: “que viagem”!)


Nota: 2,5 / 5 (regular)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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