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Críticas

FICÇÃO AMERICANA – A (i)lógica da vida | Crítica do Neófito

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Thelonious Ellison, personagem principal de Ficção Americana, é um romancista sofisticado, que gosta de beber um bom vinho enquanto mantém alguma conversa inteligente com seus interlocutores, preferencialmente sem muita troca de intimidade, de modo a retornar para sua casa depois e curtir sua solidão. Seus irmãos são médicos, bem-sucedidos, apesar de ambos estarem se recuperando financeira e emocionalmente de recentes divórcios. Sua família tem uma casa na praia, uma “empregada-agregada” e um falecido pai em circunstâncias trágicas, que era considerado um gênio-misantropo.

Ao que parece, Thelonious – mais conhecido por Monk – também é doutor e professor de literatura inglesa e gosta de discutir autores relevantes, principalmente para a cultura negra, da qual faz parte, afinal, Monk – interpretado brilhantemente por Jeffrey Wright (Westworld) – é um homem negro de meia-idade.

Sua indignação, logo na primeira cena, ao ser advertido por uma aluna – branca! – por ter escrito a “ofensiva” palavra “nigger” no quadro, é impagável, e dá o tom de Ficção Americana, este filme incomum, de humor ácido, quase metalinguístico, que concorre ao Oscar deste ano de 2024.

Foto: Divulgação (como diz Léo Jaime: “quem sou eu e quem é você? nesta história não sei dizer”)

Monk é um poço de ressentimento. Está cansado de ser elogiado, por diversos editores, pela excelência de seu texto, mas não conseguir nem ao menos ter seus livros expostos na prateleira certa das livrarias que se dignam a vendê-los. Enquanto isso, outros autores negros, muito menos sofisticados, mas que se “rendem” ao mercado editorial predominantemente branco, e escrevem estereótipos da negritude para conseguir vender, estão arrebentando.

Para piorar, sua mãe dá sinais e avança rápido no Alzheimer, criando uma situação de crise não apenas existencial, mas muito concreta e real.

Ligando o botão do “f*da-se”, Monk, então, decide escrever um livro sob pseudônimo, sem pesquisa ou erudição e que, apenas, reforce os estereótipos negros à potência máxima; tudo como uma farsa, feita para achincalhar as editoras, algo que seu agente, aliás, concorda.

Mas, para sua estupefação, o livro é um sucesso estrondoso!

Numa frase incrivelmente irônica, que expressa toda a surpresa sincera de Monk sobre aquela situação absurda na qual se vê inserido – algo só possível no país em que vive e luta para sobreviver e ser alguém – ele diz: “quanto mais idiota eu sou, mais rico eu fico”! (não é spoiler! está no trailer!!).

Monk é um personagem fabuloso. É agradável, inteligente, educado e refinado, mas, ao mesmo tempo, profundamente arredio, intolerante, explosivo e isolacionista. Ele só parece se dar conta disso quando é comparado com o pai, cujo fim trágico é, claramente, um trauma familiar.

Ao mesmo tempo que tenta se aproximar da família, ele mantém “muros” por meio dos quais mantêm a todos a uma “distância segura”. Até mesmo o explícito interesse romântico por ele demonstrado pela bela mulher Coraline (Erika Alexander), vizinha da casa de sua mãe, parece simultaneamente atrai-lo e incomodá-lo, o que, cedo ou tarde, o levaria a sabotar tal relação.

Foto: Divulgação (a realidade pode ser boa!)

A crítica à sociedade norte-americana é fenomenal e contundente, mas, concomitantemente, sutil.

Afinal, como assim uma branca recém-saída da adolescência pode acusar um negro norte-americano – que a está ensinando sobre cultura negra – de ser racista?

Como assim um livro propositalmente mal escrito e jocoso pode ser considerado o melhor livro da atualidade?

Como a história sem-pé-nem-cabeça criada por Monk sobre caricaturas de negros pode ser considerada o melhor retrato da comunidade afro-americana dos Estados Unidos?

Como todo mundo consegue acreditar e preferir que ele – Monk – seja uma pessoa completamente inventada e diferente do que ele é na realidade, cortejando a “ficção” ao invés da realidade?

São várias as questões que o roteiro de Cord Jefferson – que também dirige Ficção Americana – levanta, instiga e provoca no espectador. Mas, ao contrário de muitos filmes atuais, não entrega respostas fáceis ou prontas.

O fascinante do filme é brincar com essa ideia de “ficção”. Um negro estadunidense só pode ser “genuinamente” negro se incorporar o ideário imaginado do que deveria ser um “negro”? Ou seja, ser preto, erudito e bem-sucedido, em pé de igualdade com os brancos seria uma “ficção”? Por isso, a “ideia ficcional” é mais atraente do que a realidade?

Mas, ao mesmo tempo que Ficção Americana critica a hipocrisia do racismo norte-americano, ele deixa claro, também, que apenas nos Estados Unidos é possível fazer uma ‘ficção’ sobre esta realidade social de lá.

Com atuações ótimas, belas locações, fotografia azulada (que impregna um tom mais melancólico ao longa), direção inspirada e roteiro corajoso e inovativo, Ficção Americana certamente não ganhará a estatueta de melhor filme, mas ficará marcado como um filme inteligente e marcante desses tempos que, se não estivéssemos a vivê-lo ao vivo e em tempo real, também poderíamos supor que se tratasse de uma piada de mal gosto ou, de uma ficção desarrazoada.

O filme já está disponível na plataforma da Amazon Prime Video! Aproveite para dar aquela conferida antes do Oscar e tirar suas próprias conclusões.

Até a próxima viagem, passageiros nerds!!

Foto: Divulgação (afinal, é uma ficção ou um estudo sociológico-cultural?)


Nota: 4 / 5 (ótimo)

 


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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