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Críticas

TRUE DETECTIVE: TERRA NOTURNA – A escuridão interna maior que qualquer escuridão externa | Crítica do Neófito

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Nitzsche, em seu livro Além do Bem e do Mal, formulou uma das suas mais icônicas frases: “quem deve enfrentar monstros deve permanecer atento para não se tornar também um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti”.

Tal complexa frase do filósofo prussiano se encaixa como uma luva nesta quarta temporada da série de televisão, em formato de antologia, True Detective, criada em 2014 por Nic Pizzolatto.

Antes de prosseguir, cabe dizer que o primeiro arco da série – produzida/exibida pela HBO e estrelada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson – foi um tremendo sucesso, que ajudou a renovar os roteiros das tramas detetivescas, ao se situar em duas linhas temporais separadas por décadas e transitar na fronteira entre o realismo e o sobrenatural, além de contar com atuações de altíssimo nível.

A segunda temporada (2015) – protagonizada por Colin Farrell, Rachel McAdams e Taylor Kitsch – tentou, ao mesmo tempo, inovar e seguir a fórmula bem-sucedida do primeiro ano do programa, mas foi, evidentemente, a mais fraca de todas as temporadas, contando com alguns poucos momentos memoráveis, numa trama mais “pé no chão” e simultaneamente pouco atrativa.

A terceira temporada – estrelada soberanamente por Mahershala Ali, e a última sob a batuta do criador da série – só viria quatro anos depois (2019), mas o hiato fez bem à produção, servindo para a depuração do roteiro que, além de trazer uma história interessante, não teve medo de repetir certos elementos que funcionaram na saudosa primeira temporada, como a trama que atravessa décadas e algum leve apelo sobrenatural.

Eis então que, em janeiro de 2024, estreia a quarta temporada de True Detective, contando com a irretorquível Jodie Foster (sem pudor de mostrar as marcas de seu envelhecimento no rosto) no papel da chefe de polícia Liz Danvers, e a força da natureza chamada Kali Reis (cheia de tatoos e piercings originais), na pele da policial Evangeline Navarro, agora sob o roteiro e direção de Issa López.

Foto: Divulgação (Kali Reis, Jodie Foster e Issa López: as verdadeiras “garotas superpoderosas”!)

Além do tradicional mote de mortes misteriosas e passados conturbados, a quarta temporada de True Detective – ambientada no gélido e escuro inverno do extremo norte do Alasca, na fictícia cidade de Ennis – abraça de vez sua vertente sobrenatural – abusando de aparições fantasmagóricas e enigmas tétricos – e uma narrativa repleta de metáforas semióticas.

Sendo assim, a cidade de Ennis – assim como real cidade de Barrow – padece de quase dois meses de noite ininterrupta, abarcada por um frio absurdo (até -50 ºC) e inesperadas tempestades de neve.

Foto: Divulgação (isso é o que se pode chamar de uma “manhã gloriosa”!)

Mas toda essa inóspita escuridão e frio são símbolos da escuridão e frieza que o ser humano é capaz de não apenas trazer dentro de si, mas de extravasar na direção de outras pessoas, com resultados quase sempre obscuros e desagradáveis (para não dizer violentos e sanguinários).

O problema é quando o ser humano, para combater a escuridão e os monstros da existência, precisa mergulhar fundo no “abismo” (principalmente o “seu”).

É nesse momento que se corre o risco – como na mencionada frase de Nitzsche – de, no decorrer do processo, o caçador de monstros acabar se tornando um monstro também, engolfado por tanta escuridão. É o que se vê, pro exemplo, quando policiais, mergulhados no ambiente da criminalidade, acabam se tornando milicianos; quando políticos, ao verem tanto dinheiro público disponível, acabam por roubar a merenda de crianças carentes para engordar a própria carteira e por aí vai.

Na história de True Detective: Terra Noturna, aquela escuridão gélida é quase que o desnudar da alma de Danvers e Navarro, ambas consumidas pelas dores involuntárias e voluntárias de seus passados solos e em comum; assombradas por “fantasmas” que sempre as lembram dos erros que cometeram e fatalidades que sofreram.

Foto: Divulgação (uma bela manhã de trabalho)

Quanto mais a cidade mergulha na noite e no frio, mais as duas detetives adentram as sombras e no gelo de suas almas, num processo que vai envolvendo e contaminando pessoas e coisas aos seus redores. A busca quase desesperada por redenção, por um nascer do sol que nunca acontece, só torna tudo mais obscurecido e inóspito.

Por mais que tentem resolver os mistérios tenebrosos por trás do violentíssimo assassinato de uma ativista local que lutava contra a mineradora que envenenava a água da cidade, causando câncer e vários natimortos na região (não à toa, comandada por uma empresa escusa, apresentada na primeira temporada); e a tórrida e enigmática morte simultânea de sete cientistas de uma estação de pesquisa, parece que tudo só piora e, a cada esforço para ver alguma luz, parece que só se consegue aprofundar as marcas de um passado também violento e despropositado, como a espiral que recorrentemente aparece nos locais dos crimes, simbolizando o “o tempo como um círculo plano” (outro símbolo herdado do primeiro ano da série).

A escuridão é contagiante. O abismo consome toda luz, como um buraco negro. O jovem policial Peter Prior (Finn Bennett) descobre isso da pior maneira, bem como seu rancoroso pai policial – já mergulhado nas próprias sombras – Hank Prior (John Hawkes). A enteada de Danvers, Leah (Isabella Star LaBlanc) pinta o rosto com a tinta preta, o mesmo breu que se encontra na longa noite que recai sobre a cidade e na água que as pessoas dali bebem. Já a irmã de Navarro, Julia (Aka Niviâna), mergulha tão fundo na ausência de luz que sucumbe miseravelmente…

Foto: Divulgação (Finn Bennet como Peter Prior: como a ignorância às vezes é uma bênção!)

A única que parece lidar bem com toda aquela escuridão e frio é a solitária Rose (a veterana e ótima Fiona Shaw), cujos fantasmas não a assustam nem amedrontam, mas, ao contrário, a auxiliam a auxiliar. Ela deliberadamente abraçou o abismo. Talvez, como a proposta da terapia analítica junguiana, ela não tenha negado sua sombra, nem a empurrado para o fundo da alma e do inconsciente, mas a tenha trazido para a luz da consciência, pouco importando se, do lado de fora, a escuridão (na forma de noite interminável ou violência, dores, mortes etc.) continue a dominar todo o cenário.

Em termos técnicos, Terra Noturna é um show de logística, sendo gravada quase completamente à noite e em terras geladas. A fotografia, todavia, apesar de retratar a noite interminável, é clara o suficiente para que o público veja tudo com distinção.

As atuações são ótimas. A direção é segura. O roteiro é inventivo e bem coerente, apesar dos toques de terror gore. O grande plot twist de resolução do caso é muito bem conduzido e inesperado.

O único senão fica por conta de certo exagero ao tom sobrenatural. Ao final do último episódio, fica possível entender a metáfora por detrás de tantas almas penadas, muitas vezes surgidas como recurso de provocar sustos fáceis no público, distraindo-o do verdadeiro cerne da trama. Mas, até que a resolução chegue, fica-se com a sensação de que o programa se enveredou de vez para o terror místico e não o humano.

O final em aberto de Navarro – que também tem sido objeto de discussões entre críticos e público – não é tão “misterioso” assim. Sua caminhada reta é símbolo do rompimento daquele ciclo vicioso representado pela espiral já mencionada. Uma tentativa de se reconciliar consigo mesma, em buscar alguma luz dentro de si, igual a que Danvers faz, mas sem precisar se mover fisicamente.

A solução da violência como pagamento da violência, da virada do oprimido contra o opressor é bem justificada na trama, mas não deixa de ser uma mensagem – bem simbolizada nas marcas de tinta preta que os nativos trazem no rosto e no corpo – da capacidade para atitudes incrivelmente sombrias que todos temos dentro de nós.

Depois da primeira, esta temporada marca terreno como a segunda melhor trama da série, mas ainda não consegue superar a pioneira, graças a alguns recursos fáceis e apelos ao “inexplicável”.

Ainda assim, é uma excelente opção de série adulta para assistir ou maratonar.

Foto: Divulgação (encarando a verdade)


Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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