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Críticas

NOSSO LAR 2: OS MENSAGEIROS – Um filme desencarnado | Crítica do Neófito

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Desculpando-me pelo tom mais pessoal no presente texto, preciso iniciar dizendo que relutei muito em comentar o filme Nosso Lar 2: Os Mensageiros, devido ao fato de ter um histórico de vida profundamente ligado ao Movimento Espírita brasileiro, de onde obtive (e mantenho) meus melhores, mais longevos e queridos amigos.

Por outro lado, não acho justo privar os passageiros do Nerdtrip – que nos honram com a leitura de nossas matérias – de algumas considerações sobre esta obra cinematográfica nacional que, abstração feita ao sucesso de público (com dez dias em cartaz já havia batido a casa do um milhão de espectadores), apresenta os velhos e recorrentes problemas do cinema brasileiro, além de fragilidades constantes em si próprio.

Feita esta breve introdução, pode-se dizer que Nosso Lar 2: Os Mensageiros falha profundamente nas duas propostas que apresenta, isto é, não funciona enquanto propaganda doutrinária e nem como obra cinematográfica.

Iniciando pelos aspectos técnicos, o filme é a continuação direta da bela e bem-sucedida produção de 2010 – também dirigida por Wagner Assis – baseado, agora, no segundo livro da chamada “Coleção André Luiz”, coletânea de 13 livros psicografados pelo médium mineiro Chico Xavier, ditados pelo espírito de um falecido médico carioca que adotou o pseudônimo de André Luiz.

Foto: FEB Coleção André Luiz

As obras narram a trajetória do agora desencarnado médico no que seria uma Colônia Espiritual, situada numa dimensão metafísica sobreposta à cidade do Rio de Janeiro. As descobertas de André Luiz acerca da mecânica da vida espiritual – descritas com riqueza de detalhes, em forma de romance e de fácil leitura – funcionam tanto como uma jornada de autodescobrimento pessoal do personagem quanto um repositório de lições da filosofia espiritualista do Espiritismo, de modo que tais livros são considerados de suma importância para quem quer se aprofundar nesta cultura em específico.

O filme de 2010 se baseava inteira e fielmente no primeiro e homônimo livro da mencionada coleção e chegou a ser rotulado como um marco do cinema nacional, ao utilizar de forma orgânica efeitos especiais competentes com cenografia caprichada, boas atuações e um apelo que extrapolava o “nicho” espírita propriamente dito.

Quatorze anos depois, Assis retoma àquele universo – na visão de muitos, fantasioso e pouco verossímil – para, agora, adaptar o segundo livro da coleção – Os Mensageiros – trazendo de volta Renato Pietro, para o papel de André Luiz e Othon Bastos, como o Governador de Nosso Lar.

Mas foi apenas isso que o diretor conseguiu resgatar da sua primeira experiência bem-sucedida, pois, nos demais quesitos cinematográficos, tudo o que havia sido feito de bom no filme anterior, perdeu-se desastrosamente nesta nova empreitada.

Nosso Lar 2: Os Mensageiros é tecnicamente ruim, apresentando (d)efeitos especiais sofríveis, que lembram seriados de televisão aberta como Power Rangers. Nada funciona neste quesito: a cena de abertura – que mostra o universo – parece ter sido obtida no Google Imagens em baixa resolução! A concepção do “Parque das Águas”, do qual se avista a Terra é de uma artificialidade incômoda (principalmente se comparada à queda d’água da Asgard pré-destruição do MCU). A imagem final – de um coração no céu – é amadora e (não encontro outra palavra) brega.

Foto: Divulgação (o bom deste efeito é… nada!)

A retratação dos “passes magnéticos” parece ter sido feita com a mesma técnica de prisma que usávamos nos laboratórios de física da escola básica, para reproduzir as cores do arco-íris. Os cenários “espirituais” são pobres e limitados, com design aparentemente “modernos”, mas que lembram muito mais o mobiliário europeu abstrato da década de 1960, além de ilógicos: por que as mesas não teriam pés?

A fotografia e os figurinos se circunscrevem aos tons pasteis quando no “plano espiritual superior” e no “plano físico”, só acrescentando o cinza escuro, o marrom e o preto ao mostrar o “plano espiritual inferior”.

A reconstrução de época (da passagem da década de 1940 para 1950) se limita a dois cenários e algumas vestimentas e utensílios domésticos característicos do período.

E o que falar da trilha sonora genérica, baseada em obras já conhecidas de novelas e outras mídias, inserida de forma invasiva e incômoda ao longo de toda projeção?

Montado muito livremente sobre fragmentos isolados do livro Os Mensageiros, a maior falha do filme, porém, advém do seu roteiro, que é incoerente, com diversos saltos narrativos e lacunas, algumas delas suprimidas pela narração em off do personagem André Luiz (quase um figurante), o que denota uma falha estrutural numa obra cinematográfica, que deve se utilizar não apenas do “texto” para contar sua história, mas – às vezes muito mais! – do recurso das imagens.

Com isso, Nosso Lar 2: Os Mensageiros se torna extremamente verborrágico e proselitista, pois, além da narração em off, a toda hora apresenta muitas explicações “técnicas” e morais, além de vários discursos “edificantes”, não deixando espaço para a sutileza e o lirismo que poderiam ter ficado a cargo das imagens para estimular a construção dialética de certos significantes e significados com o público.

O ponto positivo fica para as atuações, nas quais os atores se empenham para dar o máximo de credibilidade para as emoções de seus personagens, mesmo quando mal desenvolvidos e fruto de situações não explicadas. Edson Celulari faz de tudo para trazer alguma expressão menos blasé para seu personagem Aniceto (um “instrutor espiritual”), mas se percebe claramente a pré-concepção de que “espíritos evoluídos” devem estar acima das emoções humanas mais básicas, mesmo nas situações mais tensas.

Felipe de Carolis se entrega de corpo e alma ao seu personagem Otávio, um médium que, em vida, deixou-se corromper pela ganância, a luxúria e o sexismo machista, tornando-se, ao desencarnar, um amargurado e vingativo obsessor.

Fábio Lago, Fernanda Rodrigues, Vanessa Gerbelli dão dignidade a seus personagens; enquanto Mouhamed Harfouch retira leite de pedra com seu Isidoro. Todavia, de maneira geral, os personagens são todos clichezados, sem sutilezas ou camadas, os quais transitam do sofrimento atroz para a felicidade enlevada como se muda de roupa.

Foto: Divulgação (preparando-se para literalmente assombrar)

O que nos leva ao outro aspecto deste filme que, conforme o próprio Edson Celulari disse numa entrevista para o canal Telecine, destina-se a um nicho específico de público, que é o espírita assumido ou o simpatizante (que acredita) de certos princípios do Espiritismo). Trata-se do aspecto doutrinário, ou, melhor dizendo, em termos cinematográficos, da mensagem que o filme que passar (a “moral da história”).

O filme já sai perdendo por se basear no talvez mais fraco e episódico exemplar de toda a Coleção André Luiz, o livro Os Mensageiros. Em função disso, o roteiro se constrói – como dito acima – como um Frankenstein, a partir de fragmentos de histórias resumidamente contadas diretamente da boca de certos personagens (que, aqui, ganham são promovidos a protagonistas), mais uma ideia lançada em passant num capítulo específico, além de outros princípios e conceitos desenvolvidos em outras obras ou no próprio folclore espírita. Isto confere caráter demasiado fantasioso para algumas situações e pouca profundidade à(s) história(s) ali contada(s), marcada(s) por diálogos inéditos pouco inspirados ou fielmente copiados (mesmo que descontextualizados) de trechos do livro-base.

Como mostra desta pouca profundidade, via de regra, a solução para todos os problemas dos personagens está no “amor”, apresentado como panaceia para qualquer questão, mas cujo conceito não é minimamente desenvolvido. Da mesma maneira, se a caridade é tão essencial, por que o personagem que dedicou sua vida a exercê-la por meio da assistência social – ao custo da própria vida pessoal – vai se encontrar numa posição tão purgatorial após subitamente morrer? (morte, esta, também não minimamente explicada)

Ao final da projeção, Nosso Lar 2: Os Mensageiros – que certamente padeceu com baixo orçamento – mostra-se vazio, sem espírito, apenas uma casca reciclada, muito apoiado na obra antecessora e no nicho específico a que está destinado. Enfim, um filme desencarnado, sem substância de fato.

Talvez, haja visto o sucesso de público, ainda possamos ver outras produções baseadas nos demais livros do espírito André Luiz. Mas, que surjam obras mais comprometidas com a linguagem cinematográfica, centradas em contar uma boa história e não de ficar, a todo momento, querendo converter e/ou convencer todo mundo ‘para’ e ‘da’ superioridade da filosofia espírita, afinal, cinema é cinema e não reunião doutrinária.

Foto: Divulgação (onde está o André Luiz??)


Nota: 2 / 5 (fraco)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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