Connect with us

Críticas

GUERRA CIVIL – A espetacularização da violência | Crítica do Neófito

Publicado

em

A produtora A24 é, atualmente, um indiscutível oásis de qualidade e originalidade dentro do mar de continuações, remakes, transposições, releituras, derivados e extensões de universo nesta espécie de deserto criativo que parece ter tomado conta da poderosa “Hollywood” nos últimos tempos.

É desta produtora obras como o peculiar vencedor do Oscar de 2023: Tudo, em Todo Lugar, ao Mesmo Tempo (2022), bem como produções ímpares do porte de Garra de Ferro (2023), Vidas Passadas (2023), Priscilla (2023), Fale Comigo (2022), entre muitas outras produções audiovisuais para o cinema e televisão.

Outra característica da A24 é o fato de investir mais em criatividade, roteiros inventivos e originais do que em blockbusters. Seu maior investimento, até agora, tinha sido no seu campeão do Oscar, num total de 25 milhões de dólares.

Foto: Divulgação (fábrica de ideias muito boas, outras nem tanto, mas sempre originais!)

Arriscando voos mais altos, a jovem produtora investiu o dobro desse valor em sua nova aposta cinematográfica, Guerra Civil, dirigida pelo também promissor Alex Garland (Ex-Machina, Men, Aniliquilação etc.) e estrelada por Kirsten Dunst (Homem-Aranha, Entrevista com o Vampiro); Wagner Moura (Tropa de Elite, Narcos); Cailee Spaeny (Priscilla, Alien: Romulus); e Stephen Henderson (Duna).

A história e roteiro do filme – também a cargo de Garland – mostram os Estados Unidos – em indeterminado futuro ou presente distópico – mergulhado numa absurda guerra civil, na qual as Forças Separatistas Ocidentais (FO), sob liderança do Texas e Califórnia lutam contra o governo central norte-americano, aparentemente autoritário e ditatorial, que dissolveu o FBI e bombardeou seus próprios concidadãos contrários à política estabelecida.

Foto: Divulgação (uma suposição de como seria a queda de um império moderno)

Para retratar essa possibilidade ficcional, o roteiro mostra a viagem de quase dois mil quilômetros da veterana fotógrafa de guerra Lee Smith (Dunst), junto com o tarimbado repórter de campo Joel (Moura), o velho e experiente correspondente Sammy (Henderson) e a novata e impetuosa fotógrafa Jessie (Spaeny), para atravessar o país arrasado pelo conflito interno, com o objetivo de conseguir uma entrevista com o recluso e ditatorial presidente (vivido por Nick Offerman, do maravilhoso terceiro episódio da primeira temporada de Last Of Us, “Por Muito, Muito Tempo”).

Foto: Divulgação (colete à prova de balas, não de adversidades)

Para piorar, a anarquia tomou conta de vários pontos do território dos EUA, os quais passaram a ser controlados por milícias fortemente armadas e ideologicamente extremistas, capazes de atrocidades contra quem se mostra contrário aos padrões e princípios de “americanidade” esposados por tais grupos. É nesse contexto que surge o guerrilheiro sem nome vivido magistralmente por Jesse Plemons (marido de Kirsten Dunst na vida real), numa participação curta, mas de enorme impacto.

Garland, obviamente, optou por não explicar os motivos desta fictícia nova tentativa de secessão em solo norte-americano, deixando a cargo do público chegar às suas próprias conclusões. A composição das milícias é o único indício de que a origem do conflito poderia estar no recrudescimento extremo das polarizações político-ideológicas no país, o que tem ajudado a muitos críticos a tecerem elogios ao filme, por supostamente retratar as possíveis consequências do estado de coisas do mundo atual, no qual a calcificação ideológica tem se mostrado uma realidade contundente e preocupante.

No entanto, o diretor – na análise deste colunista – não parece querer de fato discutir questões ideológicas ou políticas, mas, “tão somente”, mostrar o horror que uma guerra pode causar, e como ela capaz de conspurcar tanto a beleza do mundo sobre o qual o homem se move, quanto a própria essência humana e todo seu potencial para o bem.

Não é pouco, haja vista o planeta – no momento em que estes comentários estão sendo escritos – estar envolto em pelo menos dois grandes e graves conflitos entre nações (Rússia x Ucrânia; Israel x Hamas & Irã), fora as guerras menores, localizadas em confins esquecidos, que não merecem repercussão da grande mídia. Contudo, é apenas de forma subliminar ou indireta que se torna possível estabelecer paralelos com o cenário de polarização atual.

A cena com Jesse Plemons, por exemplo – na qual ele dá vida a um miliciano estadunidense radical, de pensamento eugenista e de patriotismo extremado – é a mais “explícita” referência ao pensamento de caráter fascistóide que conseguiu se estabelecer, com sucesso midiático e político na cultura e debate contemporâneos. A forma como Nick Offerman compõe o Presidente norte-americano também pode sugerir – de longe! – alguma semelhança com o famigerado Donald Trump (com claras chances de retornar à Casa Branca).

Foto: Divulgação (o mais assustador desta cena é a possibilidade disso se tornar real!)

Mas, no geral, o verdadeiro objetivo de Guerra Civil é mostrar, da forma mais realista ou contundente possível, o cenário de conflito armado entre infantarias e as consequências que isso traz para as pessoas “normais”, que apenas querem levar suas vidas.

Nesse sentido, a escolha das protagonistas – encarnando fotógrafas de guerra (Dunst e Spaeny) – é estratégica, afinal, o que essas profissionais fazem é, justamente, no calor do combate, registrar com suas câmeras, em tempo real e sem interferência, todo tipo de atrocidade possível que tal situação promove, que pode ir de um soldado baleado, à destruição de construções históricas, até à execução cruel e gratuita de um “inimigo”.

Foto: Divulgação (o olhar cansado e o novo, mas o registro nunca pode parar…)

Garland, do mesmo modo que suas heroínas, gostaria também de apenas apontar suas lentes para o conflito, explicitando a falta de sentido dele decorrente (como a famosa foto que Huynh Cong “Nick” Ut tirou da menina vietnamita correndo nua, após um bombardeio de napalm, em sua vila). O problema é que, no caso do cineasta (que também é o roteirista do filme), foi ele próprio quem desenhou e coreografou as cenas que mostraria em seguida.

E, assim, têm-se tiroteios noturnos rasgando os céus como chuva colorida altamente mortífera; trocas de tiros em campo aberto ou em forma de guerrilha urbana, em meio a construções em pedaços; campos de refugiados e de assistência humanitária; embates entre tropas fortemente armadas e por aí vai.

Ou seja, tudo o que se vê em noticiários diários, só que com toda a maquiagem hollywoodiana.

A fotografia de Rob Hardy, colaborador assíduo de Garland, é de uma beleza instigante, já que, apesar da ótima direção de arte retratar com primor a desolação do país em guerra, consegue tomadas e cores belíssimas até de situações bizarras, como um incêndio florestal, através do qual a equipe de jornalistas atravessa ao custo do próprio sangue, aliás.

Esse contraste das belas paisagens estadunidense com as cenas de destruição e violência – ponto alto para os efeitos especiais – é o que parece realmente interessar ao diretor mostrar, no sentido de deixar explícito como a estupidez humana pode ser capaz de macular o magnífico planeta que abriga a humanidade.

De forma geral, Guerra Civil não se difere muito de outras produções distópicas que retratam os Estados Unidos arrasado por pestes, zumbis ou alienígenas. A diferença, em termos estéticos e de roteiro, é que, aqui, os “vilões” (ou inimigos) são os próprios norte-americanos e a incrível capacidade humana de fazer coisas estúpidas consigo mesma; e, em termos técnicos, há que se aplaudir os já citados efeitos especiais, a direção de arte, a excepcional mixagem de som (que torna cada tiro uma experiência propositalmente incômoda) e a parte dramatúrgica.

Neste sentido, aliás, as atuações do elenco principal são primorosas, com destaque para a tristeza pesada e cansada que Dunst consegue compor para sua personagem. Wagner Moura mostra, mais uma vez, o grande ator que é, conseguindo imprimir uma aura vibrante para seu Joel, até o momento em que lhe é exigido forte momento catártico. Spaeny, por sua vez, revela-se cada vez mais como promessa dramática de sua geração, para além de ser mais um belo e jovem rosto feminino de Hollywood. E Jesse Plemons (citado pela terceira vez) rouba a cena em sua curta, mas marcante participação.

Foto: Divulgação (até a frieza de um repórter tem limites!)

O final do filme é muito simbólico do que Garland queria dizer com sua “modesta” superprodução, soando irônica, impactante e um tanto niilista.

Em resumo, Guerra Civil é um filme original, muito bem realizado tecnicamente, muito bem dirigido, mas vazio, apesar da defesa que muitos fazem dele, incluindo o elenco, principalmente na voz de Moura, em várias entrevistas que deu sobre a produção.

Ao querer mostrar a falta de sentido de uma guerra, acaba, também, perdendo algo do seu próprio sentido, afinal, ver violência real já se tornou algo trivial nesta era de redes sociais, sem demandar um filme de 50 milhões de dólares para isso.

Foto: Divulgação (o vazio da sala oval é tudo, menos vazio de significado)

 


Nota: 3,5 / 5 (muito bom)


SIGA-NOS nas redes sociais:

FACEBOOK: facebook.com/nerdtripoficial

TWITTER: https://twitter.com/Nerdtrip1

INSTAGRAM:https://www.instagram.com/nerdtripoficial/

TIKTOK:https://www.tiktok.com/@nerdtripoficial?lang=pt-BR

YOUTUBE:https://www.youtube.com/c/NerdtripOficial

VISITE NOSSO SITE: www.nerdtrip.com.br


Leia também:

GAMES | Jogo de graça: Fallout 76 – por Rex – O cachorro nerd

PATRICK NAGEL | O criador de Desejo – por Rex – O cachorro nerd

O ASTRONAUTA – Tão vazio quanto o universo | Crítica do Neófito

UMA VIDA: A HISTÓRIA DE NICHOLAS WINTON – Alguém que fez a diferença | Crítica do Neófito

 

Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

Comente aqui!

Mais lidos da semana