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Críticas

TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO – Ou o Multiverso da Doideira | Crítica do Neófito

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“De onde viemos?”

“O que somos?”

“Para onde vamos?”

Essas questões representam o cerne dos questionamentos filosóficos ao longo da história humana. Mas elas podem ser substituídas por uma única questão: “qual o sentido da vida?”.

Por muitos e muitos séculos, as religiões – principalmente as de cunho monoteístas-cristãs – afirmaram que o sentido da vida era fazer a vontade de Deus. Quem ousasse dizer o contrário, corria o risco de ser “gentilmente” calado, mediante excomunhão, tortura e/ou martírio.

A partir, porém, do panteísmo semi-ateísta de Baruch Espinosa (século XVII), o pensamento ocidental ganhou espaço para o surgimento de outros filósofos – como Diderot, Feuerbach, Marx, Nietzsche, Sartre, Sam Harris, Luc Ferry etc., claramente sépticos – os quais buscaram extrair o sentido da existência a partir do próprio homem ou, melhor dizendo, seria o próprio ser quem daria sentido à sua vida, individual e subjetivamente. Não importa quão medíocre e sofrida possa ser a vida exterior da pessoa; ela pode encontrar significado naquilo e ter o que os filósofos chamam de “boa vida”, outra forma de dizer “vida feliz”.

Em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo essa teoria filosófica é colocada em xeque logo de cara, ao vermos a vida caótica de Evelyn Wang (brilhantemente interpretada pela fantástica Michelle Yeoh). Ela mora numa casa simples, completamente desorganizada e abarrotada de coisas, absolutamente claustrofóbica, situada sobre a lavanderia da família, também mal administrada e cheia de problemas (principalmente com a Receita Federal dos EUA). É casada com o pacato Waymond Wang (Ke Huy Quan), absolutamente incapaz de lidar com o stress daquele modo de vida e pronto para pedir o divórcio. É filha do ranzinza e adoentado Gong Gong (James Hong); e mãe de Joy Wang (Stephanie Hsu, esplêndida), que nega suas origens orientais (recusando-se a aprender mandarim), gosta de rebeldias (como fazer tatuagem) e ainda é homossexual, namorando a simpática Becky (Tallie Medel).

Foto: Divulgação (“família, família: papai, mamãe, titia…” em qualquer universo é igual!)

Evelyn precisa administrar tudo: o funcionamento da lavanderia, os cuidados com o pai velho, com dificuldades de locomoção e que a mandou para fora de casa quando quis se casar com Waymond, além de saber como apresentar a namorada da filha para o genitor imbuído do conservadorismo chinês. Isso significa mais problemas de relacionamento com a filha, que não se sente acolhida pela mãe. O marido quer se divorciar. E, para coroar tudo, ainda tem que lidar com a absurda burocracia de renovação da licença do negócio que sustenta a família, submetendo-se ao severo crivo da funcionária pública Deirdre (Jamie Lee Curtis, envelhecida e “engordecida”, vivendo momentos de Michael Myers e claramente se divertindo no papel).

Em resumo, a vida de Evelyn é tudo de caótico e sem significado.

E é nesse turbilhão de coisas, prestes a se divorciar e a falir, tendo seus bens comerciais e pessoais apreendidos que ela, do nada, vê-se envolvida numa trama envolvendo multiversos, na qual uma criatura – a misteriosa Jobu Tupaki – ameaça a existência de todos os universos, sendo ela, a pobre Evelyn, a única pessoa capaz de salvar tudo e todos!

Não demora muito para que Evelyn tenha que passar da resistência inicial de aceitar algo tão absurdo para o embarcar na aventura multidimensional, afinal, sua vida passa quase que imediatamente a correr perigo. Todos ao seu redor – lembrando Matrix – são inimigos potenciais, podendo, a qualquer momento, serem incorporados por outras versões multiuniversais suas a serviço de Jobu Tupaki.

Daí para a frente, o filme é uma verdadeira e deliciosa maluquice. Muita coisa, aliás, pode passar desapercebida ao expectador, haja vista a profusão de acontecimentos malucos e poucas explicações plausíveis, passadas muito rapidamente, devido à urgência de tudo o que acontece no entorno. Mas isso não atrapalha o contexto geral e a compreensão dos eventos. No máximo, ficará uma dúvida sobre como Evelyn, Joy, Waymond e Deirdre ficam trocando de corpos/mentes, vivendo em outros universos. Mas uma das coisas boas do filme é justamente não dar tempo para que possamos racionalizar muito. O objetivo é embarcar na mesma viagem lisérgica que Evelyn se vê obrigada a iniciar, sem aviso ou preparo. Estamos com ela, ombreados com ela, simplesmente deixando a onda dos acontecimentos nos levar de um lado para o outro.

Foto: Divulgação (não bobeia não, que a burocracia te pega!)

Os conceitos da Teoria do Caos (que remetem ao primeiro Efeito Borboleta) são apresentados de forma orgânica na produção, fazendo com que reflitamos, assim como Evelyn, sobre as decisões que tomamos na vida e os caminhos diferentes que poderíamos ter trilhado. E tudo isso embalado num pacote de cenas de ação quase ininterruptas, em sua maioria bem coreografadas.

Mas Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo ainda tem tempo para desenvolvimento de personagens e para a resolução de seus dramas pessoais, equilibrando cenas de ação bombásticas, com ótimas cenas de lutas, com cenas de comédia, e cenas de drama! E é incrível como tudo funciona perfeitamente, sem que sintamos qualquer quebra abrupta no ritmo. Palmas para a edição de Paul Rogers e, claro, da direção inspirada dos “Daniels” (os amigos Dan Kwan e Daniel Scheinert), sem desconsiderar o dedo dos Irmãos Russo (de Vingadores Guerra Infinita e Ultimato) na produção.

Outro grande acerto do filme foi a escalação do elenco, afiadíssimo, com óbvio destaque para Michelle Yeoh, que já foi bond-girl, sabe lutar kung-fu como poucos, mas também sabe atuar lindamente, transmitindo emoções profundas apenas com a força de seu olhar.

Foto: Divulgação (as possibilidades multiuniversais são muitas e imprevisíveis…)

Mas o bacana é que a relativamente novata Stephanie Hsu chega a rivalizar com a experiente Yeoh, compondo sua personagem – e múltiplas versões – de forma brilhante.

Para quem não se lembra, Ke Huy Quan atuou como ator mirim em The Goonies e Indiana Jones no Templo da Perdição e também mostra tanto talento dramático quanto físico para as versões multidimensionais de Waymond.

Com trilha sonora acertada, figurinos adequados, cenografia e fotografia bem azeitadas, não é por menos que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo está com média de 96% de aprovação no Rotten Tomatoes.

Some-se a isso a originalidade do roteiro que, apesar de lidar com o recorrente tema do multiverso de filmes mais fantásticos (principalmente de super-heróis), consegue ser extremamente original, fazendo uma aventura divertida e ao mesmo tempo profundamente filosófica e reflexiva.

Foto: Divulgação (por que não uma versão sua do multiverso que seja super estilosa?)

Impossível acabar o filme e não ficar pensando nos muitos caminhos que a vida poderia ter tomado, caso tivéssemos decidido de forma diferente em certas circunstâncias (como no filme Um Homem de Família, com Nicolas Cage).

Mas, principalmente, o filme faz pensar no sentido da própria vida. Nas belezas que existem ao nosso redor; na importância das pessoas com as quais convivemos; na mágica oportunidade de estarmos vivos e de termos uma vida para viver.

E isso não é pouco para um filme que poderia ter apenas escolhido trilhar o caminho do entretenimento fácil e vazio.

A lição que fica é que toda vida vale à pena. Às vezes as coisas ficarão difíceis e até quase insuportáveis. Mas se esse for o preço para estarmos aqui, vivos, existindo enquanto pessoas, a coisa toda tá saindo até barato!

Até agora, o melhor filme do ano!

Foto: Divulgação (fragmentado entre bilhões de universos)


Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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