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Críticas

OBI-WAN KENOBI – Até a última gota | Crítica do Neófito

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Quando era criança, havia o hábito de se espremer ou de se dobrar o tubo da pasta de dente até o limite do orifício, para não desperdiçar nenhuma gota que fosse.

Ao terminar de assistir à minissérie Obi-Wan Kenobi, a lembrança desse hábito me veio espontaneamente à mente…

Mas, “como assim?”, você, caro tripulante, pode estar se perguntando.

Já me explico.

O fato é que a saga Star Wars foi, de fato, um marco do cinema mundial, com seus efeitos especiais revolucionários (para a época); com a introdução de um dos vilões mais icônicos da cultura pop; com a arquetípica “saga do herói” em formato de ficção científica, passada no espaço intergalático “há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante. Além disso, a campanha de marketing e o lançamento de vários produtos derivados foi, realmente, algo inédito.

Três bombásticos filmes depois – Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança, de 1977; Star Wars: Episódio V – O Império Contra-ataca, 1980 (o ainda melhor filme de toda a saga); e Star Wars: episódio VI – O retorno de Jedi, 1983 – parecia que a epopeia cósmica do Cavaleiro Jedi Luke Skywalker (imortalizado na interpretação de Mark Hamill), na luta contra seu próprio “lado negro” – prefigurado em Darth Vader que, na verdade, era seu pai Anakin Skywalker, ex-jedi seduzido pelo “lado sombrio da Força” – tinha chegado ao fim, com a queda do poderoso e temível Império ante as forças da “Resistência”, em final redentor que, ironicamente, prenunciava, em formato de rima poética, o fim próximo das ditaduras militares nos países da América do Sul, cujo formato lembrava muito a estrutura de poder do Império.

Foto: Divulgação (o clássico nunca envelhece!)

O visionário George Lucas, concebedor e dono da galinha dos ovos de ouro, por décadas controlou com mãos de ferro uma fábrica de derivados de sua saga, seja na forma de brinquedos, quadrinhos, livros e jogos, os quais abordavam eventos e histórias da vida dos personagens que não tinham como ser contadas no limite temporal dos filmes. Além disso, fez modificações no próprio conteúdo dos longas, com a inclusão de novos efeitos visuais/especiais e a polêmica alteração do tiro de Han Solo (Harrison Ford) no alien Greedo, no Episódio IV. Por fim, o cineasta e fundador da Lucas Film e Industrial Light & Magic nunca perdia oportunidade de dizer que, um dia, tinha intenção de filmar os misteriosos Episódios I, II e III de sua história interestelar.

Foram necessários 22 longos anos após Uma Nova Esperança para que fossem laçados Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999); seguido de Episódio II: O Ataque dos Clones (2002); e de Episódio III – A Vingança dos Sith, cujas histórias, passadas também aproximadamente 25 anos antes dos eventos da primeira trilogia, contavam como se deu o surgimento do Império (com bastante ênfase nos aspectos políticos que motivaram seu soerguimento) e a origem do mais amado vilão de todos os tempos, o temível Darth Vader, com sua característica respiração metálica e a impactante voz de James Earl Jones.

Foto: Divulgação (o “depois” que era o “antes”)

Esta segunda trilogia, logicamente, também fez enorme sucesso; todavia, ao contrário da primeira – até hoje elogiada em termos de conjunto da obra – dividiu crítica e público.

Sem dúvidas, os efeitos especiais eram incríveis e o time de atores escolhido para dar vida aos personagens, ao contrário da primeira saga, arrebatada de nomes a princípio pouco conhecidos (além de Hamill e Ford, Carrie Fischer, como Princesa Leia e Alec Guinness – o mais consagrado ator – na pele de Obi-Wan Kenobi envelhecido) era formada por um time de primeira linha de Hollywood, a começar por Liam Neeson (mestre Jedi Qui-Gon Jinn); Ewan McGregor (Obi-Wan Kenobi jovem); Natalie Portman (Princesa Amidala) Christopher Lee (Conde Dookan), entre outros. Os filmes trouxeram lutas de sabre de luz antológicas, alçando a outro patamar a habilidade dos jedi’s.

Todavia, pesou contra a trilogia a história mais confusa e inconsistente, alguns personagens horrorosos (como Jar Jar Binks), e a medíocre direção de atores – conhecido ponto fraco de Lucas, que certamente prejudicou muito as atuações do jovem Jake Lloyd e Hayden Christensen, ambos como Anakin Skywalker em diferentes idades – os quais ainda estranharam muito o fato de terem de contracenar a maior parte do tempo com enormes paredes verdes (o “chroma Key”), sobre as quais os efeitos visuais/especiais seriam projetos na ilha de edição (em especial, Ewan McGregor reclamou bastante!).

Não bastasse termos conhecido a origem do que gerou a primeira trilogia, já sob a batuta da Disney (que comprou a marca Star Wars em 2012), surgiram os famosos spin offs da saga, cujas produções variaram do horrível (Han Solo, 2018), ao ótimo (Rogue One, 2016). Mas os novos donos da marca perceberam que ainda havia caldo nesse caldeirão e, assim, 16 anos após Ameaça Fantasma (que abriu a segunda trilogia), surge uma nova e inesperada terceira trilogia do universo Star Wars, em história situada uns 20 anos após os eventos de O Retorno de Jedi. Tratava-se de Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força (2015); Episódio VIII: Os Últimos Jedi (2017); e Episódio IX: A Ascensão Skywalker.

Foto: Divulgação (o novo com cheiro de naftalina!)

Esta última trilogia apresentou efeitos especiais/visuais mais incríveis do que tudo o que a saga já havia mostrado até o momento; introduziu novos personagens cativantes – Rey (Daisy Ridley), Kylo Ren (Adam Driver), Finn (John Boyega), Poe Dameron (Oscar Isaac) – trouxe de volta personagens clássicos – Han Solo, Chewbacca, R2D2, C3P-O, Leia e Luke – mas, sendo muito sincero, desfez tudo o que havia sido construído na primeira trilogia (Episódios IV, V e VI); afinal, apenas trocou o Império pela genérica nazista Primeira Ordem; substituiu a temível Estrela da Morte por um inacreditável e pouco prático “Planeta” da Morte; botou Han Solo como mercenário novamente; rebaixou a Princesa Leia para líder de outra resistência; tirou Darth Vader e colocou no lugar seu sobrinho bipolar, Kylo Ren; repetiu tramas, inclusive em termos estéticos… ou seja, fez de conta que nada do que aconteceu em O Retorno de Jedi teve real importância, pois, tudo continuou como sempre havia sido.

O filme Os Últimos Jedi ainda tentou trazer algum respiro de ineditismo para a saga – com introdução da questão do mercado financeiro da guerra; do romance inter-racial entre Finn e Rose (Kelly Marie Tran); do fato de a Força não estar vinculada a questão genético-familiar; da resistência vir das camadas mais baixas da população; de que “o tempo dos Jedi acabou” – mas foi execrado pelos executivos engravatados do estúdio, que trouxeram de volta o burocrático operário J. J. Abrams para, novamente, desfazer o que se pretendia fazer de novidade, concebendo o terrível A Ascensão Skywalker (esteticamente belo, totalmente vazio de conteúdo). Afinal, mexer em time que está dando lucr…, digo, ganhando, não é lá muito inteligente, não é mesmo? Ainda que, para isso, sacrifique-se toda a criatividade artística.

Foto: Divulgação (e tome doses cavalares de Star Wars!)

Mas não bastou isso. Livros e mais livros “canônicos” são lançados. Séries animadas diversas – Guerra dos Clones, Star Wars Rebels etc. – ganharam vida. E minisséries live-action focadas em personagens secundários, mas queridos pelos “fãs-raíz”, como Mandalorian e O Livro de Boba Fett, recebem produção caprichada. Anunciou-se, inclusive, uma quarta  trilogia para a saga, agora contando com diretores mais autorais, como Taika Waititi (Thor: Ragnarok).

Foto: Divulgação (o medíocre e o sublime)

Pensando em faturar mais um pouco em cima deste universo fascinante, mas já esgarçado, a Disney resolveu contar, em minissérie homônima, como Obi-Wan Kenobi viveu entre a derrota dos jedi’s (em A Vingança dos Sith) e o despertar de Luke Skywalker como nêmesis do Império, de Darth Vader e do Imperador Palpatine (em Uma Nova Esperança), sem deixar de incluir como se tornou conhecido de Leia. Para tanto, chamaram de volta o carismático (e ótimo ator) Ewan McGregor para repetir seu papel do Mestre Jedi daquele que se tornaria o temido Darth Vader (também novamente interpretado por Hayden Christensen).

Expectativas lá no alto! Esperança de ver novos embates antológicos com sabres-de-luz entre o mestre da força e o discípulo empoderado pelo lado negro; de ver personagens queridos em situações apenas comentadas; batalhas espaciais…

Mas aí é que se encaixa a metáfora da pasta de dente do início desse texto. Por mais carismáticos e competentes que personagens e atores sejam, por mais que haja curiosidade em ver a trajetória de Obi-Wan Kenobi e a situação de domínio do Império, por mais que desejássemos testemunhar a infância dos irmãos Skywalker – e tudo isso está na minissérie – algo não funciona. Tudo parece reciclado. A série não empolga e chega a enfadar em alguns pontos de sua curta temporada de 6 episódios. Há até certo nonsense em algumas sequências, que a rede social não perdoou em profusão de memes. A Disney parece querer espremer todo e qualquer resquício de oportunidade de lucrar com a saga Star Wars que, na opinião deste colunista, realmente está apenas se repetindo! E com qualidade cada vez pior!

Ewan McGregor faz excelente trabalho ao retratar o antes poderoso mestre jedi completamente derrotado – física e espiritualmente – aceitando a missão que se impôs (o atrapalhado sequestro da pequena Princesa Leia) apenas por senso de responsabilidade do que por convicção. A lenta recuperação de sua conexão com a Força é bem trabalhada e cria boa tensão nos seus embates, colocando-o numa posição de vulnerabilidade inédita. No entanto, sabemos que a tensão é falsa, pois já conhecemos o final da história. Obi-Wan voltará a dominar a Força em níveis inconcebíveis para o próprio Imperador, como fica evidente na primeira trilogia. Leia e Luke não correm perigo de fato, afinal, ambos estarão – fortes e saudáveis – nos Episódios IV a IX. Ou seja, todo perigo que os personagens correm é, de fato, artificial.

Os encontros entre Darth Vader e Obi-Wan, cujos combates com sabre-de-luz eram muito esperados, foram, no mínimo, decepcionantes. O primeiro confronto, então, foi absolutamente inverossímil, afinal, como um pequeno incêndio seria suficiente para evitar que o poderoso Darth Vader – capaz de segurar uma nave especial com a mente – pegasse o decadente Obi-Wan, já caído e derrotado?

A segunda luta é melhor coreografada (aliás, a única), mas, ainda assim, anticlimática. De novo, sabemos que os dois personagens sobrarão para contar a história. É bacana ver como o “último confronto” – que Darth Vader menciona no reencontro dele com Obi-Wan em Uma Nova Esperança – realmente se deu. Mas só.

A sensação que fica é a da pasta de dente espremida até a última gota.

Todo impacto daquela icônica saga iniciada na metade final da década de 1970 começa a perder força diante da exploração sem limites da mitologia construída. Espicham-se conteúdos, tramas ou meras menções; exploram-se mínimos e triviais detalhes e, ao mesmo tempo, condensa-se tudo em narrativas truncadas e forçadas (sendo o filme Solo o mais forte exemplo disso, no qual todos os elementos que estruturaram o querido personagem Han Solo – como nave, nome, amigos, inimigos e fama – pelo roteiro, aconteceram todos num único instante da vida dele).

A diretora de Obi-Wan Kenobi, Deborah Chow, uma das diretoras da muito boa série The Mandalorian, apesar de conhecer aquele universo, não consegue imprimir bom ritmo à minissérie do mestre jedi. Extrai boas interpretações da Inquisidora Reva (Moses Ingram, absurdamente atacada pela cor de sua pele por pseudo-fãs xiitas); da pequena notável Vivien Lyra Blair como Princesa Leia criança; e, principalmente, de Hayden Christensen, o qual se redime com ótima atuação; mas nada de excepcional. O humor é fraco (a cargo de Kumail Nanjiani, como o malandro de bom coração Haja). O drama, às vezes, é exagerado, como no arco de Tala, na pele da atriz Indira Varma; ou na composição de Joel Edgerton como Owen Lars, tio de Luke.

Foto: Divulgação (e não é que o belo Christensen sabe atuar de verdade?)

Os efeitos especiais – uma das espinhas dorsais da saga – oscila bastante, às vezes parecendo bem realistas, outras vezes claramente artificiais. Há boa cenografia, direção de arte e fotografia, mas são elementos que, via de regra, passam desapercebidos do grande público.

Enfim, há clara tentativa de se tirar leite de pedra, de explorar financeiramente cada pequeno detalhezinho do universo Star Wars, para gerar engajamento, mais venda de produtos e perpetuar a saga para todo o sempre, mesmo que isso implique na perda total de sentido do que a trajetória do herói significou dentro da trama.

É uma pena que o produto final tenha cheiro de oportunismo barato, como comida ruim em embalagem de primeira.

Talvez já se tenha passado da hora de comprar outro tubo de pasta de dente!

Foto: Divulgação (a conta de luz deste sabre deve ser muito alta, né?)


Nota: 2,5 / 5 (regular)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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