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Críticas

THE BOYS S03 – 500 Tons de Cinza… | Crítica do Neófito

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Ao final da nossa crítica da segunda temporada de The Boys (leia aqui), da Amazon Prime Video, escrevemos que esperávamos que os roteiristas conseguissem, ao menos, manter, na terceira temporada, o nível do excepcional segundo ano, que estourou todos os níveis de expectativa sobre a série.

Bom, eles conseguiram! E, talvez, até tenham se superado!!!

Aliás, já virou lugar comum elogiar The Boys. Difícil encontrar, até o momento, dentro da crítica especializada, opiniões negativas sobre o terceiro capítulo do programa. No Rotten Tomatoes, a série alcançou impressionantes 97% de aprovação técnica. O público, talvez um pouco chocado com a violência gráfica cada vez maior e, neste ano, com o quase flerte com a pornografia, tanto pelo chocantemente engraçado 1º episódio e a cena do pênis gigante, quanto pelo esperado Herogasm do episódio 6, deu “apenas” 86% de nota ao show, o que, particularmente, parece injusto com essa mais uma vez excelente temporada.

A questão da nota mais baixa da audiência comum, talvez se deva ao fato de que The Boys não tem medo de mexer com algumas das matrizes que estruturam o contexto histórico atual, colocando sem dó o dedo na ferida.

Desse modo, temos a crítica feroz à produção de fakenews, formuladas a partir de fatos concretos cuidadosamente distorcidos; a idolatria, a título de liberdade e pensamento “de direita”, da figura de Tempesta (a neonazista da temporada passada); o racismo estrutural e patológico de Falcão Azul (Nick Wechsler); o discurso violento, autoritário e ególatra de Capitão Pátria (Antony Starr, soberbo!), também tido à conta de libertário; o “fazemos qualquer negócio” de políticos (a ardilosa Victoria Neuman, na pele de Claudia Doumit) e executivos (Stan Edgar, vivido por Giancarlo Esposito) para alcançarem cada vez mais poder; o culto à autoimagem em redes sociais, ao custo da própria dignidade e afetos pessoais (Profundo, interpretado com gosto por Chace Crawford).

Foto: Divulgação (amigos para sempre… só que não!)

Nada é perdoado; e, apesar da enorme caricatura e absurdidades que a série apresenta, é impressionante como vários temas subjacentes abordados por ela têm correspondência mais que evidente e explícita com a realidade atual.

Outro elemento que certamente ganhou os críticos, mas pode ter passado desapercebido do grande público, é o aprofundamento nos personagens, cada vez mais complexos e repletos de camadas, a partir de mergulhos no passado e motivações de vários. Billy Butcher (Karl Urban) é dissecado com os flashbacks de sua adolescência repleta de abusos e espancamentos por parte de seu pai abusivo e completamente disfuncional, que culminam com o trágico destino de seu irmão mais novo. Leitinho da Mamãe (Laz Alonso) também ganhar contexto para seus TOC’s e seu ódio pelos “super’s”, em especial, o execrável Soldier Boy (Jesen Ackles), que é o substrato de todo o reacionarismo que assola o mundo contemporâneo. Francês (Tomer Capone) também tem parte de seu passado revelado – talvez no mais fraco arco desta temporada – para explicar sua completa subserviência às abusivas ações de Butcher. Kimiko (Karen Fukuhara), cujo passado já havia sido mostrado na temporada anterior, é sabiamente vulnerabilizada para demonstrar outras facetas de sua personalidade, protagonizando cenas musicais deliciosamente nonsenses, mas muito significativas para a construção da sua figura. Mesmo a “estreante” Victoria Neuman (Claudia Doumit) mereceu um mergulho na sua juventude, para que se entenda a força motriz que embasa seus estratagemas e ações assassinas, quando não altamente criminosas. A correta e bem-intencionada Luz-Estrela (Erin Moriarty) é outra que ganha mais uma rápida, mas significativa olhada em seu passado de super-heroína-mirim, de modo a justificar sua resiliência e insistência em se manter sempre tão determinada a fazer concessões e sacrifícios pelo verdadeiro heroísmo. O mau-caratismo de Profundo (Chase Crawford) ganha contornos sadistas e de perversidade, principalmente nas cenas que envolvem polvos (só assistindo para entender!). O silencioso Black Noir tem sua esquizofrenia explicitada de forma pungente e ao mesmo tempo implacável. Por fim, Hugie (Jack Quaid) também é dissecado psicologicamente, mesmo sem precisar de flashback.

Foto: Divulgação (quando a narrativa é mais poderosa que a própria realidade)

Hugie e Capitão Pátria, aliás, são opostos de uma mesma moeda e guardam mais semelhança entre si do que gostariam: ambos são homens – héteros, brancos, meia-idade – completamente inseguros e até misóginos. O que muda é a abordagem que cada um faz com essa insegurança: enquanto Hugie se esconde atrás da cara simpática, do bom-mocismo explícito, mas incapaz de resistir à tentação de proteger e salvar a mulher amada (evidentemente a afastando de si nesse processo), Capitão Pátria tenta passar, a todo custo e a todo tempo, a persona de super-homem indestrutível, completamente inabalável, repleto de arrogância, todavia, na sua intimidade – e sem as escoras antes oferecidas por Madelyn Stillwel (Elizabeth Shue) e Tempesta (Aya Cash) – é tremendamente medroso de sua capacidade (inclusive física). Seu embate com Maeve (Dominique McElligott) é bastante emblemático, no sentido de representar a necessidade de humilhar o feminino forte e capaz de o confrontar.

Aprofunda-se, também, a crítica ao poder corporativo neoliberalista, simbolizado na Vough, completamente podre internamente, o que é cruelmente retratado na nudez obrigatória – mesmo sem ter tido que tirar qualquer peça de roupa – da operária padrão Ashley (Colby Minifie), numa cena crua e triste.

Foto: Divulgação (quando uma conversa é mais violenta do que uma troca de socos)

A tão comentada e aguardada orgia dos super-seres é filmada de maneira a em nenhum momento transmitir qualquer sensação de erotismo ou sensualidade. Tudo ali é atroz, essencialmente distorcido e “errado” (não num sentido moralista, mas em termos puramente éticos). Os “heróis” são pessoas profundamente despreparadas para lidar com tamanho poder, bem como grandes CEO’s e políticos. O paralelo não é explicitado, mas está muito claramente colocado.

Por fim, o personagem de Soldier Boy, como dito acima, encerra em si uma vasta gama de elementos deletérios que formam o caldo cultural e social da história recente e atual. Incrível como ele – assim como muitas reais figuras públicas poderosas da contemporaneidade – consegue sempre arranjar uma justificativa para suas atitudes mais distorcidas e violentas, completamente sem empatia pelos comuns. Matar um filho, por exemplo, é perfeitamente justificável pelo fato dele ter se tornado fraco, graças à ausência forçada da figura paterna. Não importa que centenas de civis morram de uma só vez em função dos traumas pessoais do ex-herói de guerra e de sua “justa” vingança pessoal.

Foto: Divulgação (quem vê cara…)

A série ainda consegue mostrar como a doutrinação da juventude é fácil, quando as figuras paternas fogem de suas reponsabilidades ou, em razão de suas próprias questões subjetivas mal resolvidas, deixam de cumprir seu papel de esclarecer suas crias. Butcher, em nome de sua cruzada inclemente, entrega de bandeja o jovem Ryan (Cameron Cravetti) nas mãos do Capitão Pátria – cada vez mais candidato a melhor vilão da cultura pop, ao lado de Thanos e Darth Vader – inesperadamente um “pai” muito mais compreensivo e empático para com os dramas do garoto super-poderoso. O contraste é observado com o paralelo da atitude de Leitinho com relação à sua filha, incentivada o tempo todo a cultuar o deturpado líder dos Sete, pelo padrasto sem noção e ao mesmo tempo arquétipo do homem branco, hétero, classe média e meia-idade que se mostra ressentido com a mudança história atual.

Por tudo isso, a terceira temporada de The Boys tem potencial de agradar progressistas e pessoas naturalmente mais críticas, mas pode incomodar muito aquela camada da população e público que carrega a enorme carga de ressentimento contemporâneo no peito, gerado pelas profundas alterações estruturais pelas quais o mundo vem continuamente passando nos tempos mais recentes, com tendência a se acentuar!

Empregos “clássicos” cada vez mais difíceis, em virtude da automação (paradoxalmente acelerada pelos lockdowns da pandemia); negros, comunidade LGBTQUIA+ e mulheres ascendendo e empoderando-se socialmente; a religião perdendo cada vez mais espaço como bússola moral da humanidade… É muita coisa para digerir e aceitar. E The Boys, a partir da sátira mordaz concebida por Garth Ennis, consegue tanto divertir quanto tocar em todos esses temas, por meio de um humor iconoclasta e politicamente incorreto, de modo que não há como negar muitas das coisas que o programa exibe, algumas vezes, de forma propositalmente despretensiosa. Resta assistir, perceber as mensagens e refletir, ou, simplesmente, desligar a televisão para acabar com a sensação incômoda que pode emergir.

Foto: Divulgação (o amor é lindo e, em The Boys, sanguinolento!)

Há de mencionar, ainda, momentos antológicos desta temporada – que conta com efeitos especiais e visuais mais caprichados, humor cáustico bem colocado, fotografia, cenografia e figurinos cada vez melhores –, tais como a evolução da relação entre Francês e Kimiko; a utilização do Composto V Temporário como metáfora das drogas; a luta bombástica do episódio 6; o embate sem porrada entre Capitão Pátria e Billy Butcher, mais tenso que muitas cenas de ação; a mente completamente desestruturada de Black Noir!

Ou seja, apesar de alguns rumores temerários, de que os showruners estariam dispostos a estender a série por tempo indeterminado, ao contrário das programadas 5 temporadas previamente anunciadas – além dos obrigatórios e quase sempre descartáveis derivados – é de deixar a nuca arrepiada o final desta terceira temporada que, mais uma vez, colocam nossas expectativas num patamar altíssimo para o que virá a seguir.

Realmente, são muitos os tons de cinza que a série mostra estarmos envoltos!

Foto: Divulgação (ai de você se não vir a próxima temporada!!!)


Nota: 4,5 / 5 (excelente)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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