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Críticas

A PEQUENA SEREIA | Crítica do Neófito

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Quando a Disney lançou, em 1989, A Pequena Sereia – animação adaptada para o público infantil do trágico conto homônimo de Hans Christian Andersen (1805-1875) – o estúdio do Mickey passava por maus bocados, após praticamente duas décadas de fracassos retumbantes dos seus desenhos animados, correndo o risco de fechar as portas de seu tão louvado departamento de animação.

Nessas malfadadas décadas de 1970 e 1980, talvez algumas pessoas se lembrem de Bernardo e Bianca (1977) e, os mais cults, vagamente se recordem de Aristogatas (1970) e do questionável Robin Hood (1973). As outras 5 produções deste período não vão despertar a memória de ninguém, pode apostar!

Fonte: Divulgação internet (o período que a Disney gostaria de esquecer!)

O fato é que A Pequena Sereia – perdoando o trocadilho infame – foi a tábua de salvação ou a lanterna dos afogados da Disney, que arriscou, pela primeira vez, a utilização da ainda incipiente computação gráfica em algumas cenas do desenho animado, como naquela que mostra a vilã Úrsula se tornando um monstro gigante a agitar o mar, tomada pela loucura do poder (e não vá dizer que isso é spoiler, né?).

Foi um sucesso estrondoso, a ponto de ser considerado o “renascimento da Disney” ou, na visão de agora, o primeiro passo para que o estúdio viesse a se tornar essa potestade atual, dono dos títulos da Marvel, da Fox, da Pixar (que lhe causou enorme dor de cabeça por um bom tempo) e de Star Wars.

Em 1996 – após um modesto teste dois anos antes com o longa (de que ninguém também deve se lembrar) O Livro das Selvas, adaptação em carne e osso do desenho de 1967, Mogli: O Menino Lobo – a (hoje) toda poderosa Disney resolveu levar, com investimento e capricho, para o live action, um de seus últimos sucessos em animação antes do citado período de declínio, Os 101 Dálmatas (1961), contratando a diva Glenn Close para viver a vilã Cruella, com ótimos resultados de crítica e um faturamento quatro vezes maior do que seu investimento.

Fonte: Divulgação internet (o início das refilmagens sem fim!)

Daí para a frente, na medida em que a empresa ia ficando mais poderosa e a tecnologia cinematográfica evoluía a olhos vistos, foi possível ambicionar novas adaptações das animações para o live action, como o peculiar Alice no País das Maravilhas (2010) que, na verdade, é continuação da animação de 1951 e não sua transposição. Seguem-se várias adaptações mais fiéis ao material original, como Cinderela (de 2015, a partir do desenho de 1950); A Bela e a Fera (de 2017, a partir do desenho de 1991); Aladdin (de 2019, a partir do desenho de 1992); O Rei Leão (também de 2019, a partir do desenho de 1994); A Dama e o Vagabundo (outro de 2019, a partir do desenho de 1955); Mulan (de 2020, a partir do desenho de 1998); o fraquíssimo Pinóquio (de 2022, a partir do desenho de 1940); e (o vergonhoso) Peter Pan (de 2023, a partir do desenho de 1953); esses são, literalmente, refilmagens com atores de verdade dos originais em nanquim e tinta.

Fonte: Divulgação internet (vale à pena ver de novo modo Disney)

Além dessas transposições, o estúdio ainda bancou algumas releituras bacanas, como o competente Malévola (2014, que subverte a trama de A Bela Adormecida, sob o ponto de vista da “vilã”); o bonitinho Christopher Robin (2018, dando continuidade à franquia Winnie the Pooh);  o ambicioso Dumbo (2019, com pegada mais realista sobre o desenho de 1941); e o muito bom Cruella (2021, com a história de origem da vilã da animação de 1961 e adaptação de 1996); ah, e, por favor, ignore o fraquíssimo O Aprendiz de Feiticeiro, de 2010, apesar de contar com Nicolas Cage.

Fonte: Divulgação internet (é diferente, mas quase igual, sendo outra coisa! entende?)

Animado com os resultados destas refilmagens e releituras a casa do Mickey já anunciou, para futuro breve, algo em torno de mais dezesseis filmes live action baseados em suas animações clássicas, entre continuações (Aladdin, Rei Leão e Cruella), re-refilmagens (Mogli: O Livro das Selvas – de novo!), e “inéditos” (Moana, Robin Hood, Branca de Neve, Aristogatas, Hércules, Lilo & Stitch, Bambi, Tinker Bell etc.). Ou seja, muito antes da greve dos roteiristas de Hollywood atualmente vigente (este texto está sendo escrito em maio de 2023), já era possível afirmar: haja crise de criatividade do cinema blockbuster norte-americano!

Dentre todas estas adaptações, transposições, refilmagens, releituras etc., uma foi propositalmente ocultada, por ser o objeto central dos presentes comentários: trata-se da adaptação live action da já mencionada salvadora animação da Disney, A Pequena Sereia, que estreia nos cinemas mundiais no dia 25 de maio de 2023.

A produção foi iniciada em 2016; um ano depois, o oscarizado Rob Marshall foi anunciado como diretor do projeto e, em 2019, o elenco foi revelado, com  Melissa McCarthy contratada para dar (meio) corpo (e resto em CGI) da vilã Úrsula; Awkwafina, para a voz de Sabichão (o atobá metido a saber tudo dos humanos); Daveed Diggs como Sebastião, o caranguejo-mordomo do Rei dos Mares que, por sua vez, é vivido pelo grande Javier Barden; e o quase “desconhecido” Jonah Hauer-King como o Príncipe Eric.

Fonte: Divulgação internet (“vive la difference”, ou a diversidade!)

A grande sensação, porém, foi a contratação da cantora e atriz Halle Bailey para o papel da protagonista Ariel, a “pequena sereia”. Sensação, esta, causada pelo fato da estrela ser uma jovem mulher preta! Controvérsias e polarizações borbulharam na internet, com detratores dizendo que uma afro-americana no papel da sereia seria descaracterização da personagem e defensores aplaudindo a inclusividade da escolha.

Após assistir ao filme, pode-se, todavia, dizer que a escolha da cantora-atriz foi um completo acerto da Disney. Bailey é linda, carismática, cativante, ótima atriz e canta superbem! Além disso, é lindo perceber o quanto milhões de garotinhas pretas pelo mundo afora estão se sentindo representadas pelo fato de terem alguém com a mesma cor de pele delas estrelando e protagonizando uma grande produção, sem que seja no estereotipado “papel de negro”.

Fonte: Divulgação (a escolha mais acertada dos últimos tempos!)

Bridgerton já havia conseguido, por meio da grande showrunner Shonda Rhimes, naturalizar a presença preta em tela, mostrando como seria a história humana (no caso, da coroa inglesa) se a presença de pretos tivesse sido incluída na sociedade britânica de forma orgânica. Seguindo tais passos, o live action de A Pequena Sereia traz não apenas Halle Bailey como protagonista, mas coloca Noma Dumezweni como a imponente rainha e mãe de Eric (por sua vez, branco!), a governar o reino onde se passa a história, cujo povo também se mostra naturalmente miscigenado e eclético, celebrando todas as cores de pele e culturas no amálgama de sua construção fictícia.

Elogiar a estratégia do estúdio é pouco, nesse sentido.

Infelizmente, porém, esse é um dos únicos acertos do filme em carne e osso de A Pequena Sereia, afinal, qual a graça em se reassistir, praticamente frame a frame, obra já vista, aclamada e conhecida?

E é isso que o live action de A Pequena Sereia é: refilmagem quadro a quadro da animação de 1989, inclusive com as coreografias de peixes, estrelas do mar, crustáceos, frutos do mar, algas e afins, nos muitos números musicais do filme. Se, num desenho animado tal cena musical funciona bem, no “carne e osso” surge bastante estranho, numa quebra mental acerca do realismo de se ter atores de verdade interagindo com bichinhos falantes.

Além disso, mesmo com algumas mudanças pontuais do desenho (salvo engano, três músicas novas e algumas tomadas diferentes), à medida que o filme vai avançando, começa-se a ter certa impaciência com o andamento das cenas e arcos, uma vez que já se conhece para onde a história irá se encaminhar e terminar. Os números musicais – que demoram a iniciar, mas depois vêm em profusão – acabam servindo como entraves para o desenrolar da trama e não como atrativos (além da quebra da realidade que promovem). Nem a expertise de Marshall com musicais (Chicago, 2002 / Mary Poppins 2, 2018) consegue melhorar a experiência, afinal, ver fauna e flora marinha dançando à base de fartas doses de CGI não difere em nada da experiência de se ver o desenho animado.

E, por falar em efeitos visuais/especiais/digitais, A Pequena Sereia já nasceu superado em termos de construção do seu reino subaquático. Longe dessa construção ser ruim – aliás, muito antes pelo contrário, o visual do fundo do mar é lindo! – após Avatar: O Caminho das Águas e seus efeitos de água oceânica simplesmente arrebatadores, qualquer coisa que não fosse completamente excepcional ficaria muito aquém do filme de James Cameron, algo que se constata logo nas primeiras cenas da refilmagem/adaptação/transposição da Disney. A fotografia de Dion Beebe é bonita e correta, mas também fica limitada às paletas do desenho, algumas vezes reproduzindo luzes e enquadramentos da animação.

Desse modo, A Pequena Sereia tem muito pouco – além da louvável inclusividade – a oferecer, circunscrevendo seu público-alvo ao infantil que não viu o desenho, que viu e o adora e aos adultos saudosistas que querem rever a mesmíssima história com nova roupagem.

Isso, inclusive, faz com que a própria inclusividade perca força, afinal, a limitação de público causada pelas decisões artísticas da produção vai diminuir muito o impacto que uma Ariel preta poderia provocar na sociedade.

Nem vale à pena discutir a história e o roteiro do filme, afinal, são praticamente iguais ao da animação oitentista, mas ainda caberia uma crítica ao súbito “apaixonamento” dos personagens, que custa mais do que o ideal a estabelecer real química e verossimilhança para o romance.

No tocante às interpretações, Bailey reina soberana, esbanjando charme e encantamento, mesmo quando impedida de falar qualquer coisa, por ter entregado sua voz para a maléfica tia Úrsula em troca de ter pernas humanas. Jonah Hauer-King está correto com seu Príncipe Eric, bem como Javier Barden, que não tem muito o que fazer com as limitações de seu personagem. Jude Akuwudike se destaca como Grimsby, o característico mordomo real a tentar conter – e ao mesmo tempo mimar – o irrequieto príncipe. E Daveed Diggs solta a voz na composição de seu caranguejo Sebastião, como era de se esperar.

No mais, é aguentar as canções (algumas antológicas!) e o tom exageradamente infantil do filme, curtindo as paisagens submarinas feitas por CGI e a presença magnética de Halle Bailey. Com algum esforço e um bom balde de pipoca, dá para recuperar alguma nostalgia infantil dentro de si e curtir, ao lado dos filhos/sobrinhos, essa refilmagem sem muita inspiração deste clássico desenho que, um dia, salvou a Disney. E ainda bem que o filme atual não precisa carregar tamanha responsabilidade!

Pelo filme em si, seria nota 2, mas, pela inclusividade tão bem inserida, ganha mais um ponto, chegando ao 3.

Até a próxima, tripulantes!

Fonte: Divulgação (quem não mergulharia no mar por esta sereia?)

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Nota: 3 / 5 (bom)

 


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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