Críticas
OUTER RANGE (ALÉM DA MARGEM) S01 – Ideal para as viúvas de Dark!! | Crítica do Neófito
Uma característica inquestionável acerca dos norte-americanos é que eles, definitivamente, não gostam de ficar para trás.
Principalmente no terreno em que os EUA já são hegemônicos – como nos esportes – aí é que dão mostras de não se conformarem em ver outros países cantando de galo no seu terreiro.
Aliás, dizem que foi após 1987, quando a seleção brasileira de basquete, liderada por um inspirado Oscar Schmidt, ganhou da seleção norte-americana, em plena Indianápolis, na final dos jogos Pan-Americanos daquele ano, que eles decidiram que isso nunca mais se repetiria, fazendo ganhar força a ideia do “Dream Team”, que estreou nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992.
O mesmo ocorre na indústria do entretenimento, em especial, no audiovisual em geral e cinema.
O irrepreensível e belíssimo O Segredo dos Seus Olhos (Argentina, 2010), por exemplo, ganhou a horrorosa versão hollywoodiana em Olhos da Justiça (EUA, 2015). Já no caso do pedante Asas do Desejo (Alemanha, direção de Win Wenders, 1988), sua versão norte-americana – Cidade dos Anjos (EUA, 1998) – é evidentemente muito melhor e palatável de se assistir, ganhando todo o romantismo, leveza e glamour do cinemão de Hollywood. Na televisão, o The Office estadunidense não deixa nada a dever ao seu original britânico.
Foto: Divulgação (na cultura pop nada se cria, tudo se copia!)
Adentrando o terreno das plataformas de streaming, no entanto, onde a quantidade de produções em língua estrangeira rivaliza com o que é feito nos EUA, o diferencial norte-americano se evidencia na qualidade das produções, graças a uma poderosa indústria a injetar milhões de dólares nos produtos de mídia produzidos por lá.
Nesse sentido, não é viagem imaginar o quanto deve ter incomodado aos estadunidenses o fato de que uma das melhores séries televisivas já produzidas para uma plataforma de streaming tenha sido a produção germânica Dark, que bombou, de 2017 a 2020, na Netflix.
Dividida em 3 temporadas realmente magnetizantes, a série sobre viagem no tempo e as consequências pessoais e coletivas de loops temporais se destacou por sua abordagem adulta, tensa, sem concessões, dramática, extremamente bem roteirizada e marcada por ótimas interpretações. E o melhor, realizada com metade do custo de qualquer série norte-americana! Estrondoso sucesso de público e crítica, ainda se destacando por um dos melhores finais de série já concebidos!
Foto: Divulgação (realmente, uma viagem…)
Lógico que os EUA não iam deixar barato, não é mesmo?
Mas, refilmar um material tão bom quanto Dark seria temerário, afinal, o que acrescentar ou tirar de um produção quase tão perfeita?
O melhor a se fazer, então, seria os norte-americanos criarem sua própria Dark, sem ser Dark.
Sendo assim, pegue-se o mesmo conceito de Dark de viagem no tempo por meio de uma espécie de Buraco de Minhoca; ambiente tudo não em centro urbano, mas no interior do país, com pitadas de faroeste; embale a história numa atmosfera adulta de drama familiar; convoque atores de primeira linha para os papeis principais; e invista um bom dinheiro em efeitos visuais e especiais. Pimba! Tem-se Outer Range (ou Além da Margem, em Português)!
A respectiva série, da Amazon Prime Video, estreou no dia 15 de abril de 2022, contando com 8 episódios, disponibilizados de dois em dois por semana, tendo, como protagonista, o sempre acima da média Josh Brolin, no papel de Royal Abbott, dono de cobiçada fazenda em Wyoming, casado com Cecilia (Lili Taylor), e pai de dois filhos homens: o peão de rodeio Rhett (Lewis Pullman), apaixonado pela bela Maria Olivares (Isabel Arraiza); e Perry (Tom Pelphrey), suposto pacato cowboy, pai de Amy (Olive Abercrombie) e homem assombrado pelo misterioso desaparecimento da esposa Rebecca (Kristen Connolly).
Foto: Divulgação (a família Abbott, liderada por Than…, digo, Royal)
A fazenda de Royal é cobiçada – por razões muito pessoais e especiais – pelo rico, inescrupuloso e também fazendeiro Wayne Tillerson (Will Patton, ótimo), pai de três filhos bastante peculiares: o “cantador” Billy (Noah Reid); o estourado e ambicioso Luke (Shaun Sipos); e o destemperado Trevor (Matt Lauria); além de ser casado com a ardilosa Patricia (Deirdre O’Connell).
Foto: Divulgação (“o feio, o bom e o mau”, tudo junto numa só pessoa!)
Um crime acontece, mobilizando a esforçada xerife local, a índia homossexual Joy (Tamara Podemski), para dar solução ao caso; e, nesse meio tempo, surge, também na fazenda dos Abbott’s, a misteriosa “mochileira” Autumn (Imogen Poots, incrível), capaz de, em pouco tempo, mexer com os ânimos e abalar a tranquilidade de vários personagens.
Foto: Divulgação (inclusão e empoderamento femininos? Outer Range tem!)
Sem querer dar spoilers – uma vez que isso é mostrado em alguns cartazes da série – no meio da fazenda de Royal surge um grande e misterioso buraco, perfeitamente redondo e que, na verdade, é o centro de toda a trama, por aparentemente servir de portal para viagens temporais.
A mistura de faroeste com ficção científica – e pitadas de existencialismo e religiosidade – por mais inusitada que possa parecer, funciona muito bem.
Royal é um homem dedicado à sua vocação de vaqueiro; extremamente responsável e honrado, também se mostra evidentemente repleto de angústias não verbalizadas, oriundas de seu inusitado e revelador passado (só revelado no último episódio da temporada). Sua “prece” raivosa e catártica no primeiro episódio (que aliás, embalava em off o trailer da série), denota seu compromisso e amor para com a família e rigoroso/pessoal código de ética, mesmo duvidando da religião, de Deus e de qualquer ilusão sobre a rigidez da vida. Brolin está simplesmente espetacular nesta cena.
Da mesma forma que Dark, Outer Ranger, pelo menos nesta primeira temporada, não explica como o misterioso portal do tempo surgiu e como seria seu funcionamento. Apenas explora o caos que o fato de algo assim existir pode causar na vida das pessoas em seu entorno, algo complicado pelas também caóticas ações humanas, absolutamente imprevisíveis.
Esse questionamento é interessante: o tempo é algo caracterizado pela previsibilidade (melhor seria dizer inexorabilidade), enquanto os seres humanos não: somos imprevisíveis e incontroláveis por natureza. Mas, e se o tempo também passasse a ter pontos de imprevisibilidade? Se, de repente, a cordilheira que levou milhares de anos para se formar, simplesmente desaparecesse, ainda que por alguns segundos? E se índios da época da conquista do Oeste e búfalos pré-históricos começassem a surgir nos tempos atuais, no meio dos problemas causados pelos incorrigíveis seres humanos?
Outra questão que emerge do texto da série é: o que nos liga através dos tempos? A resposta, dita em forma de imagens, é: o amor. Royal e Autumn acabam desenvolvendo um antagonismo perigoso, todavia, os dois retiram uma flecha do dorso do solitário búfalo do passado, em momentos distintos, sinalizando que, apesar das diferenças, algo – a ligação com o tempo – os conecta! Mas que conexão seria essa? Bom, a resposta está na série!
Os dramas dos personagens não são banais e suas personalidades, apesar de alguns traços característicos do estereótipo, são todas distintas e bem trabalhadas. A fala mansa, cansada e tímida de Perry, por exemplo, esconde o enorme potencial de violência explosiva do personagem. O aparente despojamento de Autumn é, na verdade, diagnóstico de seus traços limítrofes. A religiosidade formalística e a constante demonstração de segurança de Cecilia são âncoras para sua sanidade, diante dos desafios cada vez maiores que sua família e as circunstâncias da vida vão criando para si e as pessoas que ama. A disfuncionalidade da família Tillerson parece advir do vazio de se ter tudo, sem se ter nada, que seria, novamente, referência ao amor.
Nos aspectos técnicos, a série se sai muito bem, com efeitos precisos, sem malabarismos ou quaisquer exageros. A discreta trilha sonora se encaixa muito bem ao clima do programa, a fotografia é extremamente competente para retratar tanto a beleza, quanto a rudeza da vida country norte-americana e a direção, sem qualquer destaque especial, consegue extrair o melhor de cada cena.
Tudo isso – essa união entre bom conteúdo e boa forma – tornam Outer Range a bela surpresa inédita do ano até agora, juntamente com a menos conhecida (pela maior dificuldade de acesso, Ruptura, da Apple Tv), superando as produções em série da Disney/UCM e os grandes blockbusters, como The Umbrella Academy e Stranger Things, prestes a estrear na Netflix.
Vale muito à pena ver Outer Range e, de quebra, rever Dark, por puro exercício de comparação, para notar, inclusive, que, apesar dos temas e premissas similares, tratam-se de duas produções distintas e com muitos méritos próprios.
O showrunner da série – Brian Watkins – está fazendo mistério ou sendo evasivo sobre uma segunda temporada do programa.
Mas ele seria bastante idiota em não dar continuidade a este belo exemplo do que de bom a indústria audiovisual norte-americana tem a oferecer.
Até breve, tripulantes!!!
Nota: 4 / 5 (ótimo)
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