Críticas
ENCONTROS | Crítica do Neófito
Minha saudosa avó Conceição reclamava dos anos 80, dizendo que eram tempos de uma “geração perdida”, enquanto meu avô Fidélis – que era violonista – afirmava que nunca antes havia visto um momento tão ruim na música brasileira.
Atualmente, costumamos afirmar, com extrema frequência, que os tempos de hoje são terríveis, que nossos jovens se encontram desorientados, que a MPB está – como disse recentemente o grande Milton Nascimento – uma “m&rd@”!!
O que se percebe é que cada tempo traz desafios inerentes a si mesmo. Toda geração anterior tende a ver com reservas a geração posterior e seus costumes inovadores.
Todavia, é certo que os tempos atuais carregam em si algumas características próprias e que até pouco tempo não faziam parte da equação das transformações sociológicas.
A chamada “liquidez” da contemporaneidade (conceito de Zygmunt Bauman), e a tecnologia de que dispomos proporcionaram que as mudanças socioculturais ocorressem de forma muito mais acelerada do que em qualquer tempo anterior da humanidade. Nada é fixo, nada é muito preciso, nada dura muito.
Sem aprofundar em tal “problemática” (termo cunhado pelo jogador de futebol Dadá Maravilha), mas buscando observar tal fenômeno de forma concreta, percebe-se, por exemplo, como num vagão de metrô, 90% das pessoas que ali viajam estão absortas em seus próprios mundos, com fones de ouvidos ligados a seus smartphones do qual escutam suas playlists ou podcasts preferenciais.
O vai e vem frenético, mil tarefas realizadas ao mesmo tempo, capacidade de se comunicar facilmente com pessoas em qualquer canto do mundo (inclusive por vídeo), inteligências artificiais captando nossos gostos e conversas para direcionar matérias, chamadas, mensagens e propagandas conectadas a preferências pessoais verbalizadas ou detectadas, acabam criando um quadro sociológico no qual cada um de nós imerge cada vez mais nas próprias inclinações, crenças e ideologias, o que, por conseguinte, acaba favorecendo à polarização e intolerância com o contrário e o diferente.
É com um recorte desse atual cenário veloz e líquido que o filme Encontros (Deux Moi) se inicia, mostrando o corre-corre cotidiano dos trens e metrôs parisienses, rostos cansados e conscientemente fechados em si mesmos e, logo de cara, o par romântico do filme – Mélanie (Ana Girardot) e Rémy (François Civil) – sentados lado a lado num vagão, caminhando juntos pelas mesmas ruas e morando em prédios vizinhos (na verdade, dividindo parede), sem se notarem, sem flertarem ou sequer trocarem uma palavra.
Foto: Divulgação
Como se trata de uma comédia romântica – portanto possuindo um formato definido – não é spoiler dizer que, ao serem apresentados da forma acima descrita, o filme pretende criar no seu público a expectativa de assistir a como (ou se) os dois personagens virão a se encontrar no decorrer da história.
Acontece que, apesar de ser uma comédia romântica, não se trata de uma produção hollywoodiana e, portanto, há um diferenciado olhar europeu sobre o filme, tornando a história menos óbvia em seus desdobramentos e realização.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) talvez seja uma das comédias românticas francesas mais conhecida e bem sucedida dos últimos tempos, todavia, apesar de uma personalidade europeia altamente peculiar, muito de sua estrutura lembra as produções estadunidenses. Já Encontros (Deux Moi seria mais bem traduzido para o Português como “Dois de Mim”) apresenta uma fotografia nada glamourizada, melancólica e até suja. Os descascados das paredes dos apartamentos, as pichações nos muros, os esgotos a céu aberto, a preferência por cenários urbanos, de periferia e banais conferem um tom de realismo cru à trama e de que a história se passa com pessoas de carne e osso. Não há nem sombra da Torre Eiffel ou da Champs-Élysées no filme. Se os personagens não dissessem estarem em Paris, um não francês certamente não saberia que se tratava da famosa e cultuada “Cidade Luz”.
Em compensação, o cenário natural em torno da casa da família de Rémy, visitado em duas oportunidades, é simplesmente deslumbrante (tanto no inverno nevado, quanto na primavera verdejante), sendo um respiro em meio a tanta “urbanidade” anteriormente mostrada, além de simbólica: num primeiro momento, o personagem se encontra numa situação de auto isolamento e depressão, o que combina com a desolação e abandono sugeridos pela neve a cobrir campos e montanhas; já na segunda menção visual ao local, o protagonista está em processo de remissão e renascimento, rimando seu novo estado de alma com as muitas camadas de verde que se desenham pelo vale.
Mélanie e Rémy também são personagens completamente comuns e triviais: ela é apenas mais uma bióloga de uma equipe de pesquisa sobre tratamento para o câncer, que, em razão de sua juventude, é escolhida para apresentar os resultados do trabalho para os patrocinadores; ele, operário de uma transportadora, que, em razão da inserção de robôs na execução das tarefas no depósito (mais uma crítica aos “tempos modernos”) acaba relocado para trabalhar no call center da empresa.
Há um certo grau de estereotipação nos personagens principais e algumas situações forçadas (como, por exemplo, a cena na farmácia). Do mesmo modo, a composição de certos coadjuvantes – como o comerciante vivido por Simon Abkarian (hilário, mas clichê), os familiares de Rémy e os namorados e candidatos a namorados de Mélanie – apela para o caricato, diluindo bastante o clima realista que o longa imprime em sua generalidade por meio da fotografia e das situações cotidianas retratadas. Os psicoterapeutas interpretados por Camille Cotin e François Berléand (Carga Explosiva) são outros personagens que foram construídos em cima de arquétipos bem definidos e clássicos, enfraquecendo parte de seu apelo para a trama.
Foto: Divulgação
Pode-se também reclamar de uma certa “mão pesada” por parte da direção de Cédric Klapisch, que em muitos momentos imprime uma atmosfera ao filme que o distancia do modelo enlatado do gênero comédia romântica. Mas parece que a opção por uma direção menos experimental foi conscientemente escolhida pelo diretor (que também é ator, o que explica a boa condução de seu elenco).
Outra coisa que os espectadores brasileiros podem considerar “forçação de barra” é o fato de o casal, apesar de compartilharem tantas coisas – metrô no mesmo horário, local de compras, rua residencial, um “gato” –, nunca ter se notado. A cultura europeia – mais autocontida e formal – no entanto, difere bastante da extroversão quase irresponsável do brasileiro (que puxa papo com qualquer um), o que torna mais crível a situação mostrada no filme. Os dramas pessoais do casal – que acabam por levá-los à terapia – também ajudam a explicar tamanha alienação da parte de ambos, mas não convence totalmente.
Foto: Divulgação
A passagem de tempo é abordada de forma fluida e razoável para o desdobramento dos fatos, o que acaba se mostrando um ponto ao mesmo tempo positivo e negativo. Positivo porque, novamente, escora o enredo num maior realismo, pois, na “vida real”, as coisas costumam levar certo tempo para acontecer; e negativo no sentido de que o passar dos meses reforça a continuidade do alheamento do casal protagonista de um sobre o outro, afetando a realidade do roteiro.
Em resumo, Encontros se mostra um bom filme do gênero, com certo grau de ousadia e inovação em sua estética – heróis comuns, cenários desglamourizados – e em várias de suas temáticas – automação, desemprego, marketing acima de tudo, perigo das redes sociais, isolamento sociológico, entre outros – tratadas sempre de forma leve (afinal, trata-se de uma comédia), contando com atores carismáticos e bonitos nos papeis principais (apesar do ar de cansaço e melancolia de ambos), mas ao mesmo tempo repetindo certos tiques do cinema franco-europeu (como coadjuvantes caricaturados).
O resultado final, como dito, é bom, gerando alguma reflexão, mas sem deixar marcas profundas em seu público. Divertido, sem ser escrachado; romântico, sem ser bobo (ou excepcional); realista, mas nem tanto… Enfim, uma boa opção.
Mas, se depois de tudo isso você ainda não se animar a ir ao cinema para assistir ao filme, talvez seja melhor procurar uma escola de dança! (mas só quem vir o filme entenderá a frase final!).
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Nota: 3 / 5 (bom)
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