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Críticas

007 – SEM TEMPO PARA MORRER | Crítica do Neófito

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“Bond; James Bond”, o agente secreto “a serviço de Sua Majestade” com “licença para matar” foi criado em 1953 pelo burguês Ian Fleming, típico homem europeu, hétero, branco e oriundo de família rica. Nove anos depois, em 1962, o cinema adaptava pela primeira vez sua mais famosa criação com o filme 007 Contra o Satânico Dr. No, estrelado pelo ex-fisiculturista e futuro “sir”, o escocês Sean Connery, fato que iniciou a mais longa e rentosa franquia da 7ª arte, com atuais vinte e cinco longas oficiais, um extraoficial e uma paródia (Casino Royale, de 1967, estrelado pelo saudoso David Niven). Destas vinte e cinco produções, Connery deu corpo ao implacável espião e militar da Coroa, treinado em combate corpo-a-corpo, armamentos diversos e pilotagem de aviões, helicópteros e submarinos, em seis oportunidades “oficiais” (a última em 1971) e no “extraoficial” (o infame 007 – Nunca Mais Outra Vez, de 1983).

Nesse meio tempo, em 1969, o agente dotado da numeração “00” – autorização para matar – foi vivido no longa 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade pelo único ator a interpretá-lo uma única vez, o obscuro George Lazenby, responsável por aquele que, até hoje, é considerado um dos melhores e mais crus filmes do espião britânico, apesar de trazer a Spectre como inimiga e o famoso Blofeld de Telly Savalas.

Passada a era Connery, o porte da famosa pistola Walther PP passou para as mãos de Roger Moore (mais fleumático e bem-humorado), depois Timothy Dalton (mais físico e explosivo) e, finalmente Pierce Brosnan (o mais bonito dos Bond’s), sempre em tramas mais mirabolantes e grandiosas (como o que vem acontecendo com Velozes e Furiosos), com exageros e liberdades criativas que começaram a incomodar, ao ponto do 007 de Brosnan literalmente surfar numa onda gigante de terno e gravata! (em 007 – Um Novo Dia Para Morrer, de 2002).

Foto: Divulgação (todos os 007’s ao longo dos tempos)

No entanto, apesar da mudança de intérpretes – cada um com sua característica própria – de roteiristas e diretores, o fato é que o personagem sempre manteve certos traços característicos e identificáveis, muitos deles oriundos do estrato social de seu criador, a saber, o ar aristocrático, o hedonismo extremo, o cinismo, a ironia, o sexismo, a insensibilidade, certo machismo e até alguma misoginia.

James Bond, assim, é o retrato do masculino de uma época, marcadamente da geração Baby Boomer e X, na qual o homem devia ser macho-alfa, provedor, protetor, fisicamente superior, imbrochável e insaciável; ou seja, todas características potenciais para a masculinidade tóxica.

Por esses dois fatores, já há algum tempo que se vinham travando críticas sobre a relevância de continuidade – mesmo que ainda cinematograficamente lucrativo – de um personagem anacrônico, típico da dinâmica da Guerra Fria, em novos tempos globalizados e de discussões sobre inclusão, desigualdade de gênero e pautas progressistas. Para piorar, a franquia sobre outro agente secreto “JB”, o assassino desmemoriado Jason Bourne, trouxe nova dimensão para os filmes de espionagem, conferindo cheiro de obsoleto para o velho 007.

Foto: Divulgação (a mania dos nomes compostos e cacófonos também existe no mundo da espionagem!)

Foi assim que, em 2006, os produtores resolveram dar uma mexida na franquia, apostando num James Bond um pouco mais humanizado que, mesmo mantendo sua implacabilidade, era capaz de demonstrar alguma vulnerabilidade, dose de sentimento e até um pouco de insegurança e sofrimento pelos efeitos da vida que havia escolhido. A aposta foi feita num ator um tanto fora dos padrões dos antecessores, a saber, Daniel Craig, loiro, de rosto expressivo, menos ‘bonitinho’, fisicamente imponente, mais habilidoso no combate físico e violento, características deixadas de lado desde o filme protagonizado por Lazenby, em 1969.

O longa – 007 – Casino Royale, de 2006, dirigido por Martin Campbell – foi um tremendo sucesso, realmente renovando a franquia e, pela primeira vez, sugerindo uma história menos episódica para o personagem, que se desdobrava pelas produções subsequentes. As famosas e fetichizadas Bond’s Girls também deixaram de ser meras mocinhas em perigo ou objeto decorativo de desejo para assumirem papel mais proativo nas tramas. A mudança não foi isenta de críticas, principalmente por parte dos fãs mais xiitas, que sentiram falta dos apetrechos sofisticados, dos carros tunados e armados, situação piorada com Quantum Of Solace (2008), bem mais fraco que o anterior.

Sam Mendes (do excepcional e oscarizado Beleza Americana, de 1999), fã declarado do “Espião que Muito me Amava”, assumiu a direção para os dois próximos filmes, fazendo questão de dar continuidade ao arco e mudanças iniciadas em Casino Royale, mas trazendo de volta certas características clássicas do personagem, o que caiu no gosto de público e crítica.

Entretanto, Daniel Craig, o novo rosto do mais famoso agente secreto do cinema, anunciou para Deus e todo mundo que estava cansado do papel e que queria dar adeus ao seu potente Aston Martin, chegando a se despedir dos fãs na época do longa de 2015, 007 Contra Spectre, o segundo sob direção de Mendes.

Qual não foi a surpresa quando, contrariando todas as expectativas, o ator de 53 anos (de rosto envelhecido, mas com corpo super em forma) confirmou que voltaria para uma última aventura de 007, desta vez, sob a batuta do norte-americano Cary Joji Fukunaga (Beasts of No Nation, True Detective S01).

E assim, após essa longa (mas necessária) introdução, chegamos ao atual filme do espião que adora um Vesper Martini e, teoricamente, o último a ser estrelado por Craig. Trata-se de 007 Sem Tempo para Morrer, que se inicia com um flashback envolvendo a tumultuada infância de Madeleine (a belíssima Léa Seydoux), agora unida e em plena lua-de-mel com o aparentemente aposentado James Bond.

A primeira cena contemporânea, rodada na cidade de Matera, Itália, é de uma beleza arrebatadora, unindo direção de fotografia clara e solar, locações deslumbrantes e tomadas de tirar o fôlego. Sem dúvida, a melhor sequência de todo o filme.

Foto: Divulgação (alegria de espião dura pouco!)

Em termos de história, pouca coisa pode ser realmente dita sem dar spoilers indesejados, mas, após o início grandiloquente, o filme muda o cenário para a Jamaica, onde um agora solitário e ainda aposentado James Bond passa os dias pescando e bebendo nos bares locais, até reaparecer um personagem antigo, Felix Leiter (Jeffrey Wright), o agente da CIA amigo de Bond, oriundo dos livros e diversos filmes do espião que, na era Craig apareceu em Casino Royale. Daí para a frente, vamos para Cuba, Noruega e ilhas do Pacífico, nos quais surgem os velhos segredos de espionagem; uma ameaça global envolvendo perigosíssima arma “bionanotecnológica”; a lindíssima bondgirl Paloma, na pele de Ana de Armas (subaproveitada); a superagente Nomi (Lashana Lynch, surpreendente); um médico totalmente sem escrúpulos; os velhos jogos de poder político, capitaneados por M (Ralph Fiennes); alguns poucos apetrechos tecnológicos por cortesia de Q (Ben Whishaw); a Spectre e o grande nêmesis Blofeld (Cristoph Waltz); um pouco mais do talento e beleza de Léa Seydoux (a Madeleine), presa a segredos passados; e o realmente temível vilão Safin, no corpo do impressionante Rami Malek, que só aparece mesmo da metade final do segundo ato para frente.

Foto: Divulgação (os gabinetes e seus segredos)

Fukunaga oscila talento e reverência na sua direção, que mescla a dinâmica mais nua e crua que Campbell imprimiu em Casino Royale, com a sofisticação de Sam Mendes em Skyfall e Spectre. Mas, ao mesmo tempo, tirando a já mencionada espetacular sequência de abertura, as demais cenas de ação e luta são marcadas por excessivos cortes rápidos, os quais dificultam a visualização perfeita da coreografia. No último ato, há até interessante pequeno plano sequência (como em Spectre), todavia, sem ser memorável. A ótima cena de perseguição de carros – salvo engano na Noruega – consegue gerar tensão e ser bastante verossímil. Em contrapartida, o cineasta se mostra muito seguro na direção de atores e na construção de apelo dramático, conseguindo extrair ótima performance de Daniel Craig e de Seydoux (que já é excelente atriz).

Foto: Divulgação (encontro fraterno)

Mas, voltando para a história, trata-se, sem dúvida, do filme mais corajoso de toda a franquia (007 Contra Goldfinger, de 1964, ainda é o meu favorito, seguido pelo atual Casino Royale), sem medo de quebrar paradigmas que compõem a essência do personagem título, muito graças à ameaça enfrentada, que realmente assusta. A motivação final do vilão – vender a tal arma para quem puder pagar mais – é bastante ridícula perto de todo o esquema e processo que se desenvolveu ao longo do filme, mas isso não tira o impacto da vilania da figura de Safin, realmente capaz de fazer frente ao espião com licença para matar que, aliás, como mata! James Bond nunca metralhou tanto inimigo quanto em Sem Temo para Morrer! De espião sofisticado, torna-se o famoso exército de um homem só, que sempre acerta seus tiros, enquanto a mira dos oponentes é tão desastrosa quanto a dos Stormtroopers. Mas tais exageros não só são tolerados, como esperados em filmes do 007.

Foto: Divulgação (não é o Mr. Robot!)

O final do longa é inesperado e antológico, apesar de fazer todo o sentido, afinal, como dito, há muito que se falava numa necessária renovação do agente inglês, símbolo de uma era que, apesar dos atuais reacionários que saíram do armário, acabou faz tempo! Não há mais Guerra Fria, nem União Soviética; não existe (a não ser na cabeça delirante de alguns) ameaça comunista na esquina; não há mais espaço para tamanha predominância sócio, cultural e política de homens brancos, héteros, ricos, preconceituosos e tremendamente sexistas. As pautas de hoje giram em torno de inclusão, proteção ambiental, economia sustentável e outros assuntos menos beligerantes. 007 precisará de outras abordagens e de nova visão de mundo se quiser se manter vivo, e isso é justamente que Sem Tempo para Morrer oferece ao velho – mas muito em forma! – agente secreto a serviço de Sua Majestade.

A continuidade da franquia com Daniel Craig realmente chega ao seu fim, mas o personagem título ainda mantém seu potencial de divertir, mantendo-se presente no imaginário popular, de forma que resta esperar o que virá pela frente.

Foto: Divulgação (desta vez, “nunca mais outra vez” mesmo!)

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Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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