Críticas
O MAL NOSSO DE CADA DIA | Crítica do Neófito
O filme O Mal Nosso de Cada Dia, adaptação da Netflix do premiado romance de autoria de Donald Ray Pollock (The Devil All the Time, 2011) se trata de uma produção luxuosa e ambiciosa, que não se inibe diante da crueza e violência do texto de Pollock, além de extrair de sua constelação de jovem astros interpretações acima da média.
Dirigido pelo competente Antonio Campos (Depois da Escola, 2008, estrelado por Ezra Miller), e contando, ainda, com a elegante e melancólica narração em off do próprio Donald Ray Pollock, O Mal Nosso de Cada Dia tinha tudo para ser um filme memorável, forte candidato ao Oscar, principalmente depois da nova resolução da Academia – graças à pandemia – de permitir que filmes que estrearam apenas nas plataformas de streaming possam concorrer às premiações.
Foto: Divulgação
Todavia, ao término do longa de pouco mais de duas horas, ele parece um filme esteticamente muito bem feito, quase um livro filmado – sensação, esta, reforçada pela narração onisciente – mas desprovido de alma.
A história gira em torno de um grupo de pessoas ligadas por um destino trágico e violento ao longo de duas gerações situadas entre o fim da Segunda Guerra Mundial à Guerra do Vietnã, todas oriundas das imediações da pequena cidade de Knockemstiff, situada no estado de Ohio, no nordeste norte-americano. Contudo, a ambientação, os sotaques e a completa ausência de negros na tela e no enredo fazem com que o filme pareça se passar no Arkansas ou no Texas, famosos pelo racismo-sulista estadunidense.
O filme – que a princípio segue uma narrativa historicamente não linear – inicia com a jornada de readaptação social do traumatizado soldado Willard, vivido de forma intensa e segura por Bill Skarsgard (It, A Coisa), que futuramente virá a ser pai de Arvin, personagem defendido com vísceras por Tom Holland (o Homem-Aranha do MCU), que, por sua vez, acaba também traumatizado pelas consequências dos traumas do pai.
Foto: Divulgação
Arvin, ainda criança (interpretado pelo promissor Michael Banks Repeta), vai viver com a avó e o tio, tendo como irmã adotiva e afetiva Lenora (Eliza Scanlen), bebê aparentemente abandonada pelos pais – o pastor comedor de aranhas, Roy (Harry Melling, o Dudley Dursley da franquia Harry Potter, absolutamente assustador e irreconhecível) e a pura Helen (Mia Wasikowska, de Alice) – que acabaram cruzando caminho com o casal de psicopatas Carl (Jason Clarke, de Exterminado do Futuro: Gênesis) e Sandy (Riley Keough, de Mad Max: Estrada da Fúria), sendo esta última irmã do policial e posterior xerife Lee Bodecker (Sebastian Stan, gordo, corrupto e violento).
Foto: Divulgação
Lenora, extremamente religiosa, acaba, como a mãe desaparecida havia feito com Roy, se encantando pelo jovem, arrogante, patife e belo Reverendo Preston (Robert Pattinson, ótimo), que chega à pacata comunidade como novo pastor da igreja local, com consequências nada agradáveis para ambos.
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Qualquer coisa dita a mais poderá estragar as surpresas e reviravoltas do roteiro, que, no entanto – e isso não é novidade alguma – sempre costumam ter resoluções violentas.
Como já anunciado acima, as intepretações dos atores são simplesmente fantásticas! Você olha para Tom Holland e vê o rosto do Peter Parker, mas não consegue enxergar o Peter Parker ali em momento algum. A composição densa, sóbria, trágica que Holland criou para seu Arvin literalmente o transformam em outra pessoa.
Do mesmo modo, todos os demais atores se dedicaram a criar sotaques e vozes absurdamente convincentes para seus personagens, com destaque já falado para Harry Melling, mesmo com a breve participação de seu perturbado personagem Roy. Bill Skarsgard também comprova seu enorme talento camaleônico, assim como Robert Pattinson, que incorpora um cinismo que chega a dar asco.
Apesar das caracterizações brilhantes, O Mal Nosso de Cada Dia, porém, acaba pecando por querer ser muita coisa, perdendo-se nesse processo. Flashbacks e narrativas não lineares podem ser um recurso interessante, mas também podem apenas confundir desnecessariamente a história. Muita violência pode chocar na medida exata ou ficar banalizada. O filme de Campos fica sempre sobre essa tênue linha divisória.
Foto: Divulgação
O texto de Pollock também não se define muito bem. A princípio, parece que o autor – que de fato viveu na região onde se passa a história – deseja fazer uma crítica acerba aos costumes estadunidenses, à religiosidade vazia e meramente cultual, à hipocrisia puritana, ao sonho americano, à cultura da violência nos EUA, mas ao mesmo tempo, a resposta para todos esses problema é dada por meio de mais violência, sendo o “herói” da história – que ao final simplesmente encontra uma espécie de “paz” – alguém que simplesmente resolve tudo na base do tiro. A já mencionada ausência de personagens negros numa trama ambientada em estado do Norte dos Estados Unidos também passa sinal negativo. O sentimento que fica é que Pollock deve compactuar com esse espírito belicoso e segregacionista norte-americano, que se acerbou nesta era Trump. Em resumo, a crítica à banalização da violência – se é que havia – acaba se diluindo ou ficando indefinida. Afinal, violência atrai mais violência num ciclo vicioso ou apenas a violência é capaz de dar fim a uma sequência de eventos violentos? Simplesmente, não fica claro. E essa elipse não é positiva no filme.
Desse modo, O Mal Nosso de Cada Dia acaba sendo uma boa opção cinematográfica, haja vista a qualidade da produção, da direção, dos aspectos técnicos em geral e, principalmente, em função da performance dos artistas, todos muito bem em seus papeis. Mas fica uma sensação de que poderia ser mais.
Foto: Divulgação
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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)
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