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Críticas

THE BOYS S02 | Crítica do Neófito

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Li Garth Ennis pela primeira vez na extinta e saudosa revista Vertigo, publicada aqui no Brasil pela Editora Abril, nos distantes anos de 1994-1995, e que mensalmente compilava as histórias do Sandman Original, do Livros de Magia e – do carro chefe, escrita por EnnisHellblazer, a qual contava as desventuras de John Constantine, o mago inglês boca-suja e viciado em nicotina criado por Alan Moore numa das histórias do Monstro do Pântano.

O texto iconoclasta de Ennis para Constantine brincava com símbolos religiosos e a ideia de Deus, anjos, demônios, céu e inferno de uma forma que este colunista que vos escreve nunca havia visto.

Essa iconoclastia, porém, foi alçada ao grau máximo em Preacher, publicação icônica do quadrinista irlandês de 1995 a 2000, pelo selo Vertigo da DC Comics. Ainda lembro o quanto fiquei impactado com a visão de Garth Ennis sobre religião, Deus e o verdadeiro culto do escritor: o companheirismo, a amizade, a lealdade e o amor. Era como se Ennis se revelasse, no âmbito dos quadrinhos, um verdadeiro discípulo dos chamados “escritores malditos”, tais como Marquês de Sade, Edgar Alan Poe, Rimbaud, Bukowski, entre outros, usando a linguagem da HQ para tecer críticas ácidas à cultura vigente, à hipocrisia e idiossincrasia religiosa, bem como à própria indústria/cultura dos quadrinhos.

Foto: Divulgação

Para pagar a conta do Pub, Garth Ennis aceitou, em 2001, escrever, para o selo Max da Marvel, divertidas histórias sobre Nick Fury, Motoqueiro Fantasma e, principalmente,  O Justiceiro, sendo que os enredos deste último serviram de base para uma das versões cinematográficas do anti-herói (The Punisher, 2004).

Com a carteira recheada dos dólares da ressurreta Marvel, Ennis passou a produzir o que pode ser definido como seu trabalho mais herético: a HQ The Boys, dedicada a ridicularizar o conceito de super-heróis de forma explícita e demolidora. Da Liga da Justiça (na figura dos Sete) aos X-Men (com os G-Men), passando pela indústria e o mundo corporativo em torno destes (a Vought), o quadrinista irlandês não poupou ninguém!

O texto era tão ousado que a DC Comics – que iniciou a publicação por meio de seu selo Wildstorm – desistiu do projeto logo no início da produção (após 6 edições), que só foi continuada graças ao resgate realizado pela Dynamite Entertainment.

Histórias como Herogasm (derivado em 6 edições recheado de sexo, drogas e rock and roll da linha regular de The Boys) são, realmente, algo absolutamente incomum de se ler no mainstream dos quadrinhos.

Foto: Divulgação

Portanto, foi surpreendente quando a Amazon Prime Video anunciou que estava produzindo uma série em live action de The Boys!

Mesmo contando a princípio com um claramente modesto orçamento, a plataforma de streaming levou de verdade para as telinhas o conceito de The Boys, fazendo os primeiros oito episódios da primeira temporada de forma memorável. A crítica à indústria, aos super-heróis, ao jogo empresarial e capitalista selvagem por trás de tudo estavam ali, bem explícitos. A violência gráfica extrema, o humor negro, as temáticas sexuais, a exploração empresarial, a crítica religiosa e ao establishment, nada ficou de fora no primeiro ano, mais focado na sátira.

Todavia, foi um inesperado estrondoso sucesso!

Foto: Divulgação

A segunda temporada de The Boys, assim, passou a ser aguardada com enorme expectativa e, mesmo antes de estrear, veio a notícia de que o terceiro ano já estaria garantido, bem como uma série spin-off, e, recentemente, da declaração do showrunner, Eric Kripke, de que a ideia é produzir cinco temporadas ao todo!

Mudando a estratégia normal das plataformas de streaming, a Amazon Prime Video – segura do sucesso de seu produto – disponibilizou, a princípio, apenas três episódios do segundo ano de The Boys, e os outros 5 restantes a um por um por semana, o que se revelou ótima estratégia, tanto para a plataforma – que garantiu seu nome no topo dos assuntos mais debatidos nas redes pop-nerds por mais de um mês – quanto para os fãs, que puderam digerir melhor cada episódio, rever com calma os detalhes, fazer anotações e debater muito com os amigos e outros nerds por aí.

Em termos de conteúdo, este segundo ano surpreendeu, conseguindo elevar o nível da já ótima primeira temporada, saindo unicamente do aspecto parodial, para avançar ao terreno da crítica política do mundo contemporâneo, muito graças à introdução da excepcional personagem Tempesta* (Aya Cash, ótima).

Foto: Divulgação

*PEQUENO ESCLARECIMENTO COM SPOILER: na HQ, o personagem original – Stormfront – é do sexo masculino e explicitamente nazifacista, mas a mudança para a série televisiva foi extremamente coerente e válida para o andamento da história.

São muitos os temas abordados de maneira geral pela segunda temporada de The Boys, como, por exemplo, a forma pela qual interesses corporativos se sobrepõem à vida privada; a sobrevivência da hipocrisia fisiológica política; o momento atual de ascensão do pensamento ultraconservador, com vieses fascistas; racismo; fakenews; o impacto negativo e positivo das redes sociais; a inserção da religião na política… e tudo isso de forma orgânica e às vezes sutil.

Em termos específicos, os personagens ganham profundidade, graças a alguns poucos flashbacks e diálogos aparentemente triviais que esclarecem elementos de seu passado. Com isso, passamos a entender muito da personalidade e do modo de agir de Billy Butcher (Karl Urban, irrepreensível), de Kimiko (Karen Fukuhara), de Francês (Tomer Kapon), de Maeve (Dominique McElligott) e até mesmo de Hughie (Jack Quaid).

As armações pelo lucro da Vought também ficam mais claras, mas, sem dúvida, o personagem que mais evolui é o Capitão Pátria (Antony Starr).

Se antes o personagem era mantido sob rédeas graças à Madelyn Stillwell da ainda bela Elisabeth Shue (que faz uma ótima participação especial nesta segunda temporada), agora, sem as amarras e suporte emocionais que a executiva-chefe da Vought lhe dava, o todo-poderoso “super-herói” passa a contar apenas consigo mesmo, e a se conter tão somente em razão de suas carências afetivas, atendidas em grande medida pela idolatria pública, o que o torna presa fácil para a sedução e ambições de Tempesta. Cada vez mais, ele se revela o personagem que todos amamos odiar e a cena final deste segundo ano sinaliza o que virá pela frente.

Foto: Divulgação

Outro ponto instigante é que a segunda temporada do programa encaminhou os personagens principais para bem mais perto da sua situação originalmente vista nos quadrinhos. Assim, se Butcher aceitar a proposta feita por Grace Mallory (Laila Robins), a trama da série televisiva ficará muito mais próxima da que se é vista na HQ, o que pode ser muito bom ou muito ruim, dependendo da maneira como os roteiristas irão desenvolver a história. Particularmente, adoraria ver ‘os rapazes’ começarem a tomar doses do Complexo V, para encararem em pé de igualdade os seres super-poderosos daquele universo.

Ainda vale destacar algumas participações e referências – mesmo que um pouco alteradas – de personagens da HQ original. Shawn Ashmore, por exemplo – que faz o Homem de Gelo na franquia X-Men e luta contra o mutante piromaníaco, Pyro – surge em The Boys como Facho de Luz, tendo como poder justamente a manipulação do fogo! Mas a participação mais divertida é a do Salsicha do Amor, que é simplesmente impagável!!!

Os pequenos deslizes dessa temporada – como o fraco pequeno arco com Kimiko como assassina de aluguel – são perfeitamente desculpáveis e passam desapercebidos diante de tantas outras coisas tão boas e legais do programa.

Com um orçamento um bocadinho mais generoso, a segunda temporada de The Boys, assim, atingiu com louvor seus objetivos de dar continuidade e maior grandiosidade à série, mas, por outro lado, aumentou ainda mais o nível de expectativa a respeito do seu terceiro ano, lembrando a famosa “maldição das trilogias”: primeiro exemplar, muito bom; segundo exemplar, ótimo/excelente; terceiro, decepcionante!

Tomara que os roteiristas consigam, pelo menos, manter o nível do que foi apresentado nesta segunda empreitada do show, pois, sem dúvidas, The Boys é uma (se não for a melhor) coisa que a telinha apresentou neste conturbado ano de 2020! Literalmente, de explodir a cabeça!!!!

 Foto: Divulgação

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Nota: 4,5 / 5 (excelente)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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