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Críticas

RECOMEÇO | Crítica do Neófito (com SPOILERS)

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Quem tem um mínimo de costume de assistir a séries e seriados regularmente e repare no título da série em Português, Recomeço (quase um spoiler grafado em letreiro neon) vai, de imediato, sacar a trama da nova série “feita para chorar” da poderosa Netflix, ao ver sua cena de abertura, na qual a personagem Amy – vivida por uma dedicadíssima e talentosa Zoë Saldaña – encontra-se melancolicamente na frente de um fogão, rememorando alguma receita culinária e sorrindo de forma etérea para um caderninho com capa de couro.

Indo na linha de A Culpa é das Estrelas para adultos, a produção, a cargo da showrunner Attica Locke, é baseada no quase totalmente autobiográfico livro From Scratch (literalmente, “do rascunho” ou “do princípio”), de Tembi Locke, irmã da produtora, atriz e escritora.

Tembi é daquelas atrizes cujo rosto a gente conhece, mas sem saber precisar de qual produção, tendo participações em O Mentalista, CSI e até mesmo Friends, entre outros programas.

No livro que deu origem à série, Tembi narra os três verões que passou numa cidade do interior da Sicília, com sua sogra, recomeçando a vida, após a triste morte de seu marido, o siciliano Saro Gulo. Durante tal estadia, a personagem (muito real) faz a retrospectiva do feliz casamento que viveu, desde que o casal se conheceu, apaixonou-se e sofreu com a forte resistência da família italiana de Gulo ao fato dele querer se casar com uma “atriz”, “negra” e estadunidense, até o diagnóstico do leiomiossarcoma, que o mataria 10 anos depois de muita quimioterapia, cirurgia, tratamentos e exames periódicos, no ano de 2012.

Na série, Tembi passa a se chamar Amy (Zoë Saldaña) e, ao invés de atriz, é artista plástica, curadora e professora de arte. Saro Gulo vira Lino Ortolano (vivido pelo talentoso e bonito Eugenio Mastrandrea, cujo sorriso lembra muito o saudoso Christopher Reeve), mantendo sua profissão de chef. A dedicada Zora Wheeler (Danielle Deadwyler), irmã de Amy, é alterego de Attica Locke que, na série, é professora primária, ao invés de produtora artística.

Foto: Divulgação (que tal um bello cozinheiro italiano para chamar de seu?)

A série se inicia com a cena descrita cinco parágrafos acima, situando o espectador no ano de 2015, mas logo retornando ao passado, quando a jovem Amy se embrenha pela Itália para estudar arte, a contragosto do poderoso pai e advogado texano Hershel Wheeler (na vida real, Gene Locke). É lá que ela vai encontrar aquele que seria o amor de sua vida, Lino, o qual abandonará sua promissora carreira de chef na Itália para tentar a sorte nos Estados Unidos, ao lado de sua amada.

Tudo ia bem até o diagnóstico da doença e a luta para combatê-la, a princípio bem-sucedida, mas mortalmente traiçoeira, retornando anos depois de forma absolutamente letal, quando o casal já havia adotado uma filha, a linda Idalia – que, na vida real, é Zoela – interpretada por várias crianças, mas com destaque para a talentosíssima Isla Colbert, que vive a personagem quando da morte do pai.

Somente após toda a história do casal é que a série retorna ao seu ponto inicial – a cena do fogão – para logo mostrar a temporada por tempo incerto (na série) em que Amy estadia na casa da sogra, situada na pacata Castelleone (na produção, em termos fictícios, apesar desta comuna existir de fato na Lombardia), com menos de 500 habitantes, cidade natal de Lino, onde vai aprender sobre a cultura e costumes sicilianos e trabalhar seu pesado luto pela perda do marido.

Feito o resumo básico do enredo, percebe-se que a trama, apesar de ancorada num caso verdadeiro, não apresenta grandes variações ao gênero “vale de lágrimas”, cujas raízes se remetem a Love Story (1970) até o já mencionado A Culpa é das Estrelas (2014). Sua originalidade advém da trajetória do romance vivido entre Amy e Lino e da forma como a história é contada.

Foto: Divulgação (comer, beber e rezar… para comer e beber mais!)

Para tanto, o roteiro – também a critério de Tambi e Attica Locke – acerta e erra – no tom, no ritmo e na qualidade – em igual medida.

O início é promissor e cativante fazendo com que o espectador se interesse pelas personagens em tela e torça pelo início do romance do casal de protagonistas. Logo em seguida, no entanto, já no segundo episódio, ao sermos apresentados às famílias de Amy e Lino, percebe-se o esquematismo e a unidimensionalidade inicial de vários personagens secundários, presos a estereótipos clássicos, como o caso do macho-alfa texano bem-sucedido (Hershel, pai de Amy); e os pais ultraconservadores de Lino, Giacomo (Paride Benassai) e Filomena (Lucia Sardo).

Muitos dos diálogos feitos nesses primeiros episódios da série são puro clichê e, a mais das vezes, forçados e artificiais, incluídos no roteiro, ao que parece, para gerar problemas e mostrar a dificuldade do casal no enfrentamento de suas diferenças socioculturais, ou seja, uma gordura desnecessária.

Há falta de coerência também, como no caso de Amy, ansiosa e sonhadora com uma carreira artística, mas que parece nunca ter pintado um quadro (apesar de aparecer desenhando e pintando de vez em quando), passando a série toda dizendo querer se dedicar “à sua arte”, mas sem fazer nada a respeito. Ou seja, o tema é repisado, mas não ganha evolução e nem resolução ao longo de todos os oito capítulos da série.

A personagem de Zora, muito provavelmente por ser o avatar da produtora e irmã da autora, ganha um destaque às vezes superlativado, por mais interessante que seja, com o objetivo de demonstrar a importância dela para Amy, surgindo como anjo da guarda sempre que necessário.

As relações familiares dos dois protagonistas com suas próprias famílias ou com as do cônjuge são retratadas quase sempre de forma extremada, compondo um arquétipo bem unidimensional de “familiares que se amam apesar de sempre brigarem”: rusgas homéricas por questões absurdamente ridículas e explosões de afeto de igual intensidade algumas cenas depois. Esse tom vai amenizando com o decorrer da série, mas, em seu início, é bastante irritante, pela artificialidade das situações “tensas” criadas.

Foto: Divulgação (criatura e criadora: Zoë Saldaña e Tembi Locke)

Em compensação, a série tem pontos positivos que compensam essa preguiça do roteiro.

Em primeiro lugar, a fotografia de Brian Pearson e Patrick Murguia, dividida entre Los Angeles e a Itália é belíssima, sempre nítida, solar e quente (parece que não neva ou faz frio nos EUA e Itália!).

Mas o que se destaca mesmo são as atuações dos protagonistas e do elenco italiano.

Saldaña consegue se descolar completamente de seus personagens fortes e até masculinizados como em Colombiana, Os Perdedores, Star Trek, Guardiões da Galáxia, Avatar etc. Sendo assim, sua atuação é sensível e poderosa, transmitindo complexidade a uma personagem muitas vezes escrita de forma irregular.

Mastrandrea impressiona com as nuances e sutilezas de seu Lino, demonstrando enorme simpatia e carisma; ao retratar paixão genuína por sua cara metade na trama e pela filha de seu personagem; explicitando a frustração de alguém deslocado de seu país, costumes, profissão e, finalmente, doente e impotente.

Paride Benassai interpreta com maestria o rabugento Giacomo, pai de Lino, oscilando do completo troglodita ao pai sensível e em conflito interno acerca de seus valores e crenças; bem como Lucia Sardo choca com sua excepcional caracterização de Filomena, a mãe tipicamente italiana de Lino.

Foto: Divulgação (a performance assustadora de um ator com “A” maiúsculo)

Aliás, as atuações poderiam ser mais marcantes, não fosse a mão pesada da diretora Nizingha Stewart (Crush à Altura), muito acostumada ao estilo norte-americano de filmagem, o que tira muito da sutileza de certas passagens. Seu ponto alto, porém, fica por conta da sequência da morte de Lino, em que a cineasta parece mudar seu estilo, para dar tempo para cenas e diálogos mais contemplativos e sensíveis; e da estadia de Amy na Sicília, também marcada por nuances culturais e visuais e com uma dose de bom humor que, apesar da circunstância dolorosa em torno do luto por Lino, não soa forçada.

Por fim, a série tem um mérito que a faz destacar de quase cem por cento das produções estadunidenses: quando na Itália, os personagens falam italiano!!!! Inclusive Saldaña teve que aprender o idioma para seus longos diálogos na língua de Cícero e Sêneca! Que evolução para a produção audiovisual norte-americana, que sempre força todos os países diferentes dos EUA a falarem inglês fluente (Emily em Paris que o diga!!!).

Recomeço é uma série realmente agradável de se assistir, apesar de algumas falhas incômodas na sua estrutura, mas indubitavelmente com personagens carismáticos, com uma linda história de amor realista (na alegria e na tristeza), atuações muito boas e ótimas sugestões de comida!

Foto: Divulgação (não, não é um final feliz…)

 


Nota: 3,5 / 5 (muito bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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