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Críticas

A LENDA DO CAVALEIRO VERDE – Filosofia visual | Crítica (tardia) do Neófito

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Foi em 1949 que Joseph Campbell concebeu sua famosa e universal teoria da Jornada do Herói, na qual descreve o padrão das histórias mitológicas antigas.

Para o famoso mitólogo norte-americano, os personagens principais dos mitos seguem, com pequeninas variações, um esquema bastante claro e previsível:  primeiro, ocorre “o chamado”, ao qual o herói, vivendo tranquilamente em seu “mundo comum”, recebe, recusa e depois aceita. Tal chamado o convoca para uma jornada rumo ao mundo “especial” ou “místico”, para cumprir alguma missão (enfrentar algum desafio, recuperar algum artefato etc.). No chamado, ou logo após este, o herói encontra um mentor ou ajuda sobrenatural, que vai orientá-lo sobre como atravessar o limiar entre os dois mundos e sobreviver a este último. O herói, então, vai sucumbir a um primeiro teste (chamada de “o ventre da baleia”, com referência ao Jonas bíblico). Depois se aproxima da “caverna oculta” (ou de um falso ponto de culminância). Na sequência, sofrerá nova, derradeira e verdadeira provação final (que pode levar à sua morte). Mas a história não termina aí: o herói vai ressuscitar, receber sua recompensa (ou “elixir”), iniciando seu retorno ao mundo comum/natural. Ao voltar, o herói estará modificado, evoluído e amadurecido, condição simbolizada no artefato mágico, oriundo do mundo sobrenatural.

Foto: montagem sobre capa do livro e fotos da rede de Joseph Campbell

Se o padrão é o mesmo para todos os personagens, o que varia são os tipos de provação, de mentor, de artefato, de lição a ser aprendida etc.

Para o Psicologia Analítica de Jung, o “mito/jornada do herói” vai mais além, representando modelo psicológico universal da psiquê humana – o arquétipo – a que todos recorremos de forma inconsciente nas experiências de vida.

Mas – o leitor pode se perguntar – o que tamanha teoria filosófico-psicológica tem a ver com comentários críticos sobre um filme de fantasia?

Acontece que A Lenda do Cavaleiro Verde (em inglês, The Green Knight) – badalado filme de 2021, dirigido pelo promissor David Lowery e estrelado por Dev Patel (ótimo) e Alicia Vikander (competente como sempre) – é adaptação do importante conto medieval Sir Gawain and the Green Knight (“Sir Gawain e o Cavaleiro Verde”), considerado típico exemplar da tese defendida por Joseph Campbell acerca da Jornada do Herói.

Lowery, aliás, deixa isso muito claro desde a primeira tomada de seu filme, na qual se mostra um incêndio ocorrendo em certa construção não tão longe, decorrente de algum conflito ou guerra, enquanto, dentro de um prostíbulo, o jovem e inconsequente cavaleiro Gawain (Patel) – sobrinho (e/ou filho) do Rei Arthur (Sean Harris) e filho da meia-irmã bruxa do rei, Morgana Le Fay (Sarita Choudhury) – dorme tranquilamente nos braços de sua cortesã favorita (Alicia Vikander), imerso em seu mundo subjetivo e egóico, indiferente ao que ocorre ao seu redor.

Foto: Divulgação (a Irlanda e suas belezas arrebatadoras)

Logo, porém, Gawain percebe que seu modo de vida está ameaçado, graças ao fato do Rei Arthur, sem filhos para o suceder no trono, demonstra interesse em conferir destaque ao sobrinho (que, em algumas versões do mito, é também filho do rei, fruto de relação incestuosa com Morgana), convocando-o para uma condição que, a princípio, ele parece não desejar, por antever as implicações disso.

Mas tudo se inicia mesmo com a chegada do misterioso Cavaleiro Verde em pleno salão real, na comemoração do Natal, propondo o “jogo” de que algum cavaleiro ali presente lhe cause qualquer ferimento, desde que, um ano depois, submeta-se ao mesmo ferimento a ele causado.

Gawain toma a dianteira, tentando impressionar o tio e os demais cavaleiros, mas, inadvertidamente, corta a cabeça do Cavaleiro Verde que, para surpresa de todos, ergue-se, apanha a cabeça decepada e sai do castelo gargalhando e lembrando que o cavaleiro, para se mostrar honrado, teria que o procurar – “seis luas ao norte” – dali a um ano, para receber o mesmo “ferimento”.

Foto: Divulgação (o perigo de se perder a cabeça!)

Tal descrição não é spoiler, uma vez que se trata de resumo do conto no qual o filme se baseia e revelado no trailer.

Inicia-se, assim a típica saga do herói de Sir Gawain, em correspondência quase didática com a proposição de Campbell e a aventura contada na história oriunda do século XIV.

David Lowery, porém, não se prende totalmente à narrativa do conto, permitindo a seu roteiro algumas liberdades criativas, mas, acertadamente, sem se afastar muito do material original ao ponto de o descaracterizar.

Tem-se, a partir daí, a presença de figuras sobrenaturais (gigantes, animais falantes, fantasmas etc.) e dúbias (bandidos, caçadores, senhoras enigmáticas etc.), bem como uma narrativa cinematográfica altamente elíptica e hermética, que não revela muito, deixa várias perguntas no ar e prefere diálogos propositalmente circulares e enigmáticos. Quem gosta de filmes que desafiam a atenção, a inteligência e a capacidade interpretativa do espectador, vai adorar A Lenda do Cavaleiro Verde. Já quem se irrita com filmes “cabeça”, vai ter dificuldades com várias sequências do longa, que podem ser rotuladas de “viagens na maionese”.

No tocante aos aspectos mais técnicos do filme, Dav Patel tem chance de brilhar, mostrando facetas dramatúrgicas acima da média, bem como a absoluta entrega – física e mental – ao personagem que interpreta. Vikander surge em dois papeis, tanto na já citada não nominada cortesã (e objeto do amor de Gawain), quanto na sedutora e ambígua Lady Bertilak esposa do também enigmático Lorde Bertilak (Joel Edgerton). Sean Harris consegue transmitir o peso da coroa de rei na cabeça do mítico Arthur, enquanto Choudhury entrega uma Morgana mais “pé no chão”, incognoscível de tão dúbia. Joel Edgerton aparece pouco, mas marca presença, bem como Barry Keoghan, cada vez mais se especializando em tipos estranhos.

Foto: Divulgação (a musa que se manifesta em todas as mulheres)

Se, em termos de roteiro e conteúdo, pode haver certa dificuldade de maior aceitação pelo público médio, no tocante ao visual, A Lenda do Cavaleiro Verde é simplesmente deslumbrante. A fotografia de Andrew Droz Palermo retira o que há de mais lindo e místico das paisagens abertas e cores frias da Irlanda. Um desbunde para os olhos a cada nova tomada.

Mesmo ao mostrar desolação e um campo repleto de corpos mortos na guerra, as imagens são simplesmente lindas.

O final de A Lenda do Cavaleiro Verde tem levantado algumas discussões, com gente odiando ou amando!

A crítica, no geral, recebeu bem o filme e, mesmo antes de ser lançado, especulava-se sobre sua indicação ao Oscar.

Realmente, a obra esmerada de Lowery não é qualquer coisa. Mas o excesso de hermetismo e muita confiança de que se trata de um filme oscarizável acabam por tornar A Lenda do Cavaleiro Verde menos atrativo do que sua excelente direção de arte, fotografia e atores mereceriam ser.

Disponível na Amazon Prime Video, trata-se de longa com produção caprichadíssima, direção segura, atores em ótima forma e história interessante. Mas algo na execução destoou, como um único instrumento desafinado no meio da grande orquestra, mas capaz de se destacar, incomodando todos demais músicos e a plateia, sem que o maestro consiga detectar qual o responsável pela desarmonia.

Belo filme, mas um pouco sem vida.

Foto: Divulgação (este filme faz a cabeça pegar fogo mesmo!)

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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