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Críticas

COUNTERPART: MUNDO PARALELO | Crítica (tardia) do Neófito

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Em tempos de multiplicação de plataformas de streaming e a profusão quase indecente de produções visando a atenção da audiência, muita coisa descartável e de gosto duvidoso é ofertada como se fosse o suprassumo do audiovisual. Contudo, há coisas muito boas – verdadeiras pérolas escondidas! – que às vezes passam completamente despercebidas do grande público.

Esse é o caso de Counterpart, série em duas temporadas de 10 episódios cada, produzida entre 2017-2019, pelo canal a cabo Starz, disponível no Brasil no serviço Now da Net.

Trata-se de um thriller de espionagem misturado com ficção científica, em produção conjunta dos EUA e Alemanha, estrelado pelo unanimemente celebrado J. K. Simmons, como protagonista, em papel duplo!

A premissa é para lá de interessante: Howard Silk (J. K. Simmons) é um pacato e pacífico  funcionário de segundo escalão numa suposta unidade das Nações Unidas situada em Berlim, atolado há anos em um mesmo trabalho tão burocrático, quanto enigmático. Homem de hábitos simples e meticulosos, é apaixonado pela mulher com quem é casado há décadas, Emily (Olivia Williams), que, após um atropelamento, está há meses em estado comatoso num hospital. Todas as noites, antes de ir para casa, Howard leva flores e lê poemas para a esposa inconsciente.

Num belo dia, porém, Howard é chamado pelos superiores para uma reunião sigilosa onde, para sua total estupefação, encontra um homem fisicamente igualzinho a ele, com mesma voz, mesma altura, mesma história de vida pregressa, mas dotado de atitude muito diferente: audaz, atrevido, arrogante e violento! Esse homem se chama Howard Silk Prime (J. K. Simmons novamente) e, junto com ele, vem a revelação de que, desde um acidente ocorrido na antiga Alemanha Oriental, em 1987, sobre o local onde se sediou aquela unidade da ONU, foi criado, dividido ou descoberto um segundo universo e uma Terra paralela que, até aquele momento, era exatamente igual a outra, mas que, a partir do acidente, começou a andar de maneira independente, de forma que todas as pessoas de um mundo têm a sua contraparte (tradução literal de counterpart) no outro, com a qual compartilharam um passado em comum até aquela data.

 Foto: Divulgação

Considerado como o maior segredo da humanidade, toda aquela estrutura burocrática e enigmática havia sido criada para manter tudo às escuras, ao mesmo tempo que estabelecendo uma boa relação diplomática entre os dois mundos, com o objetivo de se evitar uma guerra entre eles. Todavia, desde o acidente que revelou, criou ou dividiu a realidade em duas, os mundos começaram a se diferenciar em termos de avanço tecnológico e histórias de vida, de modo que se alguém perdeu um ente querido numa Terra, pode ser que sua contraparte esteja viva no outro, fazendo com que a pessoa queira rever aquele que havia perdido. O mundo de Howard Prime, por exemplo, sofreu uma pandemia de gripe que matou muitas milhões de pessoas daquela Terra, o que motivou a criação de grupos terroristas conhecedores do segredo dos universos paralelos, voltados a retaliar o outro mundo – considerado responsável pelo vírus – ou acabar de vez com a interação entre as duas realidades. Prime, ao contrário da sua contraparte Silk, é um agente de campo altamente treinado para matar ou prender terroristas, violadores dos tratados ou outros criminosos envolvidos no segredo.

Para espanto maior ainda de Howard Silk, no outro mundo, ele (ou sua contraparte, Prime) e Emily haviam se divorciado há muitos anos, mas em compensação tiveram uma filha que Silk não teve na sua Terra.

Foto: Divulgação

Bom, qualquer coisa a mais que seja dita pode estragar as surpresas da série, mas, a partir da revelação, começa a se desenrolar uma trama detetivesca com jogo de gato e rato repleto de revelações, reviravoltas e intrigas, dividida em cenas passadas na Terra de Silk (preferencialmente fotografada com filtro avermelhado) e na de Prime (com fotografia caída para o azul).

O elenco multiétnico é afinado, muitos deles tendo que compor personagens fisicamente idênticos, mas com personalidades totalmente diversas. Todavia, sem qualquer dúvida, o destaque quase todo vai para J. K. Simmons, que verdadeiramente dá um show de caracterização e composição. Silk e Prime apesar de fisicamente idênticos, são nitidamente diferentes: no modo de andar, nas reações, na postura física, na inflexão da voz, na expressão dos sentimentos. A segurança ameaçadora de Howard Prime é absolutamente distinta da melancolia de Silk, provando o talento desse ator esplêndido, que facilmente poderia transformar sua interpretação em clichê, mas que, ao contrário, nunca perde as rédeas da sua arte.

Foto: Divulgação

A série, muito bem dirigida e produzida, levanta questões filosóficas realmente interessantes, que vão da teoria do caos ao problema do determinismo e do livre-arbítrio (uma mínima diferença pontual num mundo pode mudar totalmente a vida da pessoa com relação a sua contraparte). A ação se desenvolve de forma orgânica e, na maioria das vezes, dinâmica e sem muita enrolação. Os efeitos especiais e visuais – envolvendo as contrapartes em uma mesma tomada e a diferença das mesmas locações de forma diferente nos dois mundos – são bons, apesar de econômicos e preferencialmente mecânicos, destacando-se a interação das contrapartes, mesmo que se perceba, aqui e acolá, alguns dos truquesinhos utilizados para realização dos cortes e junções das duas gravações necessárias para colocar o ator contracenando consigo mesmo.

O foco em cenas de ação é característico (e de completo domínio) das produções norte-americanas; mas a mão dos alemães se faz presente no sentido de nunca deixar as implicações existenciais de duas realidades distintas interagindo ficarem em segundo plano, lembrando, por exemplo, o cuidado com os impactos emocionais que algo desse tipo poderia causar nas pessoas, tal como mostrado em Dark, a mais famosa e badalada série alemã. Além disso, apesar da predominância onipresente do inglês, muitos diálogos ocorrem em alemão, o que é um alívio em termos de coerência, já que toda a história se passa naquele país. Enfim, Counterpart parece o bom resultado da união de filmes de espionagem, tal como o Espião que Sabia Demais com a já citada Dark.

Mesmo com avaliações quase unanimemente positivas (de 90 a 100% no Rotten Tomatoes para as duas temporadas), infelizmente, o canal Starz optou por não dar continuidade à produção após o segundo ano. Em termos de roteiro, o final da série resolveu grande parte da trama central da história, mas deixou várias pontas soltas, bem como a vontade de ver mais J. K. Simmons em ação.

Sem dúvida, uma excelente opção de entretenimento que ficou perdida no meio de tanta coisa de qualidade muito inferior. Quem tiver Net ou como obter a série por outros meios, fica a recomendação do Nerdtrip!

Foto: Divulgação

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Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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