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Críticas

FRANKIE | Crítica do Neófito

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Que o cinema norte-americano é uma verdadeira indústria do entretenimento, ninguém tem a menor dúvida.

São tantos gêneros abordados, títulos lançados e dinheiro circulando, que fica difícil para o cinema de outros países se sobressair.

Apenas no circuito mainstream norte-americano de 2019 – sem contar os telefilmes, filmes independentes e documentários – foi uma média de 130 lançamentos (mais de 10 por mês!).

As produções fora dos EUA ambicionam faturar o que os filmes estadunidenses custam para serem feitos!

Desse modo, sobram poucos temas a serem abarcados, restando aos filmes não-americanos inovarem em suas temáticas ou na abordagem de enredos já batidos.

O cinema indie busca uma estética própria, uma linguagem muitas vezes chocante, outsider, sendo bem sucedido algumas vezes e outras não. No quesito trama, o cinema independente tem liberdade para tratar de temas mais ácidos ou menos comerciais, apesar de obviamente dispor de muito menos recursos para contar tais histórias.

Ira Sachs, cineasta norte-americano de ascendência judaica, gay e militante pela causa, tem despontado como um nome de peso no ambiente indie. Seu filme semiautobiográfico Deixe a Luz Acesa (2012) chamou a atenção, em razão da sensibilidade com que tratou a história de um longo romance homossexual escondido por uma das próprias partes envolvidas, graças aos preconceitos sociais e com relação a si mesmo.

 Foto: Divulgação (Ira Sachs – o diretor – e três de seus filmes mais conhecidos)

Seguiu-se o filme Melhores Amigos (2016), um pouco mais impreciso em termos de estilo (flertando com o melodrama) e, no final de 2019, ele apresenta Frankie, ambicioso projeto, falado em 3 línguas (inglês, francês e português) e defendido por uma variedade de rostos conhecidos tanto do chamado cinemão quanto do cinema independente, e algumas estrelas europeias.

Isabelle Hupert, assim, protagoniza o longa, dando vida à Frankie do título: famosa atriz francesa, diagnosticada com câncer terminal e poucos meses de vida, reúne a família na cidade litorânea de Sintra, Portugal, com o objetivo de se despedir de todos – incluindo seu atual, carinhoso e britânico marido, Jimmy (Brendan Gleeson), e seu ex-marido gay Michel (Pascal Greggory) – enquanto tenta encaminhar algumas coisas, como tentar unir sua amiga Ilene (Marisa Tomei, linda) – então companheira do cineasta Gary (Greg Kinnear) – com seu disfuncional filho Paul (Jérémie Renier). Em paralelo, a filha do primeiro casamento de seu marido, Sylvia (Vinette Robinson), enfrenta problemas conjugais com o esposo Ian (Ariyon Bakare) e sua rebelde filha adolescente Maya (Sennia Nanua).

Se existem os famosos road movie, Frankie poderia ser definido com walk movie, afinal, todo mundo caminha nesse filme e é durante essas caminhadas que tudo é discutido, resolvido ou aprofundado. A metáfora com a vida – ora andamos sozinhos, ora acompanhados; ora sabendo para onde vamos, ora estamos perdidos; ora “subimos”, ora “descemos”; ora observamos as pessoas de uma perspectiva mais alta, ora somos observados; ora chegamos a algum acordo, ora tudo permanece como sempre foi; ora encontramos o amor, ora a paixão acaba etc. – de tão óbvia, chega a irritar! E como andam e falam os personagens!

Foto: Divulgação (algumas das muitas “caminhadas” do filme: metáfora da vida, da pequenez humana diante do destino etc.)

Nesse sentido, a trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-sol e Antes da Meia Noite, de Richard Linklater, pode ser citado como um exemplar muito mais bem sucedido dessa proposta de usar o “caminhar” e o diálogo (dialética) como o motor impulsionador para o encaminhamento da história e dramas dos personagens.

Em Frankie, Ira Sachs parece ter ficado tão fascinado por sua inteligência ao criar diálogos maduros e criar interação entre os diferentes atores de diferentes origens (franceses, portugueses, ingleses, irlandeses, norte-americanos), que se esqueceu de uma montagem e edição mais elegante e orgânica. Parece uma colagem de cenas que estão ligadas a um núcleo comum porque é dito que estão ligadas! Porém, se analisadas separadamente, poderiam perfeitamente funcionar de forma independente, como em filmes que contam várias histórias paralelas. Há uma certa confusão, inclusive meteorológica: enquanto chove e está nublado na casa em que a família de Frankie está hospedada, a poucos quilômetros dali, no mesmo dia e hora, na praia da mesma cidade, brilha um sol reluzente num “céu de brigadeiro”.

Em dado momento, Frankie chega de uma caminhada e, de repente, aparece dormindo nua na cama, como se fosse o alvorecer, para logo em seguida sair para outra caminhada, enquanto a neta de Jimmy passa uma tarde na praia, envolvendo-se num romancezinho adolescente, ao mesmo tempo em que seus pais discutem o divórcio, e Paul tenta se aproximar de Ilene, aproveitando para lhe contar um grande segredo do passado, que pode explicar o fracasso no amor que tanto ele quanto sua irmã adotiva parecem carregar. Tudo jogado em tela, pelo mero prazer de colocar um ator atuando com outro (ao que parece), perdendo a coesão e a coerência.

E tudo isso narrado de forma lenta, bem lenta. Isso não implicaria num problema em si, mas, a forma como Sachs conduz sua câmera é, sim, problemática, pois não se trata de um calmo e concatenado encaminhamento da trama (que ele conseguiu estabelecer em O Amor é Estranho, de 2014, meu preferido de sua filmografia), mas de uma narração monocórdia. O já citado Antes do Amanhecer, por exemplo, é lento (calmo, cuidadoso) no acontecer das coisas, mas é dinâmico nos diálogos, nas trocas e interações dos personagens, sem se tornar monótono em momento algum, o que faz toda a diferença.

Sachs parece um diretor norte-americano querendo fazer cinema iraniano (se me permitem a ironia com o forte cinema do Irã, que tem ótimos longas – como Garota Sombria Caminha pela Noite, de 2015 – mas ficou conhecido por algumas produções vagarosas e de difícil digestão) perdendo, todavia, a mão em sua metáfora; explorando pouquíssimas vezes a exuberante (e comentada pelos personagens) fotografia do cenário paradisíaco em que sua história acontece; optando por interpretações minimalistas e contenção emocional quase o tempo todo: Isabelle Hupert, como de praxe, é uma força em cena e consegue transmitir uma enorme gama de emoções com o olhar e gestos de sua personagem, enquanto Brendan Gleeson e Marisa Tomei não decepcionam. Mesmo assim, não há nenhuma intepretação inesquecível e marcante. Tudo está correto. E pronto!

Para completar, o final do filme tenta ser simbólico e poético, mas acaba soando apenas pretencioso.

Em suma, o filme conta com ótimo cenário, um cast invejável, um diretor que já se mostrou talentoso, uma premissa interessante, mas sua execução se perde num mar de pretensões e pequenos erros que, somados, acabam por tornar o resultado final muito abaixo do esperado, como um prato servido em um excelente restaurante, lindo de se ver e cheiroso, mas decepcionante ao ser colocado na boca, que é o que, no fim das contas, realmente interessa.

Para quem gosta de dramas “cabeça”, Frankie pode até agradar.

Mas não tanto.

Foto: Divulgação

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Nota: 2,5 / 5 (regular)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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