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Críticas

FIDELIDADE – Erotismo à milanesa: para trair e coçar é só começar! | Crítica (tardia) do Neófito

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O sexto (ou, dependendo da leitura teológica, o sétimo) mandamento do decálogo preconiza que “não cometerás adultério”.

No mundo clérigo-cristão-ocidental, esse mandamento bíblico fundamentou não apenas o sagrado e indissolúvel sacramento do matrimônio, e a consequente condenação extrema das relações sexuais fora do casamento, como extrapolou o âmbito meramente religioso, tornando-se base para o estabelecimento de regras legais seculares contra a infidelidade conjugal.

No Brasil, por exemplo, até hoje consta a “fidelidade” como primeiro dos deveres conjugais, conforme o inciso I, do art. 1.566, do Código Civil em vigor, o que, por muito tempo, serviu de suporte para as ações de divórcio (que só passou a existir no ordenamento jurídico pátrio a partir do ano de 1977, por meio da lei 6.515) e, também, para a estapafúrdia tese penal da legítima defesa da honra, em que homens “honrados” se viam no direito de matar a mulher infiel.

O grande Jorge Amado, aliás, no seu conhecidíssimo romance Gabriela, Cravo e Canela, publicado em 1958, narra, em paralelo à trama principal, o caso do Coronel Jesuíno Mendonça, que enfrenta julgamento por ter matado a esposa Sinhazinha Guedes Mendonça, e o amante desta, sob tal fundamento. O pior é que, vinte anos depois do romance, essa tese seria de fato acolhida no primeiro julgamento de Doca Street, companheiro e autor do assassinato real da socialite Ângela Diniz.

Foto: Divulgação (algumas das versões de Gabriela e o famoso coronel Jesuíno na interpretação inesquecível de José Wilker)

De lá para cá, muita coisa mudou no terreno dos costumes e, por conseguinte, na legislação nacional acerca das relações afetivas. O divórcio, hoje em dia, pode ser pedido sem qualquer fundamentação jurídica específica. Simplesmente pode-se dizer que não se quer mais o casamento para que a Justiça (ou o cartório, se a separação for consensual e sem filhos menores) simplesmente homologue a situação de fato.

A ideia de que a “mulher transa com quem ama”, enquanto o homem “ama com quem transa”, bem como concepções de “moça/mulher de bem” (isto é, virgem, ou que só manteve relações com seu marido, preferencialmente após o casamento) hoje soam aos ouvidos como frequência de rádio AM. A mulher, historicamente oprimida de todas as formas, finalmente pode dar vazão ao seu desejo, sem muitas amarras. A trilogia literária e cinematográfica 50 Tons… – que abriu campo para verdadeiro gênero literário – pode até ser justamente acusada de romantizar a submissão feminina, mas não deixa, também, de ser manifesto de que mulher também gosta de sexo, tanto de fazer quanto de falar e que está tudo bem (mesmo!!!).

Foto: Divulgação (afinal, era submissão ou era desejo?)

Infelizmente, porém, o que se vê hoje em dia, em termos de ideologia ascendente, é o retrocesso de tais mudanças comportamentais e de pensamento, mas isso é do âmbito da política.

Ainda que existam estudos sérios em defesa das puladas de cerca, como o livro Os homens, o amor, a fidelidade (2009), da psicóloga francesa Maryse Vaillant, o certo é que, apesar de todos os avanços de mentalidade conquistados, a infidelidade ainda é tabu, sendo de difícil digestão para quem se vê objeto dela.

As reações a uma traição podem variar ao infinito, mas, normalmente, podem se transmutar em perdão, ódio eterno, a velha tática do “chifre trocado não dói”, ou os lamentáveis crimes passionais. Muitos “traídos” costumam dizer que o que mais machuca na infidelidade conjugal, não é tanto a traição em si, mas a deslealdade que vem na esteira da “escapada”.

Seja como for, o fato é que se trata de ponto nevrálgico da esmagadora maioria das relações matrimoniais.

Muito do que foi escrito acima transparece na série italiana Fidelidade, bela produção de 2022, escondida no vasto menu da poderosa Netflix.

A série – com enredo baseado e concomitante ao romance homônimo de Marco Missiroli – é dividida em 6 curtos capítulos, entre 38 e 45 minutos cada, que somados dão pouco menos de 4 horas de duração, tornando fácil maratoná-la.

A fotografia de Gogò Bianchi é deslumbrante, tirando o máximo proveito das paisagens milanesas, onde a trama se passa.

Já a história é sexy na medida certa, com boa carga erótica, alguma nudez sem exagero, e protagonizada por atores belíssimos, apesar do rosto de pessoas “comuns”. Destaque para a deslumbrante Lucrezia Guidone, que vive a protagonista Margherita – arquiteta frustrada, que ganha a vida como corretora de imóveis – e casada com o co-protagonista Carlo (vivido por Michele Riondino), descolado professor universitário de produção textual ou literatura, autor de romance de sucesso, mas bloqueado no próximo livro. A relação dos dois parece repleta de química e paixão, ao ponto de combinarem uma transa quente num dos apartamentos a serem vendidos por Margherita, o qual, aliás, acaba virando objeto de desejo do casal.

Mas, apesar do casamento aparentemente perfeito do casal, Margherita não deixa de reparar na beleza e no toque do novo fisioterapeuta que cuida de suas dores nas pernas, o sensual badboy Andrea (interpretado por Leonardo Pazzagli), claramente passando a fantasiar alguma coisa com ele. Enquanto isso, Carlo, de forma perigosa para sua carreira acadêmica, acaba por se deixar aproximar da lindíssima aluna Sofia (Carolina Sala), vítima de trauma da infância, ao ponto de quase perder o emprego por supostamente ter se envolvido romanticamente com ela.

Foto: Divulgação (a tentação tem olhos claros, pele bem tratada, brincos nas orelhas e muita vontade…)

Mas mesmo sem saber se Carlo e Sofia se beijaram de fato (numa cena extremamente bem construída, passada no interior do banheiro da faculdade) a desconfiança toma conta de Margherita, levando-a a tomar atitudes inconsequentes e a se sentir verdadeiramente traída.

O mistério, a desconfiança, o desejo (ou desculpa) de “dar o troco”, a passionalidade e o tesão passam a permear a trama (a qual, convenhamos, e até previsível), o que leva ao abalo daquele “relacionamento modelo”. Margherita e Carlo conseguirão superar essa rachadura na relação e dar seguimento ao casamento, comprando o apartamento acalentado e tendo filhos?

Tudo isso é contado de forma dinâmica, sem enrolação e temperado com boas cenas de sexo soft, regadas a muitos beijos de língua e coreografias sensuais.

Os atores são bonitos de se ver, interpretam bem e conseguem passar verdade no conflito (algumas vezes superficial) que se insere na vida dos personagens.

De modo que Fidelidade não chega a ser um estudo profundo do tema da traição extraconjugal, mas, certamente, consegue passar seu recado e reflexão de maneira mais realista e ao mesmo tempo suave do que Desejo Sombrio, Toy  Boys ou Fishbowl Wives (todas também da Netflix) por exemplo, às quais não raras vezes carregam na tinta e são menos sensuais do que a princípio se poderia supor.

Fidelidade, então, acaba sendo uma boa pedida para o público adulto, à busca de um pouco de drama e erotismo, sem peso excessivo, contando com cenários extremamente bonitos, atores belos e competentes, enredo envolvente e direção ‘esperta’. Não é uma obra-prima, mas cumpre bem o que se propõe, provocando reflexões sobre o desejo feminino, a “ditadura” da monogamia e o ponto em que o flerte deixa de ser inocente e se torna traição.

Boa pedida!

Foto: Divulgação (tudo o que é bom – como a taça de um bom vinho ou o amor – dura pouco)

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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