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Críticas

VERÃO DE 85 | Crítica do Neófito

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Indubitavelmente, vive-se uma onda de nostalgia acerca dos anos 1980 e todoss os seus berrantes tons de neon, ombreiras e pochetes.

Onda provavelmente iniciada pelo fenômeno Stranger Things, que situou sua trama naquela época, a moda oitentista trouxe, em seu rastro, várias outras obras calcadas no todo em parte nessa chamada “década perdida”: de X-Men: Apocalipse (2016) à Mulher Maravilha 1984 (2021), passando por It: A Coisa (2017), todos foram nesse embalo, sem falar de vários episódios de Black Mirror além de outras produções.

Tudo tem a ver com a questão geracional. A maioria daqueles que hoje comandam o mundo foram marcados pela juventude na década de 80, que apesar da crise estética (notadamente na moda), foi a responsável pelo surgimento de várias obras-primas da cultura pop, seja em âmbito internacional, quanto nacional. Afinal, não custa lembrar que Indiana Jones, De Volta para o Futuro, A Hora do Espanto e a Hora do Pesadelo e várias outras franquias do cinema hollywoodiano surgiram neste período, bem como o rock nacional, que trouxe para a fama bandas como Legião Urbana, Titãs, Barão Vermelho, Capital Inicial e trocentas outras!

Junte-se toda essa alta carga nostálgica ao típico gênero “filme de verão”, que retrata certas férias marcantes na vida de jovens – como Nos Tempos da Brilhantina (1978), Curso de Verão (1987), Um Verão para Toda Vida (2007), sem falar na série de filmes Da Turma da Praia, da década de 1960 – e tem-se o filme Ete 85 ou, na tradução para o Português, Verão de 85.

A originalidade desta produção francesa, dirigida por François Ozon (O Amante Duplo, 2018) – focada nas férias do verão de 1985 na vida dos personagens – está na abordagem mais contemporânea, na sensibilidade sem pieguices com a qual o diretor trata a homossexualidade de seus personagens, e na dosagem sutil de drama, sem apelações, que ele aplica à obra, o que permite até um pouco de humor em sua composição.

Os jovens atores também se destacam. O belíssimo (mas baixinho) Félix Lefebvre interpreta Alexis com imensa verdade; Benjamin Voisin dá vida ao controverso e extremamente cativante David; e a estreante Philippine Velge compõe sua Kate com competência e leveza.

Foto: Divulgação

Toda a história vai girar em torno desses três, que seguram bem as pontas, apesar de comporem tipos bem típicos (respectivamente, o romântico, o rebelde, a moderninha). Os demais coadjuvantes – Madame Gorman, mãe de David (Valeria Bruni Tedeschi); os pais de Alexis, Senhor e Senhora Robin (Laurent Fernandez e Isabelle Nanty); o professor Lefévre (Melvil Poupaud); e a correspondente francesa sem nome da agente da supervisora do Conselho Tutelar brasileira, vivida por Aurore Broutin – são bastante óbvios, quase caricaturas. O fato de a história do filme se passar na década de 1980 permite esse olhar estereotipado a respeito das relações e personalidades dos personagens, o que acaba por se caracterizar como dos poucos pontos negativos do longa.

Por falar em história, ela se passa – obviamente – no verão de 1985 do litoral da Normandia, repleta de belíssimas imagens da costa francesa, onde, 40 anos antes da história do filme, os aliados da 2ª Guerra promoveram o Dia D, com a sangrenta invasão nessa mesma praia, que foi fundamental para a mudança de rumos no conflito armado que matou tanta gente.

Com isso, o tema “morte”, tão decantado na produção (por sua vez baseada no livro Dance on My Grave (1982) do britânico Aidan Chambers), faz-se onipresente em seus 90 e poucos minutos de duração. Alexis adora a morte – pelo menos em termos conceituais – sendo estudioso da cultura egípcia e suas concepções sobre o tema. David flerta o tempo todo com ela. Além disso, a narrativa inicial do filme deixa claro que a morte está presente no cerne da trama. Parece que a mensagem de mostrar tanta beleza numa praia marcada por tanto derramamento de sangue se a de indicar que a morte tem seu lado poético, lírico e até mesmo esteticamente bonito, de maneira a não ser objeto de tanto temor.

Ainda assim, o filme – conforme sua sinopse anuncia – inicia-se com David salvando Alexis do que parece ser morte certa, em pleno mar alto e iniciando com ele uma “amizade” imediata e arrebatadora, que não demora a evoluir para o romance, mesmo que paire sobre eles uma tragédia anunciada. Dali em diante o filme vai oscilar em duas linhas temporais distintas (presente e passado recente), que são facilmente identificadas, tendo Alexis como narrador. Ou seja, o público verá a história pela perspectiva desse personagem, que em certo momento chega a quebrar a 4ª parede, tornando a obra muito mais pessoal e subjetiva.

Foto: Divulgação

O competente trabalho de atores fica evidente a partir desse ponto e o clima de romance e carinho entre os personagens é bastante genuíno, bonito e natural na tela. A filmografia de Ozon – considerada por muitos críticos como desprovida de identidade mais definida – parece gostar de dialogar com o tema dos relacionamentos afetivos, da sexualidade e do erotismo (saudável e patológico), mas sempre com elegância e nenhuma vulgaridade. Verão de 85 não é diferente. O erotismo é bonito e, por mais que o assunto da homossexualidade seja tocado – afinal, na década de 80 e a epidemia de Aids, ainda era tabu “sair do armário” – ele não é protagonista na trama e, sim, a paixão juvenil; aqueles arrebatamentos da juventude, e sua urgência em vivenciar e experienciar a vida em plenitude, mesmo que isso, por vezes, possa levar a criatura a sofrer overdoses.

A saga do herói é evidente na trajetória de Alexis, que é “chamado”, passa por provações, pensa em desistir, adquire resiliência, até a redenção final. Ozon, assim, tem méritos de sobra por ter conseguido tocar em tantos assuntos ainda hoje espinhosos (morte, homossexualidade) com tamanha desenvoltura.

Com ótima fotografia e trilha sonora marcada por sucessos pop das décadas de 80 e 70 (com destaque para Sailing, de Rod Stewart, de 1975), Verão de 85, consegue envolver, com uma trama que nos primeiros minutos pode assustar pela densidade, mas que se revela lírica e solar como um dia de verão.

Vale dar chance a essa obra francesa, fora do circuito de blockbusters hollywoodianos.

Foto: Divulgação

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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