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Críticas

ARMY OF THE DEAD | Crítica do Neófito

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Zumbis são reais!

Há relatos verídicos de rituais haitianos – onde se acredita que defuntos possam ser artificialmente reanimados – os quais misturam poções alucinógenas com induções psicológicas e até hipnóticas (consideradas magias) que, de fato, conseguem fazer com que pessoas passem a agir dentro do estereótipo esperado para um morto-vivo, isto é, olhar catatônico, andar lento, postura rígida, ação determinada e agressiva.

Mas, conforme Felipe Castanhari demonstrou no 5º episódio de sua aclamada série Mundo Mistério (2020, Netflix), aquela figura que, após morrer é reanimada por fatores místicos ou bioquímicos se trata de impossibilidade científica.

Ainda assim, desde 1968 – quando George Romero estreou seu cult A Noite dos Mortos Vivos – esses seres em decomposição e comedores de carne humana exercem fascínio impressionante sobre o imaginário popular, que alçou os chamados filmes de zumbis a verdadeiro gênero cinematográfico próprio, com regras e estruturas bastante conhecidas.

Foto: Divulgação (George Romero e seus “filhos”)

De lá para cá, então, são numerosíssimos os filmes sobre mortos-vivos, às vezes inclinados para o humor (Zumbilândia, 2009; Como Sobreviver a um Ataque Zumbi, 2015; Orgulho e Preconceito e Zumbis, 2016; a série Santa Clarita Diet, 2017 etc.); às vezes mais sérios e aterrorizantes (Extermínio, 2002; REC, 2007; Guerra Mundial Z, 2013; Invasão Zumbi, 2016; a série The Walking Dead, 2010 até hoje etc.); e, por fim, com variantes do tema (Eu Sou a Lenda, 2007; Resident Evil, 2002-2016, Doom, 2019 etc.). No entanto, seja qual for a abordagem, a característica marcante do gênero é a escatologia, levada a efeito em cenas repletas de vísceras, massa encefálica e sangue aos borbotões.

Há quase consenso entre os críticos de que, via de regra, os zumbis servem como alegoria para o mundo moderno, no sentido de serem espécie de metáfora para o modo de vida consumista e capitalista selvagem que caracteriza a contemporaneidade; e também para o egoísmo humano, que retrataria, com a fome homicida dos zumbis, o famoso ditado imortalizado por Thomas Hobbes, de que “o homem é o lobo do homem”. Os melhores exemplares dessa lógica, evidentemente, vão para os filmes de George Romero, sempre relacionados com o zeitgeist da época de sua realização. Outra prova dessa metaforização seria a evolução pela qual os comedores de carne passaram, indo das figuras macambúzias e completamente inconscientes, para ferozes velocistas, capazes de se organizarem e até de se curarem por meio do amor (Meu Namorado é um Zumbi, 2013); ou seja, cada vez mais parecidos com o homem contemporâneo.

Para além de todo esse papo cabeça, a realidade é que os filmes de zumbis alcançaram essa tamanha notoriedade por motivos bem mais prosaicos: é que eles são muito divertidos! Até mesmo os mais dramáticos e nojentos têm uma dose de involuntário humor que fascina.

O cineasta superstar Zack Snyder dirigiu, em 2004, um dos roteiros concebidos por Romero, que também se tornou clássico do gênero: Madrugada dos Mortos, em que um grupo de humanos se encontra refugiado dentro de um shopping center cercado por centenas de zumbis famintos (a metáfora da desigualdade social, do shopping como refúgio da classe média é absolutamente explícita!).

Após essa empreitada no mundo dos mortos-vivos, o diretor ficou conhecido por suas estilosas adaptações de HQs para o live-action – 300 (2006), Watchmen (2009), Homem de Aço (2013), Batman vs Superman (2016), Liga da Justiça (2017/2021) – além do lisérgico e autoral Sucker Punch (2011). Nessa verdadeira jornada, Snyder foi do paraíso (com Watchmen) ao inferno (com Liga da Justiça – versão 2017 – marcada pelo suicídio da filha).

Após a versão anabolizada e bastante aguardada do Snyer Cut (2021), o diretor parece ter, finalmente, colocado ponto final nesse outro atual consagrado gênero cinematográfico, que é o filme baseado em quadrinho ou super-herói. E, ao que tudo indica, isso fez um bem danado para o direitor! (que também, produziu e escreveu o longa em comento)

Army Of The Dead (2021, Netflix) é um sopro de vitalidade na filmografia do cineasta! Com produção caprichadíssima – haja vista os excelentes efeitos visuais e especiais – o longa é tudo o que o fã dos filmes de zumbis poderia esperar! Tem sangue e vísceras à vontade; mortos-vivos aos milhares, tanto em seu formato clássico (vagarosos, fracos e decompostos), quanto no modernizado (rápidos, superfortes e inteligentes). Tem um monte de personagens “iscas” (que fatalmente servirão de comida para os zumbis), bem como o covarde, o heroico, o inconsequente e o traíra.

Antes mesmo de começar a ação dá para sacar quem vai morrer ou não, de tão clichês que são os personagens; mas isso não tem a menor importância, afinal, nos filmes de zumbis, o mais legal é exatamente a execução do longa: a construção e filmagem das sequências de confronto com as hordas de criaturas cuja matança generalizada não causa nenhuma dor de consciência. O que se espera é ver como os humanos normais vão ou não escapar dos muitos monstros.

Foto: Divulgação (a fantástica cena aérea da Las Vegas tomada pelos zumbis)

A trama – explicitada no trailer – é bem sacada: a cidade de Las Vegas se torna o epicentro de uma infestação zumbi de enormes proporções e, após uma batalha feroz entre o exército norte-americano e o de mortos-vivos, a famosa capital dos cassinos é cercada até que Washington decida o que fazer com ela. Alguns combatentes dessa guerra se destacam, como o caso do circunspecto e traumatizado Scott Ward (Dave Bautista); da apaixonante Maria (Ana de La Reguera); do filósofo marombado Vanderhore (Omari Hardwick); e da amalucada Peters (Tig  Notaro). Contudo, após o violento e dramático conflito, todos são esquecidos, vivendo, em sua maioria, vidas medíocres.

Num belo dia, o claramente inescrupuloso Bly Tanaka (Hiroyuki Sanada, em alta!) surge do nada para propor a Scott a suicida missão de montar uma equipe de assalto e entrar na Las Vegas repleta de zumbis e prestes a ser nuclearmente bombardeada, com o objetivo de resgatar 200 milhões de dólares presos em um cofre subterrâneo, 50 milhões, dos quais, ele poderia embolsar como bem entendesse. Além do grupo já mencionado acima, Scott ainda recruta o psicótico youtuber Guzman (Raúl Castillo); a bem treinada Chambers (Samantha Jo); o nerd invasor de cofres Dieter (Matthias Schweighöfer); a coiote Lily (Nora Arnezeder), e se vê obrigado a carregar, a contragosto, o enigmatico Martin (Garret Dillahunt), capanga de Tanaka; o salafrário Cummings (Theo Rossi); além de sua idealista e intransigente filha, Kate (Ella Purnell).

Foto: Divulgação (o exército de mercenários em foto antes da missão suicida)

Como era de se esperar tudo começa tranquilo, com grandes possibilidades de ser uma missão tranquila e bem planejada, mas – claro! – as coisas começam a dar errado e a mortandade começa, tanto do lado dos zumbis, quanto do lado dos humanos ambiciosos.

A ambição, aliás, é o elemento norteador de todo o filme e talvez a maior crítica da história. Além de se passar em Las Vegas – cuja economia gira em torno justamente do desejo constante do ser humano em se dar bem em termos materiais – os personagens não só são motivados pelo mesmo desejo de enriquecer a qualquer custo (levando a cabo a ideia de que vale à pena morrer por dinheiro), como encontram na grana e na batalha – e, no caso de Guzman, também a fama – o sentido da vida. Não é à toa, também, que todos os problemas e perdas de vida do filme ocorrem justamente em razão da ganância e egoísmo humanos.

Ainda nesse raciocínio, os zumbis “alfa” e Kate são os únicos personagens que movidos por motivos menos imediatos e puramente materiais, apesar da motivação de Kate para se meter na cidade repleta de criaturas que a querem literalmente comer, chegar a risível de tão implausível, sendo apenas desculpa para justificar sua integração à equipe suicida. Desse modo, o grande zumbi alfa é o único que teria motivo realmente justificável para suas ações, ainda que a partir de uma premissa absurda para o conceito de zumbis. Mas é uma sacada sensacional!

Há certo drama na reaproximação entre pai (Scott) e filha (Kate), mas qualquer antiga fotonovela conseguiria escrever diálogos melhores e menos bregas do que os que Dave Bautista e Ella Purnell se viram obrigados a declamar.

Em termos técnicos, como já dito, os efeitos especiais e visuais são de cair o queixo. O cenário de terra arrasada da Las Vegas é irrepreensível e extremamente realista. A cenografia, a direção de arte e a fotografia estão perfeitamente adequadas para a proposta do longa. A direção de atores retira dos intérpretes aquilo que era necessário para o filme, afinal, ninguém ali espera ganhar Oscar pela sua performance. Mesmo assim, a taciturnidade calma e suave de Dave Bautista e seu Scott Ward é interessante de se ver; e a composição solar de Ana de La Reguera para sua Maria é sensível e convincente, apesar dos deploráveis diálogos de seus personagens. Logicamente, não dá para esperar muito do roteiro, que, por mais que flerte com certos questionamentos éticos – além da já mencionada ambição capitalista, a xenofobia norte-americana – visa, realmente, proporcionar bom entretenimento escapista. Por isso, as sequências de ação são caprichadíssimas.

Foto: Divulgação

Sem as amarras de fazer filmes voltados para públicos mais amplos, Snyder não se poupou nos palavrões, na violência gráfica – com especial destaque para certa cena com Valentine, o assustador e belo tigre-zumbi – e até em um pouco de discreta nudez.

Foto: Divulgação (apresentando: Valentine)

Alguns dos maneirismos do diretor estão presentes, como a sequência inicial de caos em Las Vegas, que lembra muito o que ele havia feito também nos minutos iniciais de Watchmen, mostrando cenas variadas em câmera lenta (sua marca registrada!) e embaladas por uma conhecida música marcante. A trilha sonora, aliás, é destaque à parte! Constituída de sucessos pop’s de épocas variadas, integra-se de forma orgânica às cenas que adorna, e comprova que Snyder definitivamente sabe escolher as músicas que embalam suas obras cinematográficas.

Por fim, Army Of The Dead é, indubitavelmente, um dos melhores filmes de zumbis de todos os tempos. Seus “defeitos” são autorreferentes e fazem todo sentido para o gênero. Pode-se quase dizer que foram propositais, para sedimentar as características dos filmes de zumbis. As inovações propostas por Snyder para esse gênero também são muito interessantes. E, talvez seguro de que tinha excelente produto nas mãos, o diretor, logicamente, deixa fabuloso gancho para outra(s) continuação(ões).

Para ver comendo pipoca e gente do lado que também goste de mortos-vivos, para comentar, rir nervoso e virar o rosto nas cenas mais nojentinhas.

Nada como voltar pra casa, não é, Snyder?

Foto: Divulgação

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Nota: 4,5 / 5 (excelente)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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