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Críticas

TEMPO | Crítica do Neófito

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No longa ganhador do Oscar de melhor filme de 2015 – Birdman – o personagem principal, Riggan Thomson (magistral e quase autobiograficamente interpretado por Michael Keaton), é um ex-astro do cinema que sofria com a decadência vertiginosa de sua carreira, iniciada após ter se recusado a continuar atuando como o super-herói que dá título ao filme. Uma das muitas camadas – talvez a das mais superficiais – de reflexões que o longa dirigido por Alejandro González Iñárritu proporciona está no fato de certos artistas realmente ficarem para sempre marcados por certos papeis ou estereótipos, seja dentro ou fora da tela.

Esse fato pode ser comprovado sem muito esforço – e não limitado a intérpretes – ao se olhar para o panteão de astros e produções de Hollywood. George Romero, por exemplo, limitou totalmente sua carreira de cineasta (seja por vontade própria ou pura falta de opção) aos filmes com temática zumbi; o próprio Spielberg se viu preso por muito tempo ao estigma de diretor de fantasia, e mesmo nas produções em que conseguiu diversificar e consagrar sua genialidade – como Império do Sol (1987), A Lista de Schindler (1993), Amistad (1997), O Resgate do Soldado Ryan (1998), A.I. Inteligência Artificial (2001) – costuma-se apontar uma quase irresistível inclinação para finais melodramáticos, como se fosse exigência que seus filmes sigam a fórmula de emocionarem no final, com clímax grandiloquente. A lista poderia se estender por muitos outros exemplos, mas aqui já se deu a ideia que se pretendia.

Talvez um dos maiores exemplos desse “mal” – isto é, artista que tenha ficado irremediavelmente preso a sua própria fórmula de sucesso – tenha sido M. Night Shyamalan, aquele também inicialmente genial cineasta por trás das obras-primas O Sexto Sentido (1999) e Corpo Fechado (2000), cujo último filme, Tempo (“Old”, em inglês) – a estrear nesta quinta-feira (29/07/2021) nos cinemas nacionais, obedecidas as restrições de público em função da pandemia – será objeto de breves comentários críticos e opinativos nesta matéria.

Foto: Divulgação (os personagens de uma perspectiva literalmente bizarra)

Partindo direto para a sinopse – que pode ser checada no trailer da produção – o filme mostra três famílias e mais um homem curtindo premiadas férias em resort tropical paradisíaco, até irem visitar uma praia deserta e isolada do lugar, cercada de montanhas rochosas, mas que, aos poucos, revela-se como local de puro terror e fatos inexplicáveis, como mortes inesperadas e pessoas envelhecendo em velocidade absurda.

Uma dessas famílias é formada pelo casal Guy (Gael Garcia Bernal) e Prisca (Vick Krieps) e os filhos Trent (em parte vivido por Alex Wolff, dos novos Jumanji’s) e Maddox (também em parte interpretada por Thomasin McKenzie, de Jojo Rabbit); a segunda família é formada pelo médico claramente preconceituoso Charles (o eterno intérprete de vilão, Rufus Sewell), sua magérrima mulher Chrystal (Abbey Lee Kershaw), sua filha Kara (Eliza Scalen) e sua idosa mãe Agnes (Kathleen Chalfant); a terceira família compõe-se apenas do casal formado pela psicoterapeuta epilética Patricia (Nikki Amuka-Bird) e seu marido Jarin (Ken Leung); por último a pequena baía ainda contava com a presença do rapper brutamontes, mas de bom coração, Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre).

Foto: Divulgação (a tensão só aumenta)

Não demora para que o passeio se revele puro pesadelo. Corpos começam a aparecer, o tempo parece incrivelmente acelerado e todos que tentam sair do local acabam desmaiando e retornando à praia.

Logicamente, todas as famílias e/ou pessoas que foram parar naquele lugar possuem alguma disfuncionalidade emocional ou física, o que vai fomentar conflitos e discussões, tornando a estadia no local mais complicada ainda. Os atores e atrizes estão muito bem, demonstrando terem comprado a ideia do longa e entregando interpretações convincentes (talvez um pouco menos com relação a Gael Garcia Bernal, que passou a impressão pessoal de estar um pouco desconfortável com a bidimensionalidade às vezes presente em seu personagem).

Foto: Divulgação (um envelhecido Gael Garcia Bernal na ótima maquiagem do filme)

A premissa da história, portanto, é bastante interessante e instigante. O problema está no desenvolvimento do roteiro e na execução deste, justamente pelo fato de Shyamalan estar irremediavelmente preso a estrutura que o consagrou, a saber, criar suspense de toda maneira, utilizar jogos de câmera, extrair sofrimento de seus atores, conferir explicação racional para os acontecimentos, de preferência com reviravolta/revelação no final.

Para isso, o diretor – que também é roteirista, produtor e  hitchcockitianamente sempre  atuando em uma das cenas – sacrifica a lógica do roteiro, força a barra em outras oportunidades e se obriga a criar sequência após sequência de tensão e suspense progressivamente maiores. Por exemplo – e sem dar spoilers – a explicação encontrada pelos personagens para o fato de simplesmente não conseguirem sair andando daquela baía é até plausível; mas, uma vez que essa teoria é elaborada, ninguém se dispõe a testá-la de fato, preferindo outras opções exóticas e claramente destinadas ao fracasso. A conveniência de certos ganchos de roteiro também podem irritar o espectador mais atento, além de alguns recursos para criar tensão se mostram muito previsíveis, como na sequência em que o diretor indiano-norte-americano fica adiando por incontáveis minutos mostrar o que havia acontecido com as crianças após certo tempo de exposição à ilha, sendo que já havia ficado claro o ocorrido pelo próprio encadeamento da trama até aquele ponto.

Tecnicamente, a fotografia de Mike Gioulakis acaba sendo excessivamente escura para uma trama que se passa numa praia paradisíaca, banhada por muito sol e céu azul. Não haveria necessidade da utilização de paleta de cores tão opacas e caídas para os tons pasteis para a criação do clima. Aliás, o contraste entre o terror da situação vivida pelos personagens e a beleza natura do local poderia ser excelente recurso narrativo visual.

Outra coisa que se destaca é que o roteiro não privilegia em momento algum os desdobramentos filosóficos ou existenciais que uma situação como aquela – envelhecimento super acelerado, brevidade da vida etc. – deveriam provocar nas pessoas ali envolvidas, a partir da constatação da impossibilidade de fuga. Ao contrário, prefere-se o foco exclusivo na tensão, no suspense crescente e em certo melodrama, a partir dos problemas pessoais de cada personagem.

Um dos poucos pontos realmente positivos da filmografia de Shyamalan – que se confirma nessa obra – continua sendo sua opção por efeitos práticos, cenários reais e boa direção de atores, com destaque para a excelente maquiagem de envelhecimento dos atores, sutil, mas reveladora. No entanto, os tiques do diretor parecem ser mais fortes do que ele, fazendo com toda e qualquer história que ele conceba fiquem sempre a serviço daqueles.

Por fim, o ranço do cineasta com as corporações aparece mais uma vez, quando da explicação do que estava por trás de tudo aquilo, o que se mostra bastante anticlimático e forçado. Desta vez o vilão da história tem relação com uma visão bastante deturpada e sinistra do utilitarismo aos moldes de Bentham e Stuart Mill, com crítica nada sutil à indústria farmacêutica, atual responsável, por exemplo, pela criação das vacinas contra a Covid-19.

Foto: Divulgação (Shyamalan no set de “Tempo”, respeitando protocolos sanitários e fazendo com que esperemos sua volta por cima)

Tempo, portanto, consegue entreter e gerar alguma tensão, mas são tantas situações desenvolvidas apenas para servir ao estilo do diretor, que fica difícil realmente se identificar com os personagens, muito deles alta e literalmente descartáveis, além de bastante lineares e arquetípicos. O final é um tanto anticlimático, bem similar à terrível conclusão dada ao decepcionante Vidro (2019).

Em sua, Tempo é outra obra que mais afasta do que aproxima M. Night Shyamalan do grande diretor que ele já mostrou, num dia distante, ser capaz de ser.

Foto: Divulgação (o que esperar diante do inesperado?)

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Nota: 2,5 / 5 (regular)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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