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Críticas

THE WHITE LOTUS | Crítica do Neófito

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A bela Flor de Lótus significa “pureza espiritual” para os japoneses.

E sua imagem combina muito com essa ideia: de cor branca, ou tons pasteis de rosa – às vezes azuis –, folhas pontiagudas e simetricamente dispostas em torno do núcleo amarelado, abertas num círculo perfeito, repousando sobre águas muito calmas… realmente é a tradução da paz e da tranquilidade.

Desse modo, um hotel acessível apenas de barco, situado no paraíso natural havaiano e que oferte todo o conforto do mundo, por meio de infraestrutura luxuosa e serviçais sempre solícitos, sorridentes e dispostos a atender a todos os caprichos e vontades, realmente se adequaria a ter esse nome, A Lótus Branca, ou, em inglês, The White Lotus.

Desde – é claro! – que você consiga pagar (e muito!) por isso.

Ou seja, a pureza espiritual ou tranquilidade absoluta só é possível (ou acessível) a pessoas muito – mas muito! – ricas.

E, por serem ricas – mas muito ricas! – elas exigirão sua alma se isso for o necessário para que a paz de espírito delas seja garantida.

E aí – correndo o risco de ser taxado de comunista e cancelado, inclusive por alguns amigos meus, nesses tempos estranhos que estamos vivendo – preciso citar Paulo Freire e sua máxima: “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Mas, atrevo-me a acrescentar que não é só quando “a educação não é libertadora”, que o oprimido quererá virar o opressor; mas isso também ocorrerá quando não há oportunidades reais de ascensão social (pelas extremas desigualdades), ou quando o único sinônimo de felicidade que é solapado em nossas mentes é aquele que implica sucesso material.

E, não! Isso não é um discurso socialista ou político. Acreditem! Tudo o que foi escrito até aqui tem tudo a ver com essa surpreendente série da HBO, com roteiro, produção executiva e direção de Mike White que, de eterno ator coadjuvante de rosto esquisito, tem se mostrado um dos mais interessantes autores audiovisuais dos Estados Unidos recente, capaz de realizar obras que conciliam apelo mainstream (por conta das produções caprichadas e atores de peso) com temáticas filosóficas, principalmente sobre o acalentado “american dream”. Seu longa O Estado das Coisas (2017), estrelado por Ben Stiler, é a prova cabal dessa sua habilidade. Ainda que não obtenha grande sucesso de público, seus roteiros não são invulgares e sua comédia realmente faz pensar.

Foto: Divulgação (o criador – Mark White – e sua musa inspiradora, a verdadeira e bela Flor de Lótus)

Com The White Lotus, Mike White desenvolve uma trama absolutamente original – provando que dá para criar coisas realmente inéditas em Hollywood – que acompanha três núcleos de pessoas ricas passando férias no hotel que dá nome à minissérie de seis episódios, a saber: um belo e jovem casal em lua-de-mel, formado pela lindíssima, pobretona e idealista repórter Rachel (Alexandra Daddario) e o “poderoso riquinho” Shane (Jake Lacy); a milionária solitária e problemática Tanya McQuoid, vivida por uma excelente Jennifer Coolidge (a eterna “mãe do Stifler”, de American Pie); e a família disfuncional comandada pela workaholic Nicole (Connie Britton), o inseguro Mark (Steve Zahn, excelente), a filha “rebelde”, Olivia (Sydney Sweeney), o típico adolescente viciado em internet e jogos, Quinn (Fred Hechinger), e a agregada Paula (Britanny O’Grady).

Foto: Divulgação (em The White Lotus, as mulheres é que são “alfas”)

Do outro lado, prontos para receber os hóspedes com sorrisos teatralmente brancos e maravilhosos, temos a terapeuta holística Belinda (Natasha Rothwell), a trainee Lani (Jolene Purdy), o belo nativo Kai (Kekoa Kekumano), e o dedicado Dillon (Lucas Gage), comandados pelo competente e multifacetado gerente geral, Armond, interpretado de forma absolutamente magistral por Murray Bartlett.

A partir daí, vamos acompanhar a dinâmica entre os que podem, de fato, usufruir de todo aquele conforto e paparico, muitas vezes criando dramas artificiais em suas vidas, quase que como para justificar tamanho poder e riqueza (caso de Mark, Olivia, Tanya e Shane); e aqueles que dependem destes primeiros para ou poderem experimentar um pouco desse luxo (caso de Paula e Rachel), ou poderem botar comida na mesa (caso de todos os empregados do hotel).

Foto: Divulgação (os que podem e os que desejariam)

Segundo estudo de 1991 dos economistas Jimmi Frazier e Eldon Snyder, o efeito denominado “Economia Emocional” sempre fará com que torçamos pelo mais fraco, de modo que, ao ver os arquétipos dos ricos colocados na tela, rapidamente nos sentimos simpatizados pelo drama dos mais fracos que, no caso, serão os mais pobres. Isso é algo facilmente observável nas nossas vidas. O que muitos de nós não sabemos é que esse fenômeno não se baseia numa verdadeira empatia pelo lado mais fraco, mas no hedonismo que domina cada um de nós, que faz com que sempre busquemos o máximo de prazer de uma situação. Assim, se o nosso time do coração, por exemplo, não está envolvido numa certa disputa esportiva, tendemos naturalmente a torcer pelo menos favorecido, porque, se ele ganhar, será uma grata surpresa satisfatória, mas, se ele perder, não haverá problema, porque, na verdade, não havíamos contado com isso a princípio, além de ser o resultado natural a ser esperado.

Em The White Lotus é muito fácil se identificar com os empregados do hotel, com a dificuldade de Rachel em se ver como bibelô sexual de Shane, com o sonho de Belinda, com o amor e drama social de Kai; ao passo que é natural achar vazia a mania de controle de Nicole, e ridículas as crises emocionais de Mark, primeiro por achar que estaria com doença terminal e, depois, por descobrir algo inusitado do seu passado; a rebeldia de Olivia e Quinn também soam pueris diante da empregada que precisa esconder sua gravidez mesmo sentindo as contrações do parto. Todavia, o brilhantismo de Mark White na condução de seu programa está justamente em conseguir, apesar dos estereótipos, não enveredar pelo maniqueísmo esquemático. Tantos os pobres, quanto os ricos são, essencialmente, humanos; cada um defendendo seus interesses, mesmo quando tomam atitudes altamente altruístas; todos cometendo erros de avaliação e tomando decisões muito equivocadas às vezes.

Mas, em determinado momento, no penúltimo episódio, o personagem de Mark faz um discurso sobre racismo estrutural, cultura imperialista e culpa burguesa na mesa do café da manhã que resume toda a proposta de The White Lotus. No fundo, todos somos hedonistas de primeira ordem, os quais devíamos nos “sentir uma merda o tempo todo”. Claro que não dá para não pensar que os estupidamente ricos – como Jeff Bezos, da Amazon, capaz de não permitir horário para o xixi de seus empregados para poder brincar de astronauta –  deveriam se sentir mais merda do que o resto de nós. Afinal, na lógica capitalista pura, “eles” podem usar seu poder e riqueza para invadir e fazer mais riqueza, e depois exigir que o dominado trabalhe para eles para poder sobreviver.

Foto: Divulgação (o magnético Armond, de Murray Bartlett)

Agora, uma vez tendo a oportunidade de ingressar no papel do opressor, seria possível ao até então oprimido abrir mão disso? Quem estaria disposto a simplesmente “dizer não” às férias ou ao casamento dos sonhos liberal?

Reflexões à parte, The White Lotus também funciona – e muito bem! – como entretenimento de primeira, entregando ótimas interpretações (com os destaques já comentados), trilha sonora extremamente adequada (que vai de música clássica a temas havaianos típicos), fotografia deslumbrante (e cheia de significados), direção segura (que mantém o ritmo em todos os núcleos), roteiro inteligente (que inclui um assassinato misterioso), dose certa de humor e drama e muito carisma.

Proposta em formato de antologia, uma certa segunda temporada contará com novos personagens e ambientações diferentes (o nome também mudará?). Isso garante o frescor de ineditismo da proposta, além de deixar o final de alguns personagens em aberto, fazendo-nos imaginar como se conduziriam após aquelas inesquecíveis férias (mas pelo menos um dos personagens realmente completa a verdadeira jornada do herói). Resta aguardar o próximo ano e verificar se Mike White conseguirá manter seu até agora ótimo equilíbrio entre entretenimento e crítica.

Foto: Divulgação (como diria o inesquecível Donald O’Connor, em Cantando na Chuva, “make ’em laugh”)

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Nota: 4,5 / 5 (excelente)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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