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Críticas

THE HANDMAID’S TALE S03 | Crítica do Neófito

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ALERTA DE SPOILERS!!!!!!!!

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Conforme descrevemos na nossas considerações despretensiosas acerca da segunda temporada de The Handmaid’s Tale (Os Contos da Aia, livro escrito em 1985 e adaptado para a TV em 2017 pelo Hulu/MGM), no mundo distópico concebido pela hoje octogenária Margaret Atwood, um desconhecido motivo biológico provoca assustadora queda na taxa de natalidade da população mundial para a casa do 1 dígito.

 Foto: Divulgação

Na vida real, minha bisavó, nascida na transição do século XIX para o XX, teve mais de 12 filhos; minha avó, 5 (dois morreram ainda quando bebês); minha mãe 2 (com espaço de 20 anos!); e eu também 2. E não é difícil encontrar casais ou pessoas singulares que optaram por ter apenas um filho ou, simplesmente, decidiram não ter nenhum. De modo que não foi preciso que algum “fator misterioso” afetasse a biologia das pessoas para a diminuição do número de nascimentos de novas crianças. Bastou que se tornasse uma questão de escolha pessoal.

O impacto disso na sociedade é claro: na Europa, teorias da conspiração sobre a impossibilidade de renovação da “raça natal” ganharam força e repercussão, causando crescimento da xenofobia, principalmente diante dos movimentos migratórios que vêm ocorrendo por lá.

De maneira geral, os países em desenvolvimento têm precisado rever seus sistemas de Previdência Social, uma vez que, como as famílias têm cada vez menos filhos, menos pessoas se inserem no mercado de trabalho e, quando o fazem, o fazem cada vez mais tarde, contribuindo menos para a Previdência, ao lado de um rápido envelhecimento da população, com mais aposentados dependendo desse fundos previdenciários.

Nesse ponto, ainda há que se considerar a automação e as Inteligências Artificiais (IA’s) diminuindo postos ou mesmo certos tipos de trabalhos (numa pesquisa recente, afirma-se que 75% dos jovens que hoje estão na escola trabalhão em profissões que ainda não existem).

Esse cenário de menor empregabilidade, de maior carência, gerando enorme insegurança tanto pelo presente quanto pelo futuro tem provocado um fenômeno interessante, objeto de estudo de cientistas políticos, sociólogos e filósofos contemporâneos, os quais têm identificado uma forte onda saudosista, materializada numa verdadeira reverência pelo passado recente, no qual – professam seus defensores – os costumes e a moral (principalmente a oriunda da religião) eram mais rígidos e observados; havia menos liberdade, mas mais segurança; as escolas eram mais disciplinadoras, mais conteudistas, menos ideológicas e os professores muito mais respeitados (para não dizer temidos); as mulheres (bem como demais minorias) sabiam o seu lugar na sociedade etc. e tal.

Não, vocês não estão lendo uma matéria sociopolítica ao invés de uma crítica televisiva.

Acontece que, na Gilead criada por Atwood – país que teria surgido das entranhas dos EUA a partir da ascensão de um grupo católico fundamentalista ao poder – todos esses elementos reais acima delineados se fazem assustadoramente presentes em forma de ficção (lembrando que ela os descreveu quase profeticamente ainda em 1985!).

Foto: Divulgação (Mapa da fictícia Gilead)

Além da já sabida classificação das mulheres em Esposas (as mais privilegiadas), Marta’s (encarregadas do serviço doméstico), Aias (transformadas em reprodutoras, por ainda serem férteis), e Tias (capatazes das Marta’s e Aias), elas foram proibidas de ler e de exercer qualquer tipo de profissão, para melhor se dedicarem ao lar e à família.

Foto: Divulgação

Os (raros) partos devem ser naturais a não ser em raríssimos casos; a tecnologia (televisão, computadores, mídias sociais, telefones) foram limitados apenas a membros do governo (os comandantes) e em ocasiões especiais; a produção de alimentos voltou a ser feita por meios menos tecnológicos e mais arcaicos; o trabalho forçado, as mutilações físicas e as execuções públicas voltaram a ser aplicadas aos criminosos (principalmente mulheres pecadoras); fábricas foram desativadas… tudo para – como diz um personagem nessa terceira temporada – “voltar o mundo para seu estado natural”, “sob o olhar Dele (de Deus)”!

O único setor que continuou a receber investimentos foi o militar, afinal, trata-se de um Estado Teocrático-Policial.

Os resultados socioeconômicos e demográficos alcançados em Gilead, ao custo do cerceamento das liberdades individuais – não causa espanto –, são muito bons. E seu poderio militar limita a resposta dos demais países do mundo, que não sabem, também, muito bem o que ocorre no seio daquela nova e muito bem fechada sociedade (a cena no Memorial Lincoln mostrando a estátua do icônico Presidente norte americano responsável pela abolição da escravatura – símbolo histórico da liberdade norte americana – parcialmente destruída – e o Capitólio convertido numa cruz – é cristalina em sua mensagem).

Foto: Divulgação

As pesquisas levadas a efeito para tentar explicar e reverter o quadro de baixa fertilidade humana indicam – conforme afirmou o personagem Mark Tuello (Sam Jaeger) na segunda temporada – problemas no genoma masculino, enquanto, em Gilead, tudo é atribuído ao desregramento moral do gênero humano, e ao seu afastamento de Deus e da Sua vontade.

Na irretocável primeira temporada (2017), todos esses elementos foram introduzidos de forma perfeitamente competente, sempre pelo ponto de vista da protagonista, June (Elizabeth Moss, absolutamente entregue à personagem), que, neste ponto da trama, era uma mulher normal, acostumada a uma vida livre e independente, que subitamente é conduzida a uma situação quase surreal se não fosse tão cruel e absurda.

Na segunda temporada (2018) – que já não contava com o material escrito por Atwood – houve um exagerado aumento no sadismo das situações, levando a personagem principal a passar por circunstâncias de abuso em muitos casos desnecessárias e quase gratuitas, ainda que, de certa forma, coerentes com aquele universo trágico.

As críticas serviram para que os produtores eliminassem, nesse novo ano, cenas de tortura (principalmente física) que não contribuíssem de forma objetiva para a trama, mas manteve-se (acertadamente) o clima de total opressão psicológica e de constante e iminente perigo. A inserção dos “anéis bucais” – piercings fixados nos lábios das aias para impedir que a boca seja aberta e elas permaneçam em constante silêncio – é aterrorizante só de se imaginar, lembrando uma distorção do “voto de silêncio” de algumas congregações de freiras misturado com rituais de mutilação.

Foto: Divulgação

A série, portanto, voltou a trilhar um caminho menos apelativo, abrindo espaço para tomadas belíssimas (muito graças à excelente fotografia de Colin Watkinson), além de sua história continuar mostrando uma enorme força.

Mas nem tudo são flores neste terceiro capítulo da saga de June.

A princípio, pode-se dizer que a evolução de certos personagens decepciona.

Por exemplo, a personagem Serena Joy Waterford – defendida de forma brilhante por Yvonne Strahovski – que, ao final da segunda temporada, após perder parte do dedo mínimo por tentar um pouco mais de abertura do regime de Gilead, ter entregado a “filha” Nicole para ser levada ao Canadá, dando mostras de estar tomando consciência acerca do mundo que havia ajudado a construir, apresenta um inexplicável retrocesso à sua persona aristocrática e quase cruel de toda a primeira temporada e boa parte da segunda, até a reviravolta que ocorre no episódio 11 (“Liars”), quando (SPOILER!!!!), entrega seu marido, Fred Waterford (Joseph Fiennes) para o governo canadense em troca de poder conviver com a bebê Nicole.

Foto: Divulgação

O Nick Blaine de Max Minghella é evidentemente “jogado para escanteio”, desperdiçando toda a tensão romântica desenvolvida entre ele e June.

Tia Lydia (Ann Dowd, monstruosamente brilhante) é daquelas personagens que “amamos odiar” e precisava ficar viva após ter sido esfaqueada e jogada escada abaixo pela personagem de Alexis BledelEmily/Ofjoseph (ex-Ofglen, Ofsteven e Ofroy) que consegue fugir para o Canadá e passa a ter uma história quase insossa para a trama –, mas ela sofre sequelas da agressão apenas pelos 3 ou 4 primeiros episódios, enfraquecendo os acontecimentos ocorridos. O flashback de seu passado pré-Gilead serve para mostrar o talento incrível de Dowd, mas soa um pouco maniqueísta.

O já mencionado Comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes) finalmente começa a sofrer alguma consequência por seus atos e personalidade detestáveis, mas o personagem, em si, praticamente não se altera, mantendo-se numa zona cinza, repleto de ambiguidades, mas sem dizer muito bem para onde estaria indo.

O personagem defendido por Bradley Whitford (Comandante Joseph Lawrence) oscila inteligentemente entre um dedicado servo de Gilead, um esposo amoroso e um ajudante da rebelião; mas seu “tom” muda bastante considerando sua participação no final da segunda temporada.

Foto: Divulgação

Chegamos, finalmente, à jornada de June, que evolui consideravelmente, ainda que num ritmo por vezes demasiado lento; do episódio 4 ao 10 (de 13) pouca coisa de realmente relevante acontece. Pessoalmente, lamento a saída “fácil” encontrada pelos roteiristas ao encaminharem a personagem na direção do arquétipo das heroínas de ação, capaz de lutar e abater um homem bem mais forte (Alto Comandante George Winslow, na pele do subestimado Christopher Meloni), e de matar sem pestanejar em nome da “causa” (que, para além de libertar as crianças, funda-se em “fazer Gilead sofrer”). Na crítica da segunda temporada, louvei o fato de June ser uma mulher ordinariamente “comum”, que retirava forças do seu objetivo de resgatar a filha Hanna (que só aparece em rápidos flashbacks), sem perder suas características.

Foto: Divulgação

A execução de tal caminhada ruma a esta nova persona (fria, calculista, cruel, líder), precisa-se reconhecer, é bem realizada e fundamentada, após tamanhos sofrimentos físicos e psíquicos sofridos por ela. Mas a narrativa tão feminina (ou, se quiserem, feminista) de Atwood para a personagem parece se perder (como, em certo momento a própria June admite) em nome do entretenimento (“the show must go on”…).

Aliás, todos os problemas que essa belíssima e absurdamente relevante série televisa passou a apresentar, fundam-se nisso: a necessidade de permanecer no ar pelo máximo de tempo possível para gerar maiores dividendos para seus realizadores em detrimento da coerência e coesão da história.

A saga de June chegou a um ponto que exige que a trama se encaminhe para uma resolução, por mais que o cenário político delineado não possa – caso de fato existisse – ser resolvido num passe de mágica.

Mas algumas incoerências de roteiro já podem ser observadas nesta terceira temporada desde o primeiro episódio.

As ações de June, por tudo o que foi construído anteriormente, já a teriam claramente levado “ao muro” (local onde os corpos dos subversivos enforcados publicamente são expostos para servir de exemplo), não sendo entendível a tolerância de todos a respeito dela (as explicações para isso – propagandear Gilead para o mundo – são frágeis, afinal, ninguém no mundo saberia dela).

Os retrocessos narrativos dos personagens (Tia Lydia, Serena, Nick) podem indicar que, na já confirmada 4ª temporada, tudo pode “voltar a ser como antes”, ao invés de realmente se encaminharem para algum ponto verdadeiramente resolutivo.

O que seria uma pena.

Voltando, todavia,  dar destaques positivos da terceira temporada desta grande série, pode-se citar a excepcional trilha sonora utilizada, muito bem integrada à narração dos eventos e as novas personagens defendidas por Ashleigh LaThrop (Natalie / Ofmatthew) e Julie Dretzin, como a desequilibrada Senhora Eleanor Lawrence.

Foto: Divulgação

Handmaid’s Tale é uma série que precisa ser assistida.

Os temas que ela apresenta e as discussões que ela provoca são importantes demais para ficarem adstritos a um séquito reduzido de fãs.

Mas os realizadores precisam entender que a mensagem que o programa carrega em si só manterá sua força e relevância se a história evoluir para uma conclusão.

Imagino que, ao final – pura suposição – June, a partir do que ela se transformou nesta terceira temporada e mantendo-se a coerência com a composição inicial de sua autora, precise se sacrificar para que sua Hanna possa ter uma vida livre junto do pai Luke (O. T. Fagbenle) no Canadá ou num EUA reconstruído. Afinal, como ela mesma admite, tornou-se “cruel” como os homens que criaram e sustentam Gilead.

“Blessed be”!!!!!

Foto: Divulgação

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Nota: 4 / 5 (ótimo)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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