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Críticas

BOA SORTE, LEO GRANDE | Crítica do Neófito

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Falar de sexo nunca é fácil, por mais que, nos últimos tempos, haja um claro movimento no sentido de normalizar a fala sobre esse que é um dos mais fundamentais temas da vida humana.

A esperança é que, dentro de algumas gerações, a sexualidade deixe de ser esse ainda enorme tabu, deixando de provocar o enrubescimento das faces das “mocinhas” ou risinhos irônicos nos “machos” de plantão.

Ainda há muito o que se caminhar: entender que “sexo” (determinado pela fisiologia com a qual se nasceu), “gênero” (desenvolvido pela cultura) e “orientação” (pertencente ao campo anímico do desejo individual) são fatos completamente distintos e independentes que podem ocorrer concomitantemente, em sentidos diversos, a um mesmo ser humano.

Toda essa dificuldade e pudor para conversar sobre sexo advém da realidade de longuíssimos períodos históricos de repressão sexual – principalmente após o estabelecimento da cultura cristã como norte moral das sociedades ocidentais às quais pertencemos (e sem qualquer julgamento de valor sobre isso) – haja vista ser algo muito ligado ao corpo e ao prazer físico, oposto à utopia metafísica de um “reino de Deus (ou espiritual)” de “real felicidade”; muito em razão disso, o sexo foi relacionado ao pecado, ao impuro ou, em linguagem bíblico-evangélica, à “carne fraca” (Mateus, 26:41), que leva à perdição espiritual.

Até mesmo na seara macroeconômica o sexo foi objeto de demonização: o economista inglês Thomas Malthus (1766-1834) desenvolveu a famosa tese econômica que dizia que o crescimento em proporção geométrica da população humana (2, 4, 8, 16, 32…) tornaria inviável a vida na Terra face à proporção aritmética do crescimento da produção de alimentos (2, 4, 6, 8, 10…). Para que esse cataclisma universal de fome não se materializasse, seria necessária a ocorrência de eventos naturais, tais como pestes (pandemias), catástrofes e guerras, os quais, todavia, apresentam alto grau de aleatoriedade para que se possa depender apenas deles; de modo que, de forma racionalizada (ou não natural), o ser humano deveria, por exemplo, estabelecer programas de controle de natalidade para conter o crescimento populacional. No entanto, como ainda não havia, na época, qualquer recurso anticonceptivo – uma precária forma de camisinha só seria oficialmente inventada em 1843; a tabelinha surgiria em 1930 e os anticoncepcionais em 1960 – o ideal era que as pessoas deixassem de transar. Com isso, até a moda foi, de certa forma, afetada por essa ideologia, através do surgimento do estilo vitoriano (1837-1901), claramente pouco sensual e repleto de empecilhos para a conjunção carnal.

Foto: Montagem a partir de imagens aleatórias da Internet (última moda!!!)

O resultado desse enorme caldo histórico-cultural pode ser medido, por exemplo, pelo fato de que, até hoje, 70% das mulheres relatam nunca terem experimentado o orgasmo na relação sexual (principalmente a heterossexual: <https://m.folha.uol.com.br/ciencia/2010/08/778593-mais-de-70-das-mulheres-nunca-atingiram-o-orgasmo-com-seus-parceiros.shtml>).

É um número absurdo!

Propostas artístico-culturais como o funk, nesse sentido, na qual as mulheres adotam atitudes ativamente sexualizadas – abstração feita ao questionamento quanto à qualidade musical e das letras – podem chocar e incomodar as mentalidades mais puritanas, mas, por outro lado, indicaam um novo caminho de liberalização da sexualidade feminina, evidentemente a mais afetada por todo esse arcabouço histórico.

Tudo isso nos leva ao cerne da questão levantada no excelente filme Boa Sorte, Leo Grande, dirigido com sensibilidade ímpar pela diretora australiana Sophie Hyde e estrelado com excelentes desempenhos da musa Emma Thompson e do ainda (e belo) novato Daryl McCormack (coadjuvante em Peaky Blinders).

Thompson dá vida à Nancy Stokes, professora aposentada na casa dos sessenta e poucos anos, recém-enviuvada e que, como na estatística acima mencionada, nunca havia experimentado um orgasmo na vida, após mais de 30 anos de casamento! Depois de muito pensar, ela resolve dar uma chance para seu corpo e contrata um “profissional do sexo”, o belo, jovem e galante Leo Grande, que apesar da pouca idade, mostra-se incrivelmente experiente nos assuntos da sexualidade.

O filme se desenrola por meio de quatro encontros que o casal tem num mesmo quarto de hotel, no qual Leo precisará lidar com a insegurança, a culpa e os tabus de Nancy (com relação a sua faixa etária, ao seu corpo, à sua performance, à diferença de idades entre eles etc.), ao mesmo tempo que será emocionalmente confrontado pela inteligente e perspicaz nova cliente, capaz de furar a capa do personagem desenvolvido pelo rapaz, no exercício de seu ofício.

Centrado praticamente nos dois personagens (com rápida, mas importante participação de Isabella Laughland como Becky, ex-aluna de Nancy) e quase totalmente passado no cenário do quarto do hotel (há brevíssimas duas cenas nas ruas de Londres, uma numa lanchonete e outra no restaurante do hotel) o filme nunca é monótono, enfadonho ou apelativo (apesar do “tema”). Os diálogos são inteligentes, mordazes, por vezes otimamente bem-humorados (o velho e conhecido “humor britânico”) e até mesmo profundos. A direção privilegia sutilezas e a não subestimação dos expectadores, centrando certas narrativas nos olhares, no comportamento e na postura física de seus personagens. Nesse sentido, McCormack sai-se muito bem – diante do monumento de atuação que é Emma Thompson – por conseguir, na caracterização de seu Leo Grande, demonstrar, com simples mudança de expressão fisionômica, que localizou o fio de insegurança de Nancy, o erro de sua estratégia, e a correção de rota para desarmar e agradar sua cliente.

Thompson está incrivelmente bem-humorada e completamente despojada na composição de Nancy, entregando-se de alma e corpo à personagem, o que se confirma nas primeiras cenas de nudez que protagoniza na sua longeva e consistente carreira audiovisual, no auge de seus 63 anos de idade! E cada parte do seu corpo que é gradativamente exibido ao longo dos 97 minutos de duração do filme tem valor narrativo e importância para a história (e, para a alegria das mulheres e gays masculinos de todos os matizes, McCormack também se exibe para os olhares sedentos da plateia!).

O roteiro toca em questões sensíveis para muitos casais (principalmente heterossexuais e longevos), tais como posições na cama, rotina sexual, preconceitos com certas práticas, diferença entre amor e desejo, e tudo isso sem levantar bandeiras ou panfletos.

A direção intimista e contemplativa de Hyde se aproveita da fotografia luminosa de Bryan Mason, que consegue extrair luz do normalmente nublado céu londrino para conferir o ar de racionalidade que envolve os primeiros encontros entre Nancy e Leo, até o encontro final, agora em meia-luz neon, mas o qual retrata a finalmente espontaneidade do sexo físico e apaixonante (não apaixonado!).

O crescimento de Nancy e Leo é delicioso de acompanhar: ambos se encaminham das amarras e traumas até à liberdade. Só que ela, com relação ao corpo, que sempre lhe negara prazer; e, ele, com relação à intimidade, a qual muitos dissabores lhe tinham provocado.

Um filme quase perfeito e que cumpre perfeitamente bem o que se propõe: proporcionar uma discussão séria, mas bem-humorada, sobre sexualidade e prazer feminino, ao mesmo tempo que consegue excitar, ainda que retratando uma mulher com o corpo já naturalmente desgastado pelo tempo e um homem construído para proporcionar o maior prazer possível em sua clientela.

Depois dos 50 Tons… e 365 Dias… da vida, nada como um filme simples (nunca simplório), intimista e verdadeiro sobre o sexo nosso de cada dia.

Foto: Divulgação (“com esse seu jeito sexy de ser…”)


Nota: 4,5 / 5 (excelente)

 

 

 


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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