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Críticas

OS 7 DE CHICAGO | Crítica do Neófito

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O Comunismo foi proposto por Marx e Engels a partir de 1867, como alternativa ao Liberalismo econômico inicial, nos moldes propostos pela Revolução Industrial Burguesa. Seu conceito e teoria são apresentados nas mais de 3.000 páginas dos vários volumes do livro O Capital, escrito em linguagem densa e prolífica, que costuma desanimar seus potenciais leitores. Acaba que o Manifesto Comunista (ou Manifesto do Partido Comunista) – obra anterior (concebida em 1848, no calor das revoltas chamadas de Primavera dos Povos) e bem menor (duzentas e poucas páginas, em linguagem mais direta) – é a obra mais conhecida e lida do autor germânico, cujo texto passa uma ideia da teoria política marxista, mais focado no espectro revolucionário da proposta.

Analisado como síntese do pensamento marxista, os acadêmicos costumam dizer que o Comunismo, enquanto teoria histórico-político (que se opõem, fundamentalmente, à visão da História proposta por Hegel), é fundamental para o pensamento moderno; todavia, em termos de sistema sociopolítico real, mostra-se, ainda (e talvez sempre), uma utopia inviável e irrealizável, mesmo que nunca experimentada de fato na realidade.

O que a sociedade mundial vivenciou com a União Soviética, Cuba, Coreia do Norte e a China, não foi o Comunismo propriamente dito, mas variações do Socialismo, o qual seria – sempre na ótica de Marx – precedido pela Revolução proletária, e consistiria numa fase pré-comunismo, focada na acumulação de recursos para a efetiva consolidação da realidade comunista, ou seja, um mundo sem Estado e classes sociais.

No período entre guerras, surge o Keynesianismo ou a tese do Estado do Bem Estar Social, que – tendo por base o New Deal norte-americano idealizado por Roosevelt como solução à crise de 1929 – propunha um Capitalismo Liberal menos radical, capaz de fazer frente ao avanço socialista, cuja tensão com o Liberalismo quase chega às vias de fato após a Segunda Guerra Mundial (1945) por meio da Guerra Fria encabeçada pela URSS e os EUA, num processo que durou mais de 40 anos!

Foto: Divulgação

Esses conceitos eram claros e inequívocos (ao contrário de hoje, em que até mesmo a defesa dos direitos humanos pode ser tachada como uma proposta comunista/esquerdista), principalmente nas décadas de 1950-1960 e o advento do Marcarthismo (1950-1957 – vide filme Boa Noite e Boa Sorte, de 2005) por exemplo, que promoveu uma verdadeira caça às bruxas nos Estados Unidos, num momento em que tudo podia ser interpretado como Comunismo.

Foto: Divulgação

Foi nesse período também que ocorreram duas guerras emblemáticas envolvendo o embate entre a lógica Capitalista (defendida pelos EUA) e a Socialista (encampada pela URSS): a curta Guerra da Coreia (1950-1953), que promoveu a divisão que perdura no país até hoje, e a longeva Guerra do Vietnã (1955-1975), conflito armado, este, que ao longo de seus 20 anos de duração custou a vida de quase sessenta mil soldados norte-americanos!

Na década de 1960, período de plena ascensão do movimento hippie, tornaram-se comuns manifestações contra a Guerra do Vietnã nos EUA, que, normalmente, eram contidas com certo rigor pelas forças de segurança.

Foto: Divulgação

Figuras públicas, como Cassius Clay (depois renominado como Muhhamad Ali), recusaram-se ao alistamento militar, enquanto Elvis Presley era catapultado a símbolo dos soldados na guerra que, verdade seja dita, dividiu o imaginário do país. O cinema norte-americano também oscilou entre obras diretas ou subliminarmente críticas ao conflito – Platoon, Nascido para Matar, Nascido em 4 de Julho, O Franco Atirador, Bom Dia Vietnã, Rambo I, Forrest Gump etc. – e filmes de redenção ou reconfiguração histórica – tais como Os Boinas Verdes, De Volta para o Inferno,  Rambo II, todos os exemplares de Braddock, Comando para Matar etc.

 

Foto: Divulgação

Uma das mais famosas manifestações antiguerra ocorridas nos EUA foram os 5 dias de agosto de 1968, ocorridos em torno da convenção do partido democrata para a Presidência norte-americana daquele ano, na cidade de Chicago, estado de Illinois, que culminou num violento confronto com a Polícia, do qual saíram muitos manifestantes, policiais e repórteres seriamente feridos, ao mesmo tempo que causou grande quebra-quebra em bens civis privados e públicos.

A manifestação reuniu agrupamentos hippies, movimentos estudantis, políticos, civis e sociais – além de uma leve participação independente dos Panteras Negras – dos quais se destacaram algumas figuras, como Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen, fantástico), Jerry Rubin (Jeremy Strong, irreconhecível), David Dellinger (John Carroll Lynch) Tom Hayden (Eddie Redmayne, dando show), Rennie Davis (Alex Sharp), John Froines (Daniel Flaherty) e Lee Weiner (Noah Robbins) além de um dos líderes do famoso movimento político negro, Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II, competentíssimo).

Foto: Divulgação (os verdadeiros “7 de Chicago”)

Essas oito pessoas – que durante o processo foram reduzidas a sete, após a desqualificação pela promotoria da acusação contra Bobby Seale – foram escolhidas como bode expiatórios de todo o conflito ocorrido, tornando-se réus numa ação federal que as acusava de terem cruzado as fronteiras estaduais com objetivo de incitar distúrbios, entre outros crimes.

Foto: Divulgação

O primeiro Procurador-geral do caso – Ramsey Clark (Michael Keaton, preciso) – que integrava a gestão do Presidente Lyndon B. Johnson, foi contra a ação, mas, após a assunção de Nixon como Presidente, o novo Procurador, John Mitchell (John Doman, rápido e certeiro), encampou a causa, colocando à frente do julgamento o promissor promotor Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt, corretíssimo).

O julgamento foi marcado pela postura mais do que parcial do juiz federal Julius Hoffman (Frank Langella, sensacional), cuja atuação mostrou as enormes fissuras existentes nas tão decantadas democracia e justiça estadunidenses. Durante todo o julgamento, ele negou protestos dos advogados de defesa – comandados pelo defensor público William Kunstler (Mark Rylance) – enquanto acatava todas as manifestações da acusação, bem como tentou, de todas as formas, vincular a defesa de Bobby Seale (a quem, em certo momento do longo processo de mais de 6 meses, ordenou que fosse espancado e amordaçado em pleno tribunal) com as dos demais sete réus, de forma a conseguir confirmar uma suposta aliança e formação de quadrilha entre eles, com o intuito de causarem distúrbios em Chicago, de modo que suas condenações servissem de exemplo para outros que quisessem promover novas manifestações antiguerra.

Foto: Divulgação

Esse longo texto acima não só contextualiza, como narra os fatos históricos retratados nesse excelente filme – Os 7 de Chicago ­– produzido pela Netflix, roteirizado e dirigido por Aaron Sorkin (A Grande Jogada, A Rede Social, Questão de Honra) e estrelado pelos vários ótimos atores já listados acima, quando da citação dos personagens históricos que personificaram.

Foto: Divulgação (Aaron Sorkin)

Incrível como uma história passada há mais de 50 anos se mostra impressionantemente atual, haja vista o cenário contemporâneo de nacional populismo com vieses autoritários, que se impôs ao mundo neste final de década de 2010.

A condução não linear da história é muito bem feita, apesar de alguns cortes mais bruscos, sem confundir a audiência e, ao mesmo tempo, quebrando a narrativa que poderia se mostrar enfadonha num formato mais convencional. Outro achado são as referências à contracultura, menções sutis a elementos históricos e culturais, só capáveis por quem os conhecer!

A produção é caprichada: reconstrução de época; reprodução de momentos verídicos e documentados por imagens televisivas da época; figurino; contexto histórico, tudo é muito bem feito.

A direção de atores – uma marca de Sorkin – é impecável! De Sacha Baron (destaque absoluto) e o camaleônico Eddie Redmayne, às pequenas (porém marcantes) participações de Michael Keaton e John Domann, todos dão um show na composição e interpretação, sem qualquer ressalva.

Não são poucas as reflexões que o filme de Sorkin provoca nos mais atentos, uma vez que o diretor se mostra extremamente hábil em manipular as emoções de sua audiência.

Foto: Divulgação

O único senão fica por conta de uma certa desonestidade de Sorkin, ao mostrar – com claras intenções de traçar paralelo com o cenário político mundial atual (como na cena de tentativa de estupro) – apenas um lado da história, pintando os acusados como verdadeiros heróis nacionais – mesmo ao aclarar certas falhas de caráter dos mesmos – enquanto policiais e poder público norte-americano são retratados como unanimemente vilões, violentos, manipuladores e cruéis, o que não corresponde à realidade completa dos fatos. Os manifestantes certamente visaram a uma manifestação pacífica a princípio, mas tão logo se iniciaram as tensões, os dois lados se lançaram ao confronto aberto, ainda que com clara desvantagem para as pessoas comuns frentes aos cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo da polícia. Não é feita – por exemplo – nenhuma menção aos policiais que também foram acusados, mesmo que se saiba que este se tratou de um processo judicial proposto unicamente para dar a impressão de imparcialidade na abordagem dos acontecimentos.

De toda forma, as duas horas de Os 7 de Chicago passam rápidas enquanto despertam emoções variadas em que as assiste. O tema super atual, mais o talento de Sorkin com melodramas de tribunal e tons grandiloquentes, somado a um brilhante e acertado cast de atores tornam a obra cinematográfica uma forte opção para o Oscar, além de ótimo entretenimento de qualidade.

Se fosse um pouco menos parcial com os fatos – da mesma forma, em sentido contrário, que o magistrado Julius Hoffman agiu – Sorkin teria concebido uma obra próxima à perfeição, digna dos sempre relevantes filmes de tribunal produzidos por Hollywood. Mesmo assim, as qualidades do longa se impõem, fazendo com que Os 7 de Chicago seja um filmão de primeira, daqueles que volta à mente, dá vontade de discutir sobre e de se conhecer mais sobre os fatos reais que o inspiraram.

O Nerdtrip recomenda com louvor!!!

Foto: Divulgação

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Nota: 4,5 / 5 (excelente)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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