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Críticas

7 PRISIONEIROS – O Poder Corrompe! | Crítica (tardia) do Neófito

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ALERTA DE SPOILERS!!!!

 

Já faz 58 anos que a grande filósofa Hanna Arendt cunhou a expressão “banalidade do mal” para explicar a postura do nazista Adolf Eichmann, responsável direto por aproximadamente 400 mil mortes de judeus húngaros nos campos de extermínio, considerado um dos principais gestores do Holocausto.

Em seu julgamento altamente midiatizado – até para os padrões de hoje – no qual acabou condenado à morte por enforcamento, em 1962, Arendt constatou que Eichmann, ao contrário do que ela mesma podia esperar, não se parecia, comportava ou sequer dava sinais de ser um mostro antissemita impiedoso e sanguinário, ou um sociopata típico. Ao contrário, o alemão se apresentava como homem absolutamente comum, certo de que havia agido conforme a ideologia política vigente em seu país, seguindo ordens com zelo e dedicação, objetivando subir na carreira, sem maiores reflexões sobre o bem ou o mal que seus atos estariam provocando. Concluiu que o mal, não é metafísico, mas político, criação humana, tornando-se banal em decorrência do vazio de pensamento e da criação de espaços institucionais que o promovam. Arendt acabou sendo impiedosamente acusada de defender/justificar o sádico nazista.

Foto: arquivos pessoais e históricos (Adolf Eichmann novo e no seu julgamento, com Hanna Arendt ao meio)

Muitos anos mais tarde, em 2008, o cinema hollywoodiano – famoso por retratar os alemães da Segunda Guerra de forma caricata – resolveu mostrar, talvez pela primeira vez, os nazistas pelo prisma abordado pela filósofa judia-alemã, isto é, vendo-os como seres humanos comuns, capazes, todavia, de praticarem atos bárbaros, muitas vezes acreditando que os fins justificavam os meios. Trata-se do impactante filme O Menino do Pijama Listrado, no qual se mostra a  amorosa família de trivial comandante do exército nazista, que apenas buscava fazer seu trabalho e ganhar a vida “honestamente”.

As conclusões de Hanna Arendt, nesse sentido, parecem se chocar com a formulação do historiador britânico John Dalberg-Acton o qual, ainda no século XIX, preconizava que “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus”, mas as duas teses podem se mostrar terrivelmente complementares, afinal, o real Eichmann e o ficcional Rafl (de “O Menino do Pijama Listrado”) tinham ambições de crescerem na estrutura burocrática do partido nazista, isto é, de alguma forma, buscavam o poder.

Foto: Divulgação e rede pública (a tese de Arendt vai “ao” ou “de” encontro ao pensamento de Dalberg?)

Cabe, ainda, o famoso dito popular de que “a oportunidade faz o ladrão” para que, junto com as duas referências acima, possamos compreender a história de 7 Prisioneiros, produção nacional da Netflix, dirigida por Alexandre Moratto, a contar com Rodrigo Santoro no papel de Luca, dono de um ferro-velho na periferia da cidade de São Paulo que recruta rapazes da “roça” para seu estabelecimento, mas, na verdade, coloca-os para trabalhar em condições análogas à escravidão, além de manter outros negócios escusos, como venda de cobre roubado, desmanche de carros e tráfico de pessoas.

Num desses “recrutamentos”, surgem 5 iludidos rapazes, os quais logo perceberão a situação em que se encontram: endividados, trabalhando muitas horas sem receber nada, alimentando-se pessimamente, espancados, deixados sem banho, achacados pela polícia corrupta e constantemente ameaçados. Entre esses, destaca-se o jovem e otimista Mateus (interpretado brilhantemente por Christian Malheiros), que ousava sonhar, um dia, tornar-se piloto de avião.

Presos numa situação absolutamente aviltante, os jovens discutem e até brigam entre si sobre estratégias para conseguirem fugir dali, mas, a cada tentativa, as ameaças contra seus familiares se mostravam mais perigosamente reais. Ninguém ao redor parece se importar. Todos ganham alguma coisa com o silêncio e a conivência: dos vizinhos dos altos prédios da vizinhança à dona do bar da esquina.

Foto: Divulgação (o “lobo do homem”)

Aos poucos, porém, Mateus, mostrando-se o mais articulado e “culto” de todos, consegue algumas pequenas concessões para o grupo, chamando a atenção de Luca que, também aos poucos, começa a depositar confiança no garoto, seduzindo-o com privilégios frente aos demais, a quem passa a comandar e, posteriormente a comandar.

A frieza de Luca acaba encontrando justificativa e identificação por parte de Mateus, afinal, o impiedoso gerente do ferro-velho também vinha de origem extremamente humilde, também havia sido explorado, mas tinha conseguido “vencer” por seus esforços e méritos, dentro da organização, futuramente revelada ser operada por poderoso empresário e político.

O que fazer? Ajudar os companheiros de cárcere involuntário e voltar a ser escravo moderno ou aceitar a confiança nele depositada e se transmutar de vítima a algoz, gozando de boa vida, carro, dinheiro, mulheres e noitadas, além, claro, de poder efetivamente ajudar sua mãe a parar de trabalhar na roça, assim como Luca havia feito com a mãe dele?

Afinal, Mateus era prisioneiro do que ou de quem? de Luca? Do chefe político de Luca? Do sistema capitalista? Da situação econômica brasileira? Da corrupção sistêmica do país? Ou seria prisioneiro do destino, bem como os demais rapazes escravizados? Ele tinha outra opção? Teria sido colocado diante de uma “escolha de Sofia”?

O estudo de personagem levado a efeito por 7 Prisioneiros (cujo número “7” é alcançado na metade do filme) é soberbo. A direção segura de Moratto é voyeurística, acompanhando, sem julgamento, os atos de Mateus, deixando para o espectador essa função judicante. Os elementos são postos e deixados à apreciação. Será que os outros garotos do alojamento, abrindo-se para eles as mesmas oportunidades, teriam agido de forma diferente? Mateus seria um Eichmann moderno e brasileiro, apenas buscando o melhor para si e para os seus, ainda que isso acabe causando dor em outras pessoas? No fundo, ele acredita na meritocracia, capaz de premiar aquele que dá duro e trabalha arduamente? Ou será que, como entedia Dalberg, apenas foi seduzido pelo poder e pelo dinheiro, deixando-se corromper?

Foto: Divulgação (as “cores” do pecado…)

Não são questões de fácil resposta e 7 Prisioneiros não as pretende responder. O filme se interessa em perguntar. Em colocar o dedo na ferida. Em fazer pensar.

Como produto capitalista, claro que a crítica ao capitalismo de terceiro mundo, pode, conforme defende o filósofo Mark Fisher em seu famoso livro “Realismo Capitalista: É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?”, de 2009, ser apenas forma de intrinsicamente acomodar o capitalismo como única alternativa ideológica possível; isto é, não vai mudar o mundo, criticando as estruturas de forma a mantê-las como estão. No entanto, mesmo sendo assim, é muito bom perceber a arte levantando questões amargas e insalubres, mexendo nas águas paradas da lagoa da acomodação.

Talvez devêssemos esperar de Mateus a mesma postura de outro personagem real levado ao cinema por Terence Malick, no poético Uma Vida Oculta (2019), o agricultor austríaco e católico Franz Jägerstätter, o qual preferiu ser condenado à morte, aos 36 anos, do que jurar fidelidade absoluta à Hitler e Terceiro Reich e lutar na 2ª Guerra. Mas será que os valores católicos de salvação individual não pregam, em nível bastante subliminar, a mesma lógica de alcançar poder, ainda que no céu? Afinal, o mártir não seria alçado à condição de santo no pós-morte? Ou será que Jägerstätter realmente tinha como prioridade o bem maior do que o seu bem pessoal?

O longa não é perfeito, contendo alguns vícios típicos do cinema nacional, além de trilha sonora pobre e sem impacto, mas, sem dúvidas, tem produção  caprichada, fotografia nítida, muito bem interpretado (com destaque óbvio para Malheiros e Santoro), além de ser diferenciado e incômodo. O final pode desagradar muita gente, mas não poderia ter sido outro. O seu impacto negativo – passível de ser visto em muitos comentários sobre o filme na rede – é prova do quanto é significativo.

Por fim, 7 Prisioneiros é um filme necessário.

Foto: Divulgação (“as grades podem me prender, mais nunca vão prender meus pensamentos”! Será mesmo, Bob?)

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Nota: 4,5 / 5 (excelente)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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