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Críticas

EDUARDO E MÔNICA – O comercial da Vivo era melhor? | Crítica do Neófito

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Geni e o Zepelin, Valsinha, A Banda, Construção são algumas das canções que sedimentaram Chico Buarque como um dos maiores compositores da Música Popular Brasileira, quiçá, do mundo!

Apesar de não ser o único gênero de canção normalmente produzido pelo versátil compositor e escritor carioca, o que essas canções em específico têm em comum é o fato de que suas letras contam uma história, com começo, meio e fim bem caracterizados, sendo possível, enquanto se as ouve, imaginar as cenas descritas como se fossem filmes. Aliás, se Geni e o Zepelim, por exemplo, tivesse origem estadunidense, certamente Hollywood já a teria transformado em blockbuster grandioso, amenizando, claro, a forte temática sexual de sua letra.

Nessa mesma linha de “canção-história”, tão bem trabalhada por Chico Buarque, a geração da MPB da década de 1980 apresentou ao público Renato Russo e suas clássicas composições Faroeste Caboclo (composta em 1979, mas lançada em 1987 no álbum Que País é Este) e Eduardo e Mônica (lançada em 1986, no álbum Dois).

Foto: montagem a partir de banco de imagens (dá para imaginar uma foto dessas?)

Mesmo com quase 40 anos de existência, são músicas até hoje extremamente conhecidas e cantadas nas rodinhas de violão a plenos pulmões, haja vista o caráter atemporal e altamente imagético que elas contêm. Faroeste Caboclo, por exemplo, com seus 9 minutos de duração, é incrivelmente visual em sua construção, apresentando-se como conto de um típico western, só que passado em terras brasileiras. A letra é praticamente a linha mestra de roteiro cinematográfico, prontinho para ser desdobrado e filmado. Não à toa, sempre houve cogitação de se fazer a adaptação em live action da música, o que de fato ocorreu em 2013, com o filme homônimo dirigido por René Sampaio, e estrelado por Fabrício Boliveira, no papel do anti-herói João de Santo Cristo (espécie de Macunaíma moderno) e da belíssima Ísis Valverde, na pele da trágica Maria Lúcia.

O filme Faroeste Caboclo pode ser considerado sucesso de público e crítica, tendo levado quase um milhão e meio de pessoas ao cinema para o assistir, talvez pela curiosidade de finalmente ver em imagens aqueles personagens tão poderosos que eram exclusivamente imaginados na cabeça de cada ouvinte da canção. E, de fato, o filme está muito longe de ser fraco ou ruim. Todavia, Sampaio optou por uma versão seca e realista da canção Faroeste Caboclo, por sua vez claramente construída em tom de fantasia. Há quem tenha adorado tal escolha (principalmente a crítica especializada), mas na opinião deste colunista, a quase obsessão em retirar da história seus elementos fantásticos (como, por exemplo, a transmissão ao vivo do duelo entre João de Santo Cristo e Jeremias), tornando sua ácida crítica social mais factível e verossímil (quem sabe facilitando para os roteiristas encontrarem soluções para os desafios postos pela letra da música) acabaram por tirar dela muito da sua força, substituindo-a pela densidade de uma narrativa crua e mordaz.

Foto: Divulgação (não poderia faltar a Winchester 22!)

A música Eduardo e Mônica, pelo contrário, sempre foi um diferencial nas letras essencialmente trágicas de Renato Russo, consistindo-se em conto urbano e alto-astral, também altamente fantasioso, mas estruturado como uma clara comédia romântica. Também se trata de canção que, quando escutada, imediatamente gera um filme mental, no qual se vê o adolescente Eduardo e a jovem adulta Mônica se encontrarem, apaixonarem-se loucamente e viverem os altos e baixos de uma relação heteronormativa bem arquetípica (portanto atemporal), mas ao mesmo tempo muito característica dos dramas da geração X (nascidos entre 1965 e 1984, pela classificação nacional).

No mesmo ano de 2013, em que Faroeste Caboclo, o filme, foi lançado, a operadora de telefonia Vivo lançou uma campanha publicitária tendo, por base, a canção Eduardo e Mônica, na qual, em meros 4 minutos, conseguiu, de forma excepcionalmente competente, reproduzir em imagens todo o lirismo constante da música homônima, criando mais expectativa ainda sobre uma sonhada transposição para o cinema da trama romântica imaginada por Renato Russo.

Foto: Divulgação (recorte do excelente vídeo publicitário da Vivo, de 2013, sobre “Eduardo e Mônica”)

Com o já comentado sucesso do longa Faroeste Caboclo, foi dada a carta branca para que o mesmo René Sampaio comandasse a adaptação de Eduardo e Mônica para o live action, rodeada de enormes expectativas.

As primeiras notícias sobre o filme foram alvissareiras: Alice Braga (38 anos) faria Mônica e Gabriel Leone (28 anos) viveria Eduardo. Mesmo que os dois atores sejam bem mais velhos do que a letra de Russo sugere, o talento e competência dos dois é algo inquestionável, restando saber se os dois atores conseguiriam reproduzir a óbvia química do casal imortalizado na canção da Legião Urbana.

Muitos adiamentos depois – em virtude da pandemia do Coronavírus – finalmente o filme será lançado, infelizmente, no meio de vários blockbusters hollywoodianos arrebatadores (Matrix e Homem-Aranha, por exemplo), o que certamente prejudicará parte do desempenho do longa nacional, apesar da distinção de público-alvo.

Ainda assim, Eduardo e Mônica tem força o suficiente para levar as pessoas ao cinema e para ser recordado com carinho, apesar de algumas falhas bem marcantes.

Nos comentários sobre o filme Turma da Mônica: Lições, foi abordado o quanto o longa se tornou melhor à medida que teve coragem de ir se afastando do seu material de origem (a graphic novel homônima). No caso de Eduardo e Mônica, ocorre justamente o contrário: a produção nitidamente cai de nível na medida em que se afasta da sua base (a letra da canção homônima).

É compreensível que Sampaio tenha querido fugir do óbvio e não apenas transpor a letra da música para a tela grande. No caso, o roteiro preferiu desenvolver os personagens, suas motivações e origens para além do encontro que dispara o romance entre eles, mas, para tanto, precisou fazer um recorte da história, focando no que se pode chamar de fase inicial da relação – que corresponderia aos primeiros dois terços da música – deixando de fora o “felizes para sempre”, isto é, o momento em que eles se casam e têm filhos.

Desse modo, a história se desenvolve claramente dentro da fórmula das comédias românticas estadunidenses: o casal se conhece, se apaixona, desenvolve a relação, enfrentam alguma grande provação (a “barra mais pesada que tiveram”, da letra da música), e se reconciliam.

Foto: Divulgação (ah, o amor tem razões que a própria razão desconhece!)

Pode-se, então, dizer que o filme adaptou apenas a primeira metade da canção, inflando os dramas de cada personagem para preencher as longas 1h54m de projeção. Assim sendo, Mônica não é, como na música, apenas estudante de medicina – por ser filha de médica – mas também artista performática – por ser filha de artista plástico recém falecido – dividida entre o idealismo de viver de arte e militância (afinal, o “pai-herói” foi exilado pela Ditadura Militar) e o pragmatismo de ser oriunda da classe média-alta.

Eduardo não apenas “jogava futebol de botão com seu avô”, mas foi criado por ele – militar da ditadura reformado (gancho para o clichê conflito com Mônica) – haja visto ter ficado órfão aos cinco anos (o avô é interpretado com competência por Otávio Augusto).

Se é interessante o exercício de imaginação para saber o porquê Mônica “tomava um conhaque noutro canto da cidade”, em plena manhã em que Eduardo “abriu os olhos, mas não quis se levantar, ficou deitado e viu que horas eram”, o insistente aprofundamento no drama fragiliza a história proposta pela canção, muito mais leve e despretensiosa.

Essa opção criativa revela a mão pesada de René Sampaio, que torna tudo mais denso do que o necessário. Se em Faroeste Caboclo isso era até aceitável – afinal se trata de trama que envolve tráfico de drogas, contrabando, estupro, morticínio – em Eduardo e Mônica descamba para o drama excessivo, pois, a premissa é uma história de amor singela, por mais que arquetípica.

O didatismo também incomoda um pouco. Ou seja, não bastava mostrar o pôster da Malu Mader, novinha e deslumbrante, pregado na parede do quarto de Eduardo, para retratar que ele “gostava de novela”; foi preciso, também, mostrá-lo assistindo à Anos Dourados na tv. Além disso, para não deixar dúvidas em que década o filme se situa, deu-se close e destaque para a coleção de Playmobil e carros de corrida de Ayrton Senna de Eduardo, achar brechas para tocar muitas músicas do pop-rock do período e exibir a data “1987” na prova de vestibular que ele prestou.

Há incoerências de roteiro, como desprezar a situação econômica do país naquele período, face ao que Mônica acaba produzindo em termos artísticos; bem como no estabelecimento da cronologia dos eventos, afinal, Eduardo não teria, em 1987, como prestar vestibular aos 16 anos, o que implicaria que a história do filme engloba uma passagem de tempo de dois a três anos, o que não fica nítido no longa. Mas há acertos, como na retratação da dificuldade de se comunicar por meio de telefones públicos com fichas e interurbanos caríssimos; nas dificuldades de locomoção; e no vazio existencial que se estabeleceu para aquela geração pré-constituição.

Foto: Divulgação (“ela era de Leão e ele tinha 16”!)

Positivamente, tem-se que aplaudir a excelente reconstrução de época, em termos de cenografia e figurino. A fotografia de Gustavo Habda é acertada, clara e bonita, tirando proveito de cada detalhe das belas locações. A trilha sonora é deliciosa, incluindo “Total Eclipse of the Heart”, hino brega-romântico da década de 80, em inclusão orgânica e engraçada.

Mas o destaque absoluto vai para o casal de protagonistas. Alice Braga e Gabriel Leone seguram o filme nas costas e não decepcionam na entrega de seus personagens. Individualmente, Leone consegue parecer um adolescente de 16 anos, repleto de insegurança e daquela esperança inocente dos jovens inexperientes. Já a sobrinha de Sônia Braga, mesmo não sendo mulher esteticamente linda, se comparada a outras beldades, é encantadora, sorri com os olhos e entrega uma Mônica complexa, madura e reflexo daquela geração incerta com relação ao seu futuro. Além de apaixonante!

E a química entre os dois é perfeita!

Se Eduardo e Mônica, o filme, não é tudo o que se poderia querer ver na tela – afinal seria delicioso testemunhar como eles “construíram uma casa uns dois anos atrás, mais ou menos quando os gêmeos vieram”, algo que, infelizmente –não acontece no longa (desculpem o pequeno spoiler) – mesmo com falhas que não dão para ignorar, trata-se de bela produção nacional, heroica por vir à lume mesmo diante da atual desconstrução cultural pela qual o país passa.

Além disso, “quem um dia irá dizer” que é capaz de resistir a essas “coisas feitas pelo coração”?

Foto: Divulgação (“veio meio diferente uma vontade de se ver”!)

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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