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Críticas

HISTÓRIA DE UM CASAMENTO | Crítica (tardia) do Neófito

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Em 1987, no álbum Francisco, o grande (e hoje “perseguido”) Chico Buarque, apresentou a absurdamente lírica e belíssima canção, Todo Sentimento, que ficou conhecida na intepretação tocante de Verônica Sabino.

Muitos já tentaram interpretar estrofe por estrofe da música, entendendo que cada uma de suas quatro partes fala de uma das fases do amor ou do relacionamento.

De fato, a letra da composição parece dizer que todo amor/relação tem aquele momento de encantamento em que é preciso amar “devagar e urgentemente”, isto é, esticando ao máximo o tempo em que se está junto (devagar), mas sem perder um segundo sequer (urgentemente).

Por outro lado, é preciso saber que o amor vai quedar-se doente. E, nesse momento, talvez seja melhor “desvencilhar-se” do outro antes que a relação adentre por caminhos por demais tortuosos (até violentos…).

Ao fim de tudo, espera-se que chegue o almejado “tempo da delicadeza”. Seria isso o envelhecer juntos? O amor apaixonado se transformando em amizade?

Pois é, para quem ainda não escutou ou se emocionou com esta canção, sugiro que a ouça o mais depressa possível, preferencialmente antes e/ou logo depois de assistir a História de Um Casamento.

Foto: Divulgação

Essa singela produção do Netflix, dirigida por Noah Baumbach (A Lula e a Baleia) – diretor integrante do movimento Mumblecore, o qual se caracteriza por ser um cinema não mainstream, de baixo custo, marcado por atuações naturalistas, muitos diálogos, improvisações, preferencialmente retratando as relações pessoais e a dialética entre os personagens em detrimento da história – convocou as estrelas Scarlett Johansson (Viúva Negra, de Vingadores) e Adam Driver (Kylo Ren, de Star Wars) para darem vida a um casal de artistas – ele, Charlie Barber, um diretor de teatro moderno; e ela, Nicole Barber, uma talentosa atriz – que, após anos casados e apaixonados, pais de uma criança, Henry Barber (Azhy Robertson), entram num doloroso processo de divórcio.

Foto: Divulgação (Noah Baumbach)

O naturalismo do Mumblecore está presente em cada frame do filme, no qual os dois talentosos atores – que antes de se tornarem celebridades se destacaram por seus papeis menores e intimistas – dão um verdadeiro show de atuação, com uma interpretação rasgada”, de total entrega emocional, que transmite, em cada expressão, uma enorme gama de emoções.

As locações se dividem entre Los Angeles e Nova Iorque, com opção por cenários reais, cenas urbanas e cotidianas, sendo modesta em todos os aspectos, mas muito elegantes.

Boa trilha sonora, que acrescenta, mas não se sobreleva às cenas.

A câmera de Baumbach oscila entre tomadas abertas, fechadas nas entrâncias das casas e escritórios, bem como em closes no rosto de seus astros, capazes de mostrarem os dentes inferiores tortos de Johansson e as manchas na pele de Driver. Uma direção sutil, quase observatória, simples e sem maneirismos.

Os coadjuvantes – com destaque para Laura Dern e Ray Liotta , respectivamente como os advogados Nora Fanshaw Jay, adversários responsáveis pelo divórcio do casal – foram muito bem escolhidos, acrescentando camadas à história (aliás, extremamente minimalista). O menino Azhy Robertson, se não se revela um prodígio, sai-se muito bem como o filho disputado dos cônjuges em separação. E, por fim, Julie Hagerty, convence como a mãe “sem noção” de Nicole.

Foto: Divulgação

Mas, na verdade, na análise de História de um Casamento, nada disso importa muito.

O que este filme tem de melhor está na sua mensagem: amores surgem, crescem, florescem, amadurecem… e, eventualmente, decaem e morrem, sem que seja necessário que os seres humanos envoltos no processo também pereçam.

No entanto, durante tal processo, os envolvidos – os amantes – invariavelmente vão do paraíso ao inferno.

Ainda que não seja o desejável, é fato que o sofrimento advindo do término de uma relação afetiva pode muitas vezes destruir a vida da pessoa.

Não à toa, muitos profissionais da Psicologia e Psiquiatria costumam dizer que o fim de uma relação afetiva corresponde ao luto que vivenciamos quando da morte de um ente amado.

Tudo fica absurdamente nebuloso durante a judicialização de um divórcio, principalmente aqueles que surgem de uma relação que um dia foi construída sobre uma base de amor real e que gera frutos (como patrimônio e filhos).

História de um Casamento consegue, sem forçar a barra em momento algum, condensar uma infinidade de problemas reais que ocorrem nesses processos, cujos protagonistas são pessoas reais e comuns, daquelas que encontramos a todo instante ao nosso lado ou que nós mesmo somos. Está tudo lá: os papeis arquetípicos do homem que cede tudo de material para a ex-companheira, como forma de se sentir bem consigo mesmo e/ou de compensar alguma falha na relação (seja isolamento afetivo ou infidelidade conjugal, por exemplo); o filho servindo de desculpa para um atingir e prejudicar os planos do outro (a típica “moeda de troca”), sem olhar de fato para as necessidades da criança; a terceirização da raiva e da animosidade para a figura dos advogados, que se tornam porta-vozes das agressões que o casal muitas vezes quer, mas não consegue verbalizar; o momento da catarse – mais raro! – em que o casal em separação consegue botar tudo pra fora.

Foto: Divulgação

O casal de protagonistas não deixa a peteca cair em momento algum, conseguindo conferir dimensões e camadas aos seus personagens, que nunca são totalmente bons, nem completamente maus. Cada um tem uma motivação legítima e momentos de egoísmo exacerbado, tornando fácil a identificação do público com eles, que têm falhas como qualquer ser humano.

A cena inicial – na qual cada um narra aquilo que ama no outro – já dá o tom da história, nos apresenta aos personagens e mostra o quanto é fácil esquecer as coisas boas que vivemos com outras pessoas.

Já a cena final – de uma meiguice pujante – fez com que me lembrasse na hora da canção Todo Sentimento, que iniciou este artigo. Chega-se, enfim, o “tempo da delicadeza” no qual não se dirá mais nada, pois, tudo foi esquecido, toda mágoa foi embora, e um seguirá o outro, encantado, lado a lado, ainda que cada um no seu próprio canto

Foto: Divulgação

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Nota: 4,5 / 5 (excelente)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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