Críticas
BROOKLYN – SEM PAI NEM MÃE | Crítica do Neófito
Quando surgiu, em 1996, no mediano filme As Duas Faces de um Crime (Primal Fear, estrelado por Richard Gere e dirigido por Gregory Hoblit), o jovem ator Edward Norton, então com 27 anos, deu vida a um psicopata que fingia ter dupla personalidade para fugir da condenação máxima pelo assassinato brutal de um pedófilo arcebispo católico, enganando o experiente e vaidoso advogado de defesa vivido por Gere.
Sua interpretação visceral e impressionante lhe rendeu um Globo de Ouro e a indicação para o Oscar de melhor ator coadjuvante naquele ano, além de notoriedade e a pecha de ser um dos melhores atores de sua geração. Foto: Divulgação
Dois anos depois, em 1998, Norton estrearia o impactante e obrigatório filme A Outra História American (American History X, direção de Tony Kaye), pelo qual ele é indicado ao Oscar de melhor ator e consolida sua imagem de artista incrivelmente talentoso e versátil. Mas, ao mesmo tempo, começa a se firmar, também, sua fama de irascível e “difícil”.
Foto: Divulgação
Passados 10 anos, Edward Norton viria a roteirizar e estrelar O Incrível Hulk para o MCU (2008, direção de Louis Leterrier), mas, apesar do sucesso de público e de integrar o universo compartilhado da Marvel, o longa não alcançou a repercussão desejada, que, somada às desavenças entre o astro e a produção sobre o corte final do filme, acabou por afastá-lo do estúdio, das campanhas de lançamento da obra e reforçaram sua aura de pessoa de personalidade forte e pouco concessiva (por mais que concorde com algumas das alegações do ator/roteirista nesse caso).
Voltando um pouco no tempo, mais precisamente no ano 2000, Norton se arriscou pela primeira vez a dirigir um longa, na leve comédia romântica Tenha Fé (Keeping the Faith), muito bem conduzida e estrelada por ele mesmo e Ben Stiller. Se não foi uma obra-prima do gênero, pelo menos mostrou a boa mão do artista com a claquete.
Foto: Divulgação
Mas, na verdade, a primeira direção de Edward Norton seria o filme baseado no livro de Jonathan Lethem, o romance Motherless Brooklyn (Brooklyn sem mãe, em tradução livre), cujos direitos ele adquiriu em 1999, logo após todo o sucesso de Outra História Americana. No entanto, a produção era ambiciosa, sem que Norton ainda gozasse de prestígio suficiente para que os estúdios se arriscassem em colocar nas mãos de um diretor estreante uma obra de grande magnitude.
20 anos se passaram e, agora, em 2019, finalmente Edward Norton conseguiu lançar seu acalentado projeto, que no Brasil ganhou o título Brooklyn – Sem Pai Nem Mãe (para que o “sem pai” do título, eu nunca vou entender!). Uma superprodução ambientada no ano de 1957, com muitas estrelas e participações especiais, pertencente ao gênero noir, com muito jazz na excepcional trilha sorona, charme transbordante e uma impressionante reconstrução de época. A cena inicial de perseguição sobre uma das muitas pontes de Nova Iorque, por exemplo, deve ter exigido uma logística incrível! A quantidade de carros de época transitando pela extensa ponte é de encher os olhos!
Norton, porém, não apenas dirige o filme: ele também é o roteirista, o produtor e o ator principal do longa, estando presente em absolutamente todos os frames!
Foto: Divulgação
A trama do filme é simples: um detetive particular – Lionel Essrog – portador da Síndrome de Tourette – que lhe provoca tiques e rompantes de falas indesejadas fora do controle – dedica-se a vingar a morte de seu mentor e espécie de “pai postiço”, Frank Minna (Bruce Willis, em rápida participação). Para tanto, ele precisa descobrir o que seu chefe sabia ou tinha em seu poder para justificar seu assassinato. Durante a investigação, Lionel acaba envolto num complexo caso de política, gangsters, clubes de jazz e a femme fatale, Laura Rose, interpretada pela belíssima atriz negra Gugu Mbatha-Raw (absolutamente hipnotizante).
Foto: Divulgação
Os coadjuvantes que orbitam em torno da estrela maior Edward Norton são formados por atores do naipe de Alec Baldwin (como o poderoso político, Moses Randolph); Willem Dafoe (como o complicado Paul Randolph); Bobby Cannavale (como o parceiro de agência de investigação de Lionel, Tony Vermonte); Michael K. Williams (como um exímio trumpetista de jazz); Leslie Mann (como a viúva Julia Minna); Cherry Jones (como a militante e política Gabby Horowitz), além de outros.
Foto: Divulgação
Bruce Willis e William Dafoe – cabe a nota – têm se especializado em participações especiais nos últimos tempos. Willis, aliás, tem demonstrado cada vez mais “tédio” em suas interpretações, como se saísse de casa no piloto automático, apenas para fazer alguma coisa, já que não estava fazendo nada. A participação de seu personagem é de fundamental importância na trama, mas a caracterização do ator definitivamente não deixa nenhuma marca. Já Dafoe é um grande ator, sem dúvida alguma. Apesar de certos trejeitos de corpo e voz já característicos do astro, sua presença em tela é sempre compensadora.
Alec Baldwin compõe um “vilão” típico: arrogante, frio, calculista, ganancioso, inescrupuloso… e político! Seus discursos, falas e atitudes refletem uma crítica mordaz aos tempos atuais e a supervalorização da meritocracia, do pensamento reacionário, do reacender da discriminação e da segregação racial e étnica. A arte, nesse sentido, mostra que irá resistir a essa onda obscurantista disfarçada de liberalismo que se vê hoje em dia.
Gugu Mbatha-Raw é a femme fatale arquetípica a princípio: misteriosa, enigmática e sedutora; mas, por outro lado, mostra-se doce, honesta, sincera, apaixonante e absolutamente linda (e é a segunda vez que elogio efusivamente a estonteante beleza da atriz britânica).
O personagem de Bobby Cannavale é a previsibilidade em pessoa, sendo decepcionante o seu arco.
Foto: Divulgação (“babando” na magnética beleza de Gugu Mbatha-Raw)
Conforme dito, o filme é um requinte em termos de fotografia, trilha sonora, figurino, cenografia, locações, cenários, edição, reconstrução de época, técnica de filmagem. Confesso que procurava erros de continuidade e de montagem – típicos em filmes de época – mas não consegui encontrar nada.
O protagonismo absoluto de Norton, porém, é que, ao mesmo tempo, fortalece e enfraquece o filme do ator/diretor. Tudo gira em torno do personagem, realmente cativante e carismático. A doença dele é composta com competência (e alguns excessos) pelo exímio artista, surgindo de forma orgânica. Contudo, o cuidado na composição e condução de Lionel Essrog é evidentemente muito maior do que o demonstrado com todos os demais personagens do longa, que parecem existir apenas para que ele possa transitar por entre eles.
Ou seja, o ego de Edward Norton parece ser o principal problema de sua obra-prima. A comparação com Cidadão Kane – que também foi roteirizado, produzido, dirigido e estrelado por uma só pessoa, no caso, o gênio Orson Welles – me veio à cabeça assim que terminou a projeção. Enquanto Norton brilha mais do que sua obra Brooklyn – Sem Pai Nem Mãe, o icônico longa de 1941 dilui seu astro no personagem, deixando que a história seja o destaque.
Foto: Divulgação
Ao sair do cinema, a sensação é a de que assistimos a uma produção excepcionalmente cuidadosa; mas, concomitantemente, que se viu a um desenvolvimento de história algo confuso, com personagens muito característicos e sem surpresas, numa obra belíssima esteticamente, com algumas boas intenções e mensagens, mas infelizmente, esquecível.
Ainda não foi desta vez que Norton se destacou como um grande cineasta, apesar de sinalizar estar no caminho certo. Ele, com 50 anos, ainda tem algum tempo pela frente, tanto para receber um merecido Oscar por suas marcantes atuações, como para conseguir realizar, por trás das câmeras, uma obra cinematográfica digna de efusivos aplausos de pé.
(o “Brooklyn” do título se refere não apenas ao famoso bairro de Nova Iorque, mas, também, ao apelido dado ao personagem de Edward Norton pelo Frank Minna, vivido por Bruce Willis)
Foto: Divulgação
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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)
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