Críticas
O JUÍZO | Crítica do Neófito
Foto: Divulgação
Juliana Wallauer e Cris Bartis apresentam o podcast “Mamilos” (o qual recomendo!).
Ao lerem alguns comentários sobre episódios antigos, falaram uma coisa muito relevante: que devemos criticar um programa pelo que ele foi e não pelo que ele poderia ter sido! Uma colocação muito precisa e de importante reflexão para quem se atreve à função de crítico (apesar de eu não me considerar um “Crítico” – do naipe de um Pablo Vilaça, por exemplo – estando mais para um “comentador”).
No entanto, é muito difícil, às vezes, não imaginar como uma obra cinematográfica poderia ter ficado caso o diretor tivesse tomado algumas decisões diferentes com relação ao seu filme.
O Juízo – filme de Andrucha Waddington, a partir de um roteiro de Fernanda Torres – causou essa sensação de que, com algumas decisões diferentes, o filme poderia ter explorado mais seu potencial – ressaltado pela boa premissa e ótimo elenco – e sido mais bem sucedido em seus objetivos.
Foto: o casal Andrucha Waddington e Fernanda Torres (mera divulgação)
Pertencente ao recém descoberto gênero terror do cinema nacional (como Morto não Fala, Animal Cordial, As Boas Maneiras etc.), O Juízo tem um enredo interessante, que envolve um escravo traficante de diamantes do final do século XIX chamado Couraça (muito bem interpretado por Criolo) e sua filha Ana (Kênia Bárbara, que entra muda e sai calada), covardemente traídos por um fazendeiro, o que acaba causando suas mortes. Já no presente, descendentes desse fazendeiro – Augusto (Felipe Camargo), sua esposa Tereza (Carol Castro, linda!) e seu filho Marinho (Joaquim Torres Waddington) – resolvem se mudar para a abandonada fazenda numa suposta tentativa de reconstruir a vida de Augusto, que ficou desempregado, acidentado e com problemas com álcool. Mas, uma vez instalados no local, eles serão vítimas da vingança do fantasma de Couraça e Ana (e isso não é Spoiler, já que consta da sinopse do filme).
Não se pode também negar que Andrucha sabe conduzir bem sua câmera e criar o clima que melhor lhe aprouver, tirando de seus atores interpretações convincentes e sinceras. Mas os acertos param por aí.
A belíssima locação com lindas externas panorâmicas – muitas delas gravadas na cidade de Barra do Piraí-RJ – são prejudicadas pela fotografia constantemente escura e acinzentada, com preferência por sequências sempre com céu nublado (parece que lá nunca tem um dia ensolarado) ou noturnas. A enorme fazenda se constitui quase que num personagem também, mas é sempre filmada com excessivas sombras (o que é explicável pelo gênero, mas que faz perder muito de sua beleza e organicidade).
Foto: Divulgação
A montagem e edição também promovem cortes súbitos em cenas que poderiam ter sido um pouco mais alongadas e detalhadas (olha só o exercício “do que poderia ter sido”!).
Os personagens são literalmente “jogados” na tela, sem maiores explicações, o que dificulta a identificação com os mesmos. Carol Castro, nesse sentido, sai-se melhor, pois, sua personagem – mulher e mãe amorosa e compreensiva – apesar de arquetípica, encontra uma intérprete dedicada e entregue e, paradoxalmente, mais verossímil.
Felipe Camargo também se entrega ao personagem Augusto, não escondendo suas rugas e marcas de idade (estando muito bem, aliás, para um quase “sessentão”!). Todavia, o desenvolvimento do homem derrotado, alcoólatra e ganancioso, que continua a tomar decisões equivocadas atrás de decisões equivocadas até se tornar presa fácil do vingativo fantasma é bastante prejudicado por uma falta de maior detalhamento sobre o personagem em si. Se, em alguns casos, o didatismo de ficar explicando demais representa uma subestimação da capacidade de compreensão do público, o excesso de elipses narrativas, contudo, pode significar simplesmente falha de roteiro. Alguns comportamentos de Augusto só vão ser melhor compreendidos a partir da leitura da sinopse do filme, o que se mostra um erro significativo, já que o filme deveria se sustentar, narrativamente, por si próprio. A evolução gradativa da sanidade à loucura/possessão do personagem é bem conduzida pelo diretor e ator, mas algumas lacunas ficam evidentes nessa trajetória.
Foto: Divulgação
O Marinho de Joaquim Torres Waddington – não à toa, filho do diretor com a roteirista – ganha um espaço em tela um pouco maior do que o esperado, muitas vezes aparecendo apenas para mostrar os múltiplos dotes, como saber atuar, ser um bom nadador, tocar piano e violão virtuosamente. Ele não se sai mal, mas ainda lhe falta um pouco de maturidade artística.
A participação de Fernanda Montenegro, como a espírita Marta Amarantes (que lembra muito sua personagem Mercedes da novela global Do Outro Lado do Paraíso) só se explica pelo fato de o filme ser uma obra de sua filha e genro e nada mais; bem como a ponta de Lima Duarte como o ourives meio amalucado Costa Breves, que deve ter topado compor o elenco por causa da amiga atriz de longa data.
Foto: Divulgação
O Dr. Lauro de Fernando Eiras é bem fraquinho!
Quem se destaca com poucas, mas marcantes falas é, sem dúvida, Criolo. Sua composição de Couraça é sombria na medida certa e apesar do objetivo sinistro e vingativo do personagem, não como não compreender sua motivação.
Kênia Bárbara é figurante de luxo no meio de tantas estrelas, limitando-se ao papel de fantasma sedutor e sempre calada.
Foto: Divulgação
O roteiro do filme ainda apresenta outras falhas, como atitudes sem lógica dos personagens (por que, diabos, Augusto não foi – como disse que ia – à companhia de energia elétrica ligar a luz da fazenda, que até geladeira possui? Só se for para manter o local escuro e ajudar no clima de terror!); tomadas absolutamente inúteis (Carol Castro deitada numa bela raiz de árvore fazendo “nada”); entre outras coisas que não se pode contar sob pena de revelar algumas surpresas do longa.
A opção de Andrucha por grandes closes constantes no rosto dos atores reforça o trabalho dramatúrgico, mas por outro lado chega a cansar de tanto que é utilizada.
De qualquer forma, o diretor faz milagre com o claro baixo orçamento, optando por efeitos práticos, cortes estratégicos, imagens sobrepostas e truques de filmagem para as cenas de suspense e sobrenaturais.
A trilha sonora por conta de Antônio Pinto, Yaniel Matos e André Namur é constantemente tensa, entristecida e dissonante, até mesmo quando Marinho resolve tocar uma peça ao piano, tornando o que poderia ser um momento de respiro em mais um elemento a compor o clima pesado e ameaçador.
Alguns clichês dos filmes de suspense/terror estão presentes, mas bem adaptados à condição das filmagens e ao gosto do “cinema nacional”; já o amor entre Augusto e Tereza acaba tendo que ser “aceito” pela plateia, mas falta uma maior química entre os atores (não por falta de competência dramatúrgica), para tornar isso mais evidente. O mesmo ocorre com relação ao amor paternal, que também oscila entre o verossímil e o forçado.
Outro pequeno incômodo está no foco na ganância de Augusto, que, determinante para trama, surge de forma súbita, na forma de um “carma” familiar.
Por fim, O Juízo se enquadra num bom esforço do cinema brasileiro para apresentar uma obra de suspense/terror sem ser “gore”, mais na linha de Os Outros e O Sexto Sentido, do que Sobrenatural e A Freira; isto é, o longa possui pretensões artísticas mais sólidas, para além de simplesmente querer causas medo e sustos.
Infelizmente, fica-se uma sensação de que o filme não conseguiu explorar todo o seu potencial.
Mas, como temos que julgar o que vimos e não o que poderíamos ter visto, uma nota de “bom” lhe cai bem.
Foto: Divulgação
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Nota: 3 / 5 (bom)
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