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Críticas

O IRLANDÊS | Crítica (tardia) do Neófito

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 Foto: Divulgação

Convidado para dirigir Coringa – famoso palhaço vilão da DC Comics – o grande diretor, Martin Scorsese (A Última Tentação de Cristo, Os Bons Companheiros, Silêncio), envolvido no projeto desde 2017, fosse como produtor ou roteirista, preferiu deixar a produção do longa a cargo de sua colaboradora de longa data, Emma Koskoff, e – o que se mostrou acertado – a direção a cargo de Todd Phillips, que fez história ao conceber o filme para maiores de 18 anos mais lucrativo da história do cinema até agora, rompendo a barreira do 1 bilhão de dólares.

Foto: Divulgação

Quase que simultaneamente ao lançamento do filme de origem do arqui-inimigo do Batman, o diretor de Touro Indomável (1980), Cassino (1995), Os Infiltrados (2006), entre outros, falou, a respeito dos filmes da Marvel, que “isso não é cinema”, declaração que repercutiu como uma bomba no mundo do entretenimento mundial.

Tal afirmativa pode representar uma crítica ao “cinema de massa”, quase pasteurizado, preso numa fórmula de sucesso que cercearia a liberdade do diretor e da mensagem que ele, quiçá, desejasse transmitir por meio do filme; pode ser uma jogada de marketing para promover a produção da DC em detrimento do arrasa-quarteirões da Marvel; mas, por outro lado, pode também ser encarada como uma demonstração de arrogância por parte do indiscutivelmente talentoso diretor novaiorquino de 77 anos de idade e seminal importância para o cinema moderno. Afinal, seus filmes, então, seriam muito superiores aos blockbusters, correto? Seria mera constatação, arrogância ou despeito?

Foto: Divulgação

Bom, o fato é que, durante todo esse rebuliço, o diretor de Taxi Driver (1976), A Invenção de Hugo Cabret (2011) e O Lobo de Wall Street (2013), dedicava-se à montagem final de sua próxima obra cinematográfica, o filme O Irlandês: caríssima produção do Netflix (159 milhões de dólares), que, contando com mais uma colaboração entre o diretor e o astro Robert De Niro (num total de nove) – além de Al Pacino (Jimmy Hoffa), Joe Pesci (Russell Bufalino), Harvey Keitel (Angelo Bruno), Bobby Cannavale (Felix “Navalha Fina” DiTullio) Anna Paquin (Peggy Sheeran, que entra muda e sai calada) – narra a história real do sindicalista-mafioso, Frank Sheeran (De Niro), que teria sido o assassino do famoso líder sindical Jimmy Hoffa (papel de Al Pacino), desaparecido em 1975.

Foto: Divulgação (os atores caracterizados e fotos das pessoas reais que interpretaram no filme)

Enquanto Steven Spielberg defendia que os filmes do Netflix não teriam o direito de concorrer ao Oscar, Scorsese se rendia ao canal de streaming para realizar sua obra de maior orçamento até então, que seria lançada discretamente em algumas poucas salas de cinema, no objetivo de cumprir os requisitos da Academia de Cinema de Hollywood para concorrer à maior premiação da sétima arte.

E o que pode ser dito a respeito de O Irlandês?

A crítica especializada, de maneira geral, tem adjetivado o longa como “excelente”, “épico”, “obra-prima” etc., enquanto o agregador Rotten Tomatoes – que também foi alvo de severas críticas de Martin Scorsese – apresentou nota positiva de 86% por parte da audiência e, os críticos, 96% de aprovação ao novo épico de gangster do renomado diretor.

Aliás, aí está um detalhe que faz total diferença ao se analisar este último filme de Scorsese: trata-se mais um “filme de gangster” – como Bons Companheiros (seu maior sucesso de público até hoje), Cassino (e suas longas 3 horas de duração) e Os Infiltrados (que finalmente lhe rendeu o Oscar de melhor direção) – que o septuagenário cineasta concebeu.

Não há o que se discutir em termos de aspectos técnicos. Cenografia, locações, reconstrução de época, sem retoques. A direção de fotografia de Rodrigo Prieto é clara, nítida e envolvente. A trilha sonora – responsabilidade de Robbie Robertson e Seann Sara Sella – é impecável e transmite todo o clima necessário ao filme. Os efeitos especiais que a Industrial Light&Magic (do amigo e parceiro de “movie brats” dos anos 1970 de Scorsese, George Lucas) criou para o rejuvenescimento e envelhecimento do rosto e corpo dos atores é de extrema competência, em nenhum momento parecendo artificial, bem como as sequências de assassinatos – cruas e desglamourizadas. O nível da atuação dos vários astros e artistas que passam pela tela é inquestionavelmente acima da média, o que já é uma marca registrada de Scorsese (responsável pelo lançamento de Jodie Foster, em Taxi Driver; da melhor atuação de Sharon Stone, em Cassino; e de ter relevado Margot Robbie, em O Lobo de Wall Street). Merece destaque a caracterização contida e calma que Joe Pesci – famoso pelo seu irascível Tommy DeVito de Os Bons Companheiros – para o chefe mafioso Russell Bufalino, que mesmo ordenando as maiores atrocidades – como a morte de um desafeto na frente de seus filhos menores e o assassinato de Jimmy Hoffa pelas mãos de seu melhor amigo, Frank Sheeran – consegue atrair a empatia do público (e isso não é spoiler, já que integra a biografia de Sheeran).

Foto: Divulgação

O manejo de câmera de Scorsese também é irretorquível, oscilando em closes, cortes rápidos e pequenos planos sequências, transições criativas, sequências emotivas, cômicas e de violência gráfica seca (os assassinatos, como dito acima, são mostrados sem qualquer glamour, executados com rapidez, competência e altíssima dose de realismo).

O roteiro também é muito bem escrito, desenvolvendo os personagens de forma lenta e gradual, sem pressa, criando tensão nos momentos certos e nunca deixando as 3 horas e meia do longa parecerem monótonas ou desnecessárias.

Com isso tudo, é de se esperar que esta análise também atribua ao filme a pecha de obra-prima, correto?

Bom, contrariando todas as expectativas – e submetendo-me ao apedrejamento público – apesar de todos os aspectos positivos do filme, preciso admitir que, ao começar os letreiros finais, fiquei com a nítida impressão de ter assistido a um derivado de Os Bons Companheiros, este sim, uma verdadeira obra-prima de Scorsese (ao ponto de tê-lo estigmatizado).

Não há nada de realmente “novo” em O Irlandês.

A história é uma típica história de máfia, com seus desdobramentos triviais, seus personagens dúbios, capazes de amar a família e orar a Deus fervorosamente, mas ao mesmo tempo surrar ou atirar na cabeça de alguém sem maiores dores de consciência. Diálogos que sempre estão carregados de duplo sentido e tensão, típico de homens que nunca podem de fato “baixar a guarda”. Lealdade, amizade e violência, tudo na mesma receita.

Ou seja, nada que Cassino e Os Infiltrados (e o já exaustivamente mencionado Os Bons Companheiros) já não tivesse mostrado.

Há, evidentemente, alguma mudança na abordagem de certos aspectos do gênero filme de gangster, mas, no geral, O Irlandês não representa algo inovador como foi, por exemplo, A Última Tentação de Cristo, na filmografia de Scorsese, seja em termos de abordagem, de tema, ou de direção.

Se os efeitos visuais são competentes para mostrar o rosto de De Niro, Pesci e Pacino quarenta anos mais novos, o mesmo não pode ser dito a respeito da postura física dos mesmos, por conta da própria caracterização e atuação dos artistas. Fica patente que algumas cenas não se concatenam com a movimentação de homens quase na casa dos 80 anos (Joe Pesci e De Niro, com 76 anos; Al Pacino, com 79), como na sequência em que Sheeran espanca um comerciante, e na qual fica evidenciada a artificialidade dos movimentos de De Niro, incompatíveis para um violento gangster na casa dos 30 anos de idade. Al Pacino, o mais velho ator da turma, por incrível que pareça, é o que mais convence ter o vigor de um homem de meia-idade, inclusive em cenas de briga com o maior desafeto de Hoffa, Anthony Provenzano (interpretado por Stephen Graham).

Foto: Divulgação

Novamente, as mulheres têm um papel absolutamente secundário na trama de gangster, apesar de que, cobrar uma abordagem diferente, poderia gerar a acusação de anacronismo. Mas, ao final do filme, tirando a participação de Anna Paquin como Peggy Sheeran (filha mais nova de Frank Sheeran, cujo arco dramático é construído com competência), não conseguia me lembrar de nenhuma outra personagem feminina!

De modo que, apesar de esteticamente belíssimo e muito bem atuado e filmado, O Irlandês de Martin Scorsese, apesar das notórias ambições do diretor, apenas mostra seu talento para o gênero de filme que o notabilizou, sendo mais do mesmo, todavia, dentro do seu invejável currículo como cineasta.

A crítica muito atual de Coringa acaba se tornando mais relevante que a “mensagem” de O Irlandês. E Vingadores: Ultimato, pode não ser “Cinema” (com “C” maiúsculo), mas é muito mais divertido de encarar com a família toda.

Foto: Divulgação

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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