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Críticas

NÃO OLHE PARA CIMA – e, talvez, nem para o seu lado… | Crítica do Neófito

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“Não Olhe para Cima” é um bordão magnífico, metáfora para uma série de outros possíveis, neste mundo atual.

Se você não quer ver que um cometa do tamanho do Monte Everest está vindo em direção à Terra para destruir toda a vida nela existente em questão de meses, simplesmente, “não olhe para cima”! Ignore! Finja que a ameaça não existe. Afinal, como diz outro ditado, “o que os olhos não veem, o coração não sente”!!

Do mesmo modo, se você não quer acreditar que uma pandemia mundial de vírus respiratório está matando milhões pelo mundo afora, simplesmente, “não veja os jornais”, não se inteire dos dados, apenas leia as mensagens das “tias do WhatsApp”!

Se você não quer se vacinar, o melhor que se tem a fazer é “não olhar os dados científicos”, trazidos pelos institutos que há décadas se dedicam a esse tipo de ciência – como o Butantan ou a Fiocruz aqui no Brasil – e, principalmente, não leia nada publicado pela OMS! Prefira, apenas, os grupos especializados em negar a vacina, com argumentos do tipo de que “elas são experimentais, por terem sido produzidas muito rapidamente”; que “‘várias’ pessoas que as tomaram estão morrendo”; “que vacinas alteram o DNA”, sendo a “marca da Besta apocalíptica”; “que elas provocam AIDS” ou qualquer coisa do tipo. Muito importante participar apenas de grupos negacionistas bem específicos!

Se você não quer admitir que errou ao eleger para liderança de seu país alguém que, apesar de dizer que era antissistema, sempre participou de partidos altamente pertencentes e caracterizadores do “sistema”; que sempre flertou com o fascismo; que não tinha propostas governamentais claras; que sempre defendeu garimpo, armas, desmatamento e coisa do tipo, além de ter criado uma dinastia política na sua família e praticado peculato a rodo, “não olhe para os zilhões de vídeos dele na internet que mostram tudo isso com cristalina clareza”.

Se você não quer admitir que uma catástrofe ambiental mundial está prestes a dizimar talvez milhões de vidas ou até mesmo tornar a sobrevivência biológica na Terra inviável, “não olhe para os dados dos ambientalistas” – além de os chamar de “ecochatos”, “ecoterroristas” ou “comunistas” – acreditando, por conseguinte, no “Globalismo”, aquela conspiração fantástica e “onipresente” dos “comunistas” para tirar a autonomia dos países, mudar o “modo de vida judaico-cristão” e acabar com a “família tradicional”. Ignore que políticas internas em uma economia globalizada têm alcance limitado.

Essas e muitas outras situações e discussões sérias do mundo contemporâneo se encaixam com perfeição na ácida crítica social constante em Não Olhe para Cima. A metáfora é quase explícita, e tão direta, que muita gente não concorda que o mais recente filme produzido pela Netflix e protagonizado por um verdadeiro panteão de estrelas hollywoodianas, trate-se de uma comédia, haja vista a alta dose de ironia para retratar o cenário do mundo presente.

A história, como adiantada no primeiro parágrafo, fala da inquestionável descoberta de dois cientistas astrofísicos sérios e dedicados – a doutoranda Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) e o Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) – de que gigantesco cometa se encontra em rota de colisão direta com a Terra para indubitavelmente provocar a extinção total da vida no planeta, no prazo de pouco mais de 6 meses, tempo, todavia, mais que suficiente para a tomada de atitudes que evitem o evento apocalíptico.

No entanto, as autoridades capazes de fazerem alguma coisa a respeito – ou seja, agirem de forma a beneficiar toda a coletividade – ao invés de pararem tudo para salvar vidas, preferem “sentar e avaliar”; primeiramente cuidando da própria carreira política (e de seus parentes mais próximos, como os filhos); preocupando-se com a indicação do novo ministro da Suprema Corte “amigo do Presidente” e afinizado com sua ideologia; ou com escândalos envolvendo seu “passado sexual”; ou, ainda, com as próximas eleições legislativas, que lhe garantam maioria no Congresso. E juro que esta última parte não é uma coletânea de reportagens atuais do noticiário nacional, mas o explícito texto do roteiro do filme!

Ou seja, Não Olhe para Cima é o retrato de seu tempo. Caso em que a própria indústria do entretenimento se autocritica de maneira mordaz (enquanto, paradoxalmente, fatura milhões com isso). Lembra a ideia de Mark Fisher em seu livro “Realismo Capitalista”, de que as estruturas neoliberalistas se criticam a si mesmas como forma de se manterem hegemônicas, mostrando que o sistema não é perfeito, mas ainda é o melhor que existe.

Foto: Divulgação (mãe, filho e o espírito de porco…)

Mas a crítica é tão ácida e direta, além de tão óbvia e realista, que o filme atraiu verdadeira constelação de estrelas para seus papeis principais, secundários e participações especiais. Assim, além dos já citados Leonardo CiCaprio e Jennifer Lawrence, o longa conta com a sempre fabulosa Meryl Streep, no papel da Presidente Janie Orlean, verdadeiro amálgama de vários líderes extremistas atuais, sempre escudada pelo filho Jason (papel de Jonah Hill), o claramente incompetente chefe do gabinete presidencial (onde é que já se viu isso na vida real??). Há, também, Cate Blanchett, transfigurada de maquiagem, para dar corpo à ninfomaníaca e vaidosíssima apresentadora de notícias manipuladas em programa de tv matinal, junto a Tyler Perry (o âncora Jack Bremmer). Mark Rylance interpreta Peter, diretor da maior empresa de comunicação do planeta (espécie de Steve Jobs com Jeff Bezos, mais Elon Musk e Véi da Avan), e doador-master de campanha da Presidente, o que lhe dá poder de literalmente mandar na maior autoridade do mundo e definir os rumos do planeta.

Em participações especiais, tem-se Ariana Grande, dando corpo a uma estrelinha mimada da música pop, cujo tumultuado romance com o DJ Chielo (Kid Cudi) repercute muito mais nas redes sociais do que a notícia do fim do mundo; Timothée Chalamet, como interesse romântico da (quase doutora) Kate Dibiaski; Ron Perlman, dando vida ao típico republicano-sulista, militar branco, hétero, de meia-idade e extremamente conservador e preconceituoso e homofóbico Coronel Ben Drask; e até Chris Evans dá as caras, na rápida ponta  como o ator Peter Isherwell, estrela fictícia de um filme que mostra a extinção do planeta por um cometa (mais metalinguístico impossível!).

Foto: Divulgação (nada como uma imprensa profissionalmente marrom)

A sucessão de situações caricatas, porém muito claramente identificáveis na vida real – como a utilização do FBI (a “PF” norte-americana) para abafar as notícias e pessoas politicamente desagradáveis ao governo – mesmo com o típico e sutil “British Humor” (apesar do filme ser estadunidense), acaba por gerar incômodo durante a projeção. Mas, ao que tudo indica, esse era o objetivo da produção: incomodar; provocar reflexões; estimular a identificação.

O diretor, Adam McKay, é experiente em comédias e em filmes de ação (como Homem-Formiga, do MCU), mas não é nada sutil nas suas “piadas”, em Não Olhe para Cima. Focando todas as suas fichas no seu excelente cast, ele extrai intepretações acima da média até dos “não atores”. Os efeitos especiais são econômicos e apenas o suficiente para dar a ideia que o filme quer passar, bem como a fotografia minimalista e convencional. A trilha sonora se destaca, também, pela ironia das composições originais ou apenas reproduzidas e citadas. A direção de arte, porém, é impecável.

Tudo no filme é colocado a serviço da história e da crítica que se quer fazer através dela. Por isso mesmo, trata-se de comédia seca, feita para não se dar gargalhadas, que não deve agradar a muita gente.

Mas é quase obrigatória assistir a Não Olhe para Cima.

Ou seja, “olhe para seu menu da Netflix” e escolha esse ótimo filme.

E boa viagem, tripulantes!

Foto: Divulgação (o que você faria se soubesse só ter mais 6 meses de vida?)

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Nota: 4 / 5 (ótimo)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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