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Críticas

EU ME IMPORTO | Crítica do Neófito

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Até 2014, a bonita atriz Rosamund Pike era genericamente conhecida por haver integrado o elenco das mais variadas produções hollywoodianas, como a bond girl de 007 Um Novo Dia para Morrer (2002), uma das irmãs Bennet da adaptação cinematográfica do romance de época Orgulho e Preconceito (2005), ou coadjuvante na comédia escrachada Heróis de Ressaca (2013). Era o tipo de artista de cujo rosto era fácil se lembrar ao se rever, mas sem que se conseguisse relacionar a uma obra marcante.

Isso tudo mudou em 2014, quando brilhantemente estrelou, ao lado de Ben Affleck, o excecional Garota Exemplar, numa interpretação que lhe rendeu a indicação ao Oscar de melhor atriz daquele ano. A partir daí, Pike passou a protagonizar as produções das quais participava, sempre buscando manter o alto padrão alcançado com o longa dirigido por David Fincher, com destaque, por exemplo, para o competente Uma Guerra Pessoal (2018), cinebiografia tocante da repórter de guerra Marie Colvin. Sua entrega física e emocional na composição da correspondente do The Sunday Times, morta em 2012 durante a cobertura do Cerco de Homs, na Siria, merecia mais destaque e premiações.

Foto: Divulgação (em destaque, “Garota Exemplar”; de cima pra baixo: “007”, “Orgulho e Preconceito”, “Heróis de Ressaca”)

Com a recente estreia de mais uma distribuição da Netflix – o longa Eu Me Importo (I Care a Lot) ­– também protagonizado por Rosamund Pike, parece, cada vez mais, que a talentosa atriz começa a ficar presa ao estereótipo da mulher forte, manipuladora, inescrupulosa, meio psicopata e extremamente determinada como era a Amy de Garota Exemplar.

A Marla Grayson que Pike vive em Eu Me Importo lembra muito Amy: com pequenas diferenças, as duas personagens são mulheres capazes de atos bastante questionáveis e proezas incríveis para concretizar seus ideais de felicidade. As diferenças ficam por conta da concepção delas: enquanto Amy é uma dona-de-casa da periferia norte-americana, heterossexual, presa a um casamento aparentemente limitador e que, apesar da argúcia, era ingênua a ponto de ser enganada por terceiros mal intencionados, Marla é uma sofisticada empresária, homossexual, independente, ilimitadamente ambiciosa e altamente imoral. Amy, em nome de sua ideia de liberdade, passa por cima de quem for necessário (inclusive assassinando friamente); ao passo que Marla não tem nenhuma dor de consciência em internar velhinhos ricos e desprotegidos em caros asilos (verdadeiras penitenciárias de luxo) para poder expropriar cada centavo possível deles. Mas em termos de encaminhamento das personagens, elas se parecem em demasia, com Marla representando uma espécie de Amy que tivesse dado certo e conseguido se reconstruir após a fuga inicial de seu marido. Esse aspecto empobrece quem assistiu às duas produções, mas não pesa tanto para quem vier a conhecer a atriz apenas pelo filme da Netflix.

Desse modo, passando a analisar exclusivamente Eu Me Importo, trata-se de caprichado drama/suspense, bastante econômico na sua produção, mas ao mesmo tempo muito competente no seu visual, figurino, cenografia e fotografia. Todo o elenco de apoio a Rosamund Pike se sai bem na sua performance, passando pela bela Eiza González (Fran, companheira afetiva de Marla), a sumida Dianne Wiest (dando vida à misteriosa Jennifer Peterson) e o enormemente talentoso – e eterno Tyrion LannisterPeter Dinklage (no papel do enigmático Roman Lunyov).

A história de Eu Me Importo descreve as manobras da já citada Marla Grayson, uma “curadora judicial profissional”, para conseguir, à custa da comprada colaboração de algumas pessoas estratégicas e de um juiz incrivelmente manipulável, ser nomeada a curadora legal de velhinhos ricos, mas quase sempre solitários, internando-os em um asilo parceiro, e dos quais passa a vender os bens e esvaziar as economias, dizendo agir em prol do bem estar deles.

O total descaramento e falta de empatia da personagem pelos idosos desamparados – que após a internação perdem contato com o resto do mundo, inclusive filhos, parente e amigos – sempre emoldurados pelos belos sorrisos condescendentes de Marla, a tornam, de cara, uma das mais odiáveis figuras femininas de Hollywood dos últimos tempos (mais um ponto para Pike, que parece se divertir com a maldade inescrupulosa de sua personagem). Talvez esse seja outro ponto que a afasta da já mencionada Amy, no sentido de que esta lutava para se livrar das encrencas em que se metia, enquanto Marla age de forma deliberadamente má e interesseira.

Acostumada às parcas resistências aos seus esquemas – e cega de ganância – Marla acaba topando com Jennifer Peterson (Dianne Wiest), supostamente uma “cereja” de vítima, por ser uma senhora a morar sozinha, cheia de bens, dinheiro, carrões e aparentemente sem nenhum parente vivo.

Foto: Divulgação

Só que não!

Jennifer, na verdade, é mãe do perigoso gangster vivido por Dinklage, tão ou mais maligno que Marla. O embate entre os dois personagens vai dar o tom do restante do filme, e é aí que o roteiro desliza em vários pontos. Afinal, o gangster internacional multimilionário se mostra de uma incompetência extraordinária, provavelmente cercado do pior plantel de bandidos que Hollywood foi capaz de conceber de uma só vez! Qualquer traficante de morro do Brasil conseguiria fazer mais com menos! Em compensação, Marla se mostra uma mulher completamente destemida e quase superpoderosa, capaz de sair por cima das mais complicadas situações.

Foto: Divulgação

No desenrolar do filme, o espectador pode começar a ficar bastante frustrado com a sequência de eventos inverossímeis e convenientemente coincidentes, num sentimento diretamente proporcional à crescente raiva que Marla consegue despertar  por ser quem é e fazer o que faz. Se o diretor J. Blakeson (A 5ª Onda) queria provocar essa sensação de incômodo no espectador, ele claramente foi bem sucedido.

Contudo, em termos de mensagem, Eu Me Importo, por mais que se possa dizer que critique o American Way Life, o American Dream e a ambição desenfreada como motor do mundo – e, muito levemente, a fácil manipulabilidade do sistema judiciário e os problemas da terceira idade – ao final, quando anunciava um final amargamente hedonista, optou pela escolha de uma conclusão autotutelar, o que acaba por gerar um gosto ruim de vingança na boca e uma maior desilusão com a sociedade que o homem conseguiu construir para viver de forma minimamente civilizada.

Em conclusão, o longa estrelado por Rosamund Pike tem alguns méritos e consegue criar dois personagens incrivelmente antipáticos para o panteão hollywoodiano, mas também apresenta alguns problemas estruturais que o impedem de ser tudo o que poderia ser.

Apesar da esmagadora crítica positiva mundial – talvez pela escassez de mais variadas opções boas neste período pandêmico – na opinião do Nerdtrip, Eu Me Importo vale uma olhada, mas não muito mais do que isso.

Foto: Divulgação

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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