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Críticas

RELATOS DO MUNDO | Crítica do Neófito

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Paul Greengrass é o brilhante cineasta por trás dos excelentes Supremacia Bourne (2004) e Ultimato Bourne (2007) – longas que estabeleceram a revolução estética dos filmes de espionagem e ação de Hollywood – e por quase ter dirigido um excepcional roteiro de adaptação de Watchmen para os cinemas, que contaria com Arnold Schwarzenegger no papel de Dr. Manhattan.

Tom Hanks é conhecido… bom, o bi-oscarizado Tom Hanks (melhor ator em Philadelphia, 1993; e Forest Gump, 1994), dispensa maiores apresentações, tendo no currículo uma enorme fila de ótimos a bons filmes e poucos deslizes na carreira. Inquestionavelmente, um dos mais bem sucedidos atores de sua geração.

O diretor e o astro hollywoodiano já haviam trabalhado juntos no impactante e tenso Capitão Phillips (2013), de modo que, quando foi anunciada a nova reunião dos dois no western Relatos do Mundo – cara e ambiciosa produção da Universal Pictures a ser distribuída mundialmente pela Netflix e baseada no romance sem tradução para o português News of the World, de Juliette Jiles – as expectativas foram lá para cima.

Expectativas, essas, felizmente atendidas com sobra!

Foto: Divulgação (Paul Greengrass, Tom Hanks, Helena Zengel)

Relatos do Mundo (mais apropriado seria Notícias do Mundo) é um filme sensível e tremendamente bonito, na linha dos faroestes reflexivos, tais como Os Imperdoáveis (1992). Narra a peculiar história do fictício Capitão Jefferson Kyle Kidd (Hanks) que, no ano de 1870, ganha a vida indo de cidade em cidade do velho oeste norte americano (ou “sempre para o sul”) para ler notícias de jornal para o racista, analfabeto, sofrido, derrotado e magoado público sulista recém saído da Guerra da Secessão (1861-1865). Nessas andanças, o claramente amargurado Capitão Kidd topa com um preto enforcado, uma diligência destruída e, nos destroços, uma menina lourinha e sardenta que ele descobre ser a descendente de alemães, Johanna Leonberger (a revelação germânica de 12 anos, Helena Zengel), que só fala o idioma Kiowa, por ter ficado órfã ao ser sequestrada ainda muito nova pelos índios, que a criaram, até também serem chacinados. Ao que tudo indica, Johanna (ou Cigarra, seu nome indígena) estava a caminho das comunidades alemãs situadas no meio oeste sulista dos EUA, onde encontraria seus tios.

Tomado por enorme senso de dever, Capitão Kidd se sente na obrigação de levar em proteção a jovem desnorteada até seus parentes vivos, numa localidade que, por ironia do destino, fica situada próxima a San Antonio, a cidade natal do ex-militar, e onde estava sua esposa, a quem misteriosamente não via desde a guerra.

Foto: Divulgação

O ‘road-western-movie’ que se desencadeia a partir daí pode soar parecido com diversas outras obras similares, que mostram um lobo solitário protegendo uma criança por território inóspito e hostil. A comparação com filmes como O Profissional (1994), Bravura Indômita (2010) ou principalmente o recente O Céu da Meia Noite (2020) é inevitável, quase sendo uma espécie de subgênero do cinema estadunidense. O que diferencia Relatos do Mundo dos demais não é a conclusão da trajetória – bastante previsível e convencional, diga-se de passagem – mas a jornada (física e emocional) dos personagens principais, e como eles vão construindo, pouco a pouco, uma relação de confiança, empatia e cumplicidade.

Lógico que – como se trata de um filme hollywoodiano – o longa terá alguma tensão, ação e perseguição e – por se tratar de um faroeste – confrontos e tiroteios, mas sempre retratados de maneira realista (ou seja, não espere duelos ao pôr-do-sol ou mortes ‘limpinhas’).

Foto: Divulgação

A sensibilidade da direção de Greengrass se mostra feliz em trazer subcamadas para a trama, que dialoga com o mundo e época atuais. Ao retratar a intolerância racista dos povos do sul dos EUA pós-guerra civil, inseridos num quadro de quase miserabilidade e de estratosférico abismo social com o rico nordeste, o cineasta, ao invés de apresentar estereótipos caricatos e vazios dos sulistas, optou por ser empático para com as reivindicações daqueles norte-americanos (não conivente!), abrindo espaço para o diálogo e a reflexão, perfeitamente cabíveis na contemporaneidade, ainda marcada pelo racismo, intolerância, polarização e desigualdade social. A pobreza retratada e a aridez do deserto estadunidense são tanto símbolos do mundo (óbvio), quanto da vida humana.

Os índios, no filme, representam o elemento estranho e temido, que fala uma língua estranha, tem hábitos diferentes e tenta resistir, com força, à tomada, à força, de suas terras e costumes; quase um retrato das minorias ainda hoje existentes, em busca de espaço e representatividade na sociedade que se construiu e se impôs ao seu redor. Enquanto o homem branco e aparentemente civilizado sempre aparece dotado de grande violência contra seu próprio semelhante, o odiado indígena, todavia, é aquele capaz de ser receptivo e sensível ao diferente, como fica claro na cena da tempestade de areia. Além disso, faz-se uma crítica da caminhada do homem branco – capitalista, liberal e meritocrático – que só caminha “em linha reta”, evitando olhar para trás, desconectado de sua história (passado), focado exclusivamente na performance e voltado para  a próxima meta, o futuro (algo muito bem desenvolvido no livro “Sociedade do Cansaço”, de Byung-Chul Han). Isso é tão forte nesse homem moderno (desde a conquista do Oeste) que a ótica indígena – de integralidade, de se fazer parte da natureza, de tudo estar abraçado e entrelaçado – é incompreensível, algo que é lindamente retratado em outra cena de tentativa de diálogo entre os dois personagens principais.

Em termos técnicos, a reconstrução de época – seja mecânica ou digital – é fabulosa, com capricho especial nos detalhes do período retratado e a atmosfera de precariedade, pobreza e sujeira das recém criadas cidades norte-americanas. O cenário – que é quase um personagem do filme – é de tirar o fôlego, realçado pela bela fotografia de Dariusz Wolski. A trilha sonora é sutil e de enorme bom gosto, sempre inserida baixinho, para compor o clima e ressaltar o estado de espírito dos personagens, mas nunca atrapalhando de forma invasiva a narrativa.

Foto: Divulgação

O final pode parecer bobinho para alguns, mas é o que se esperava da história da jornada do herói do Capitão Kidd e de Johanna, passando a mensagem que o enredo queria contar, no sentido de que temos que caminhar completos, com nossas dores e perdas servindo de alicerce para futuras alegrias e conquistas. Nem sempre dá para caminhar somente para frente…

Um tiro certeiro da nova – e se espera que não a última – parceria de Paul Greengrass e Tom Hanks.

Foto: Divulgação

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Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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