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Críticas

A JORNADA | Crítica do Neófito

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Se me permitem, gostaria de fazer estes comentários críticos de forma mais pessoal, iniciando com um caso particular.

Um grande amigo pessoal meu, formado em Direito e Filosofia – portanto alguém dotado de uma inteligência acima da média – comentou indignado sobre uma discussão que ele teve com uma moça de seu atual trabalho sobre igualdade de gêneros. Contou-me que, a certa altura da discussão, ela afirmou que ele não poderia entenderia o ponto de vista dela por não ser mulher. Meu amigo, segundo suas próprias palavras, falou que, nesse momento, alterou-se, quase ofendido, pelo fato da sua interlocutora apelar para um argumento de autoridade, tirando dele o direito de se solidarizar com o gênero feminino por uma ótica afastada, não de dentro!

Quando ele me contou isso, meio que concordei com seu argumento, acreditando que, teoricamente, podemos entender a perspectiva muito pessoal de outra pessoa, gênero, classe ou raça.

Ao assistir ao filme A Jornada (Proxima) – dirigido pela cineasta francesa Alice Winocour e estrelado por Eva Green (numa entrega emocional e preparo físico impressionantes) – reconsidero minha opinião e passo a discordar completamente do meu querido amigo.

Foto: Divulgação

É realmente impossível para o homem entender toda a angústia de ser mulher, num mundo que apenas agora – mais de 6 mil anos depois de suas primeiras grandes civilizações – começa a abandonar um patriarcado muitas vezes misógino e a reconhecer a necessidade de uma igualdade mais substancial entre homens e mulheres. E apesar de alguns avanços, ainda há, pelo mundo todo, uma onda absurdamente alta de feminicídios e agressões ao gênero feminino, sendo que, muitas dessas últimas, giram em torno de um empoderamento que as torna protagonistas em detrimento da figura do homem, que não aceita perder seu suposto posto de superioridade.

Mas, novamente, não me sinto capacitado a discorrer sobre tal realidade, não por ser homem, mas por, certamente, faltar-me a empatia necessária para tanto.

Todavia, mesmo não sendo um expert na temática, essa discussão torna a experiência de assistir ao A Jornada muito mais enriquecedora.

O filme conta a fictícia história da preparação da astronauta Sarah Loreau (Eva Green) para integrar a equipe de 3 tripulantes que embarcará em breve numa missão tripulada ao planeta Marte; equipe, esta, liderada pelo russo Anton Ochievski (interpretado por Aleksey Fateev) e completada pelo norte americano Mike Shanon (vivido por Matt Dillon).

Foto: Divulgação

Loreau se mostra uma profissional física e mentalmente qualificada, dedicada ao treinamento exaustivo e bastante rigoroso pelo qual passa qualquer astronauta, o que inclui muitas horas de estudo técnico, de ensaio sob as águas usando pesadíssimos trajes espaciais, de muitos exercícios físicos, de utilização de equipamentos vários, de técnicas de convivência com a equipe formada pelas únicas duas pessoas com quem conviverá pelos próximos dois anos de sua vida, além de uma severa quarentena com o objetivo de evitar infecção com qualquer tipo de microrganismo.

Foto: Divulgação

Nenhum sacrifício que não seja realmente exigido de qualquer profissional altamente qualificado colocado a frente de uma tarefa ou negócio importantes, não importando a área; ou de uma pessoa que queira muito realizar o seu sonho profissional, como é o caso de Sarah, a qual revela que, desde muito menina, tirava a tampa de um abajur da casa dos pais para lhe servir de capacete espacial, enquanto sonhava em ser astronauta.

A grande questão é que, além de doutora em engenharia e candidata a viajante espacial, Sarah Loreau é uma mulher divorciada, amorosa mãe solteira da pequena Stella (Zélie Boulant), e que sonha com uma profissão normalmente atrelada ao universo masculino.

Foto: Divulgação

E, aí, surge o questionamento proposto pelo filme: é possível ser mãe e, ao mesmo tempo, sonhar com uma carreira de alto nível? Afinal, Sarah poderia ser tanto uma astronauta, quanto a CEO de uma grande corporação, que a questão permaneceria: é “viável” para uma mulher conciliar estas duas grandes áreas da vida, ou seja, a maternidade (ainda e por um bom tempo exclusividade do corpo feminino) e a realização profissional?

A sensibilidade da direção de Winocour facilita muito o entendimento do drama vivido pela astronauta, graças a uma opção pelo não maniqueísmo dos personagens e circunstâncias. O pai de StellaThoma (vivido com sensibilidade por Lars Eindiger) – é um bom pai, amoroso e atencioso, além de amigo de Sarah, por quem sinceramente torce. A princípio, o personagem de Matt Dillon dava sinais de certa misoginia bem ao gosto dos norte-americanos sulistas clássicos, chegando a sugerir que a colega mulher tivesse uma rotina de treinos mais adequada ao seu gênero ou insinuando um típico jogo de sedução amorosa; mas não demora para deixar essas impressões de lado, tornando-se um aliado de Loreau, identificando-se com o drama dela, por também ser pai de duas crianças. Já o  Anton (de Aleksey Fateev) sempre se mostra solidário à companheira de viagem e um líder ideal, apoiando e reconhecendo as capacidades da sua equipe.

Foto: Divulgação

Ainda assim, as pressões oriundas dessa dualidade mulher-mãe x mulher-profissional se apresentam nas mais banais situações, como num braço quebrado por causa da queda da bicicleta; uma nota na prova de matemática; uma corrigenda mais severa no último dia de convivência física com a filha antes da partida; a necessidade do repouso mínimo necessário e a chance para um derradeiro abraço; o cumprimento de uma promessa significativa.

Eva Green e Zélie Boulant demonstram uma química incrível, sendo impossível não crer no amor entre mãe e filha que interpretam. Podem até dizer que Boulant não dá muita expressividade para sua Stella, mas acredito que tenha sido uma opção consciente de Winocour atribuir uma personalidade mais contemplativa à menina, algo que, para a história, funciona muito bem.

Foto: Divulgação

Tecnicamente, o filme é impecável, graças a uma bela cenografia, uma fotografia caída para um melancólico tom azulado, o vestuário, os cenários… tudo apresentado com muito esmero.

Pode-se reclamar de um início mais lento, típico do cinema europeu. Mas isso se deve ao fato de ser um filme que, apesar da aparência glamourosa e ares hollywoodianos, pretende ser mais artístico do que um mero entretenimento barulhento e explosivo, tanto que não há uma só cena “espacial” (algo que seria impensável numa produção norte-americana).

Ao final, a Sarah Loreau de Eva Green demonstra que a mulher pode mais e pode muito, conseguindo, a partir de uma perspectiva realmente feminina ir muito além de estereótipos, resolvendo problemas de uma forma que só uma mulher é capaz de resolver. E tudo isso sem ser panfletário em momento algum!

Fechando o filme, observa-se a ausência física se impondo de forma concreta, mas a presença espiritual permanece muito viva no olhar de profunda admiração da filha para com a mãe vencedora.

Um belo filme, emocionante sem ser emocional, e realizado num momento muito pertinente.

Foto: Divulgação

PS.: nos créditos, são exibidas fotos de várias astronautas mulheres e mães reais, que torna a história mais tocante ainda.

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Nota: 4 / 5 (ótimo)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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