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Críticas

O PROJETO ADAM – O “Dark” levinho e hollywoodiano | Crítica do Neófito

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ALERTA!!!

Apesar de não conter “spoilers” propriamente ditos, os comentários abordarão alguns pontos do roteiro, necessários, porém, para o bom entendimento da crítica.

 

Já que o futuro se mostra tão incerto, obscuro e ameaçador, havendo derrotado as utopias que o desenhavam como um lugar melhor do que o hoje, por que não reconstruir o passado glorioso, aquele que vive na memória na forma de uma época que foi boa e, por isso, o poderia ser novamente?

O grande Zygmunt Bauman, no seu livro Retrotopia, demonstrou que esse padrão de idealização do passado mitificado é mais real e concreto na constituição social do que se possa imaginar.

Não por menos, a atual onda autodenominada conservadora é, na verdade, movimento reacionário, porque não deseja de fato que as coisas mudem lentamente, como os verdadeiros conservadores defendem; mas, pelo contrário, que retornem ao status quo ante, isto é, andem duas casas para trás no tabuleiro da história, retroagindo para um tempo e lugar em que as coisas foram idealizada e supostamente melhores e mais saudáveis.

O filme A Vila (2004), do ex-genial (e agora apenas pretensioso) M. Night Shyamalan, não é nada mais, nada menos do que a demonstração visual desse ideário nostálgico acerca do passado, levado às últimas consequências: um grupo de intelectuais ricos isolam, em pleno século XXI, suas famílias numa vila situada no meio da floresta, adotando vestimenta, hábitos e o modo de vida do final do século XVII dos Estados Unidos, objetivando criar filhos com melhores valores do que os da sociedade contemporânea; enredo, esse, que, com algumas pitadas a mais de crueldade e vilania, praticamente se repete no filme Antebellum (2020), estrelado por Janelle Monáe.

Considerando tudo isso, não é exagero dizer que o passado seduz.

Sinal disso é que a maioria das obras audiovisuais (para ficar somente neste nicho) baseadas em viagem no tempo costumam fazer muito sucesso: da antológica trilogia De Volta Para o Futuro (1985, 1989, 1990), passando por Em Algum Lugar do Passado (1980), Outlander (2014-hoje), até a obra-prima Dark (2017-2020), o tema possui múltiplas variações e possibilidades. Vingadores: Ultimato (2019) e Flash Point (novembro 2022) já usaram e prometem usar tal conceito no âmbito dos filmes de super-heróis objetivando reunir muito do que já foi produzido em todas as épocas numa única linha temporal.

Grandiosas ou não, todas essas produções – e muitas outras – têm em comum o fascínio que viajar no tempo exerce sobre o ser humano, naturalmente limitado a um pequenino recorte histórico-temporal, sem ter visto o que construiu a sociedade em que nasceu e sem possibilidade de ver o que virá a partir do que ele ajudou a estabelecer.

Voltar no tempo para experimentar uma nova possibilidade de vida (como em A Felicidade Não se Compra, 1946 / Um Homem de Família, 2000) ou consertar algo que poderia ter sido melhor (Timecop, 1994 / Os 12 Macacos, 1995 / Efeito Borboleta, 2004 / Interestelar, 2014) é um sonho que muitos podem ter e que o cinema tentou concretizar em termos de ficção científica.

Com toda essa carga emocional e simbólica, Projeto Adam, produção da Netflix dirigida por Shawn Levy e estrelada por Ryan Reynolds e Walker Scobell (no papel de Adam), Jennifer Garner, Zoe Saldaña, Mark Ruffalo e Catherine Keener foi uma das mais aguardadas estreias cinematográficas deste início de ano, uma vez que, já nos trailers, ficava claro que toda a trama do filme giraria em torno do conceito da viagem no tempo.

Imagem: Divulgação (3 gerações em terapia de grupo)

Scobell faz o jovem Adam, então com 12 anos em pleno ano de 2022, ainda em luto pela súbita e recente morte do pai Louis Reed, vivido por Ruffalo. Muito provavelmente vivendo o famoso “estágio da raiva”, delineado por Elisabeth Kübler-Ross, o adolescente vive se metendo em brigas na escola e em conflito com a dedicada e culpada mãe Ellie (Garner), desesperada em manter a casa, reconectar-se com o filho e, se possível, retomar a vida (inclusive afetiva).

Numa noite, porém, o jovem Adam é surpreendido com o aparecimento do que parece ser um piloto de caças, baleado e sangrando, caído em seu celeiro. Um homem tão tagarela e irônico quanto ele e que parece conhecer sua casa nos mínimos detalhes. Não demora para sacar que o homem é ele mesmo do futuro, um Adam de 40 anos (papel de Reynolds, óbvio), que viajou no tempo em busca de sua mulher Laura (Saldaña), exímia pilota, supostamente morta num salto temporal.

O maduro Adam precisava, porém, ir para o ano de 2018; só que, por estar sendo perseguido pelo implacável e cruel Chritos (Alex Mallari Jr.), acabou baleado e atingido na nave temporal, vindo a acidentalmente cair no ano de 2022. Toda a trama leva ao reencontro dos dois Adam’s, em 2018, com seu ainda vivo pai e suposto responsável pela descoberta da viagem no tempo, fato que teria sido explorado pela ambiciosa (claro!) Maya Sorian (Keener), comprometendo o futuro.

Imagem: Divulgação (uai, isso aí não seria um sabre de luz??)

Tudo isso recheado com algumas boas cenas de perseguição e luta e muito sentimentalismo, afinal, o velho Adam não apenas desejava consertar a realidade do futuro, mas também seus sentimentos contraditórios com relação ao pai, que passou a julgar ausente para amenizar a dor de sua perda.

Levy optou por um elenco enxuto de estrelas – quase sem coadjuvantes e com os capangas vestidos, tal como os stormtroopers, cobertos dos pés à cabeça com armaduras metálicas, só que escuras –; buscou cenários os mais naturais possíveis (realçados pela boa fotografia de Tobias Schliessler), utilizou efeitos especiais caprichados, e claramente apostou muito no inquestionável carisma e verborragia de Reynolds. O legal é ver o jovem Scobell copiando, com muita competência, o estilo, tiques e maneirismos característicos de Reynolds, tornando a identificação entre os dois bastante plausível. Ruffalo, como sempre, também, esbanja simpatia e ótima intepretação, convencendo como o professor nerd boa praça e pai esforçado. Garner continua linda e boa atriz. Saldaña consegue conciliar a fragilidade física de seu diminuto corpo com uma energia incrível, normalmente se saindo bem em papeis de ação, mas que exigem talentos dramáticos. Keener, fazendo a jovem e madura Maya, é a única que dá sinais de parecer algo deslocada de sua personagem, talvez pela pesada maquiagem e efeitos digitais de rejuvenescimento de seu rosto.

Toda essa mistura de elementos torna O Projeto Adam um filme muito gostoso de se assistir, apesar de alguns deslizes de coerência roteirística, principalmente em seu arco final. Curto (106 minutos), ágil, bem interpretado, seguramente dirigido, trata-se, ao final das contas, de produção simples, mas muito bem realizada.

Muito salutar, por fim, o fato de o filme não ter sido concebido como franquia, optando – pelo menos até saírem os dados de audiência – por uma história fechada e bem amarrada, com começo, meio e fim bem definidos.

Sem revolucionar o conceito de viagem no tempo, o filme é nostálgico, sensível e divertido.

O Nerdtrip, assim, recomenda O Projeto Adam como ótima opção para o domingo à tarde, em família, comendo pipoca, curtindo o tempo presente com vistas ao futuro e sem impulsos reacionários!!!

Imagem: Divulgação (é ou não é um filme “família”?)

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

 

Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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