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Críticas

A BOA ESPOSA | Crítica do Neófito

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Muito poderia ser dito acerca da comédia francesa A Boa Esposa, dirigido por Martin Provost e estrelado pela ainda belíssima Juliette Binoche (57 anos), à vontade na pele de Paulette Van Der Beck, recatada (e “laqueada”) professora e diretora da escola Van Der Beck, destinada à formação de donas de casa, por meio do ensino de bons modos e utilidades domésticas às jovens futuras esposas francesas. O roteiro – também de autoria de Provost – aborda vários temas, principalmente no que diz respeito ao universo feminino, ainda que de forma leve e descontraída. (outro filme que aborda essa mesma temática, só que no gênero drama, ambientado no Estados Unidos e dentro da cartilha hollywoodiana é o pretensioso O Sorriso de Mona Lisa, de 2003, estrelado por Julia Roberts)

Foto: Divulgação

Sua trama se passa entre os anos de 1967-1968, o que é bastante significativo, principalmente para quem conhece um pouco de história e sabe a importância simbólica das marcantes Manifestações Estudantis de maio de 1968, em Paris, que estouraram justamente como movimento da juventude universitária francesa até se tornar enorme confronto entre forças sindicais e políticas contra o conservador governo do Presidente Charles de Gaulle.

Após os tumultos, a situação política da França não se alterou muito, em verdade, mas o acontecimento representou verdadeiro marco histórico na quebra de costumes e comportamentos, mais uma vez irradiando-se da Bella Francé para o resto do mundo Ocidental. (para quem quiser ver o retrato simbólico, ideológico e poético do “maio de 68”, recomendamos o erótico filme Os Sonhadores, dirigido, também em 2003, por Bernardo Bertolucci e que teve pelo menos o mérito de apresentar Eva Green para o mundo)

Em A Boa Esposa, porém, um pouco antes desses acontecimentos históricos, o fictício centro de formação Van Der Beck – um entre centenas de outros similares (e reais!) no território francês naquela época – abre suas portas para receber a nova turma de belas e jovens moças, não sem deixar de perceber a sensível e regular diminuição no número de matrículas na escola ao longo dos últimos anos.

A dedicada Paulette parece realmente acreditar nas aulas de como cuidar de casa, passar perfeitamente a camisa social do marido em cronometrados sete minutos, saber fazer boa higiene corporal (quando da menstruação), cozinhar e “suportar” os “deveres matrimoniais” (leia-se, sexo) etc. Para tanto, conta com a ajuda da impagável Irmã Marie-Thérèse (Noémie Lvovsky) – tão cristã quanto ex-soldado de guerra, capaz de domar quase 20 adolescentes efusivas ou de empunhar uma carabina com igual maestria –; e da sua cunhada Gilberte (Yolande Moreau) – o arquétipo da solteirona, incuravelmente romântica e exímia cozinheira. A administração da escola fica a cargo do marido, Robert Van Der Beck (François Berléand, mais conhecido como o Inspetor Tarconi, da franquia Carga Explosiva) que, em verdade, diverte-se mesmo é em colecionar fotos de mulheres nuas ou de ficar espiando as curvas das jovens estudantes do instituto, já que sua mulher logicamente não é muito chegada à conjugação carnal.

Foto: Divulgação

As novas alunas, todavia, logo se revelam menor dóceis às lições da escola, preferindo mesmo a descoberta de si mesmas, no sentido de conhecerem seu corpo, sua sexualidade, de fumarem, de beberem entre outras coisas.

Tudo, porém, continuaria no ritmo de sempre, se não fosse o malfadado cozido de coelho preparado por Gilberte, que redunda em tragicômico evento capaz de mudar definitivamente o rumo das coisas na escola. Paulette se vê obrigada a ter que tratar, pela primeira vez, dos problemas administrativos e financeiros do colégio, o que a leva a reencontrar alguém muito marcante do seu passado, fazendo com que reveja todos os princípios pelos quais se pautou nas últimas duas décadas e meia da sua vida. O catártico final é teatralizado, fantástico, até meio nonsense, mas profundamente simbólico e, apesar de a história se passar no final da década de 1960, serve perfeitamente como reflexão para os tempos atuais e a incrível onda paradoxal de reacionarismo revolucionário que varre o mundo contemporâneo.

Tudo isso é embalado no formato comédia de costumes, dotada do humor fino e elegante dos franceses (quando querem, claro!), que provoca mais a constante sensação de riso no rosto do que gargalhadas sonoras.

Martin Provost sabia bem o material que tinha em mãos – bastante feminino – e, por isso, opta por deixar suas atrizes brilharem. Falando em sua língua materna, por exemplo, Binoche se expressa absolutamente livre de amarras, claramente se divertindo muito com as contradições e descobertas de sua Paulette.

A fotografia é muito bonita, explorando com competência luzes e sombras do interior da escola, bem como os espaços abertos em variados tons de verde e branco, seja na primavera ou no inverno.

Pode-se, todavia, questionar a duração do filme, que é um pouco mais longo do que o necessário, já que a história não é lá assim tão espetacular. A produção também adota tom pudico para os padrões franceses e europeus em geral, apesar de tocar em temas e situações algumas das vezes picantes e de ser praticamente um manifesto contra o conservadorismo e o reacionarismo. Por outro lado, como a temática se volta para a realidade do mundo feminino – até hoje massacrado pelo machismo estrutural e patológico – faz sentido a não exploração gratuita do corpo feminino, optando-se muito mais para a sugestão do que para o gráfico.

Como dito no início dessas considerações, poder-se-ia dizer muitas coisas sobre A Boa Esposa, mas qualquer comentário mais ostensivo teria que, obrigatoriamente, escancarar a história e nuances do roteiro, esvaziando as boas surpresas da obra. Mas, dentro do que pode ser falado, destaque-se a verdadeira homenagem às mulheres que o filme faz, tocando na sensível questão da opressão feminina, revelada, ainda hoje, nos salários mais baixos do que o dos homens mesmo quando exercendo a mesma posição; no ainda assustador número de feminicídios (principalmente no Brasil); no assédio sexual histórica e culturalmente exercido sobre corpos femininos (como os absurdos índices de estupro na Índia), entre tantas outras coisas que poderiam ser ditas com muito mais propriedade pelas próprias mulheres.

Apostando no fantasioso para concluir o longa – que é verdadeiro grito de liberdade feminina – A Boa Esposa inicia os letreiros finais com fotos das cartilhas e manuais, altamente ilustrados, desenvolvidos nas décadas anteriores (anos 20 aos 70) com o objetivo de orientar devidamente as mulheres para o cuidado do lar, dos filhos e do marido-provedor. Se me permitem a colocação pessoal, minha mulher eriçou os pelos do braço a cada nova recomendação de como encerar um chão de forma correta! Trata-se, portanto, de passado ainda bastante presente nos dias atuais, que precisa ser combatido por todos nós, para não apenas se encerrar de vez, mas nunca mais se repetir!

Foto: Divulgação

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Nota: 3,5 /5 (muito bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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