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Críticas

COISA MAIS LINDA S02 | Crítica do Neófito

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Coisa Mais Linda, na opinião deste colunista, é, inquestionavelmente, a produção nacional mais caprichada que a Netflix levou a efeito em sua grade.

Com uma história passada no iniciozinho da década de 1960, a reconstrução de época – por meio de locações, figurino e cenografia – impressiona a cada cena.

Tudo é pensado para transportar o telespectador ao calorento Rio de Janeiro do fim dos chamados “anos dourados” (década de 1950), seja pelo uso inteligente da fotografia sempre amarelada e quente (principalmente nas cenas feitas nos “morros” cariocas) perfeitamente contrastada pelas paredes em tons frios dos apartamentos; seja pela excelente trilha sonora utilizada (original, nacional e internacional), pelas gírias empregadas, ou, logicamente, pelos temas abordados.

Outro acerto da série foi a escalação de um cast de talentosíssimas atrizes para compor o elenco de heroínas femininas, totalmente comprometidas com seus papeis e a proposta do programa, formado pela linda e cativante Maria Casadevall (no papel da protagonista Maria Luíza ou Malu); pela magnética Fernanda Vasconcellos (Lígia, a melhor amiga de Malu); a expressiva Pathy Dejesus (no papel da guerreira Adélia); e da magnifica Mel Lisboa (no papel da “antes do seu tempo”, Thereza). Nesta segunda temporada, há o acréscimo de Larissa Nunes, no papel da irmã de Adélia, a aspirante a cantora, Ivone).

Foto: Divulgação

O elenco masculino – encabeçado por Leandro Lima (no papel de Chico, músico e interesse romântico de Malu); por Gustavo Machado (interpretando o dono de uma gravadora, produtor musical e flerte de Malu, Roberto); por Ícaro Silva (o baterista e apaixonado por Adélia, Capitão); por Alexandre Cioletti (Nelson, o “liberal” marido de Thereza e paixão do passado de Adélia); por Gustavo Vaz (o escroque marido de Lígia e irmão de Nelson, Augusto) e, nesta segunda temporada, por Alejandro Calaveaux (o machista radialista Wagner Pessanha) – apenas gira ao redor das 4 personagens femininas. O destaque fica por conta de Gustavo Vaz, que consegue compor um Augusto realmente detestável, capaz de extrapolar o estereótipo do seu personagem misógino, sexista, violento e imoral. Palmas para sua excelente composição, que realmente leva o público a odiar seu personagem, o que, no caso, é mérito absoluto!

Foto: Divulgação

Na primeira temporada – que infelizmente não comentamos – Malu é uma linda e fútil jovem “dondoca” paulista, mãe de um filho pequeno que, em pleno ano de1959, logo após ter-se mudado para o Rio de Janeiro, subitamente se vê abandonada e vilipendiada pelo desprezível marido Pedro (Kiko Bertholini). Ainda em choque com o ocorrido, Malu acaba deparando com o produtor musical Roberto, com o talentoso músico Chico – expoente do novo “som”, a bossa nova – e com as demais personagens femininas citadas, cada qual enfrentando problemas atinentes à condição de ser mulher numa sociedade notadamente machista e misógina. Assim, a feminina e liberal Thereza, sonhando em morar em Paris como seu também avançado marido Nelson, precisa constantemente afirmar sua condição e lutar por espaços sociais, sexuais e profissionais, seja numa revista aparentemente feminina (1ª temporada) ou numa estação de rádio (2ª temporada). A preta Adélia, mãe da menina Conceição e companheira do bom malandro Capitão, sente diariamente o peso de estar sócio-estruturalmente fadada a morar em favelas e ao trabalho de empregada doméstica, além de carregar o peso de um antigo segredo. Lígia aparenta ser a feliz esposa perfeita, mas, em verdade, vive sob os abusos físicos e psicológicos do opressor marido Augusto, ao mesmo tempo que sufoca um ardente sonho de ser cantora e compositora.

O Coisa Mais Linda do título, objetivamente considerado, trata-se do fictício clube noturno dedicado à boa música brasileira – principalmente samba, jazz e a nascente bossa nova – que vai surgir meio que “quase sem querer” em razão dos esforços de Malu e Adélia para se reerguerem e reinventarem.

Foto: Divulgação

Com essas premissas, a série criada por Giuliano Cedroni e Heather Roth e direção dividida entre Caíto Ortiz, Hugo Prata e Júlia Rezende, busca retratar o duro caminho das mulheres para encontrar, na sociedade, um papel que não estivesse resumido ao de monogâmica dona de casa e mãe de família. As dificuldades para abrir um negócio, por exemplo, eram monumentais, haja vista o fato de as mulheres casadas, segundo o Código Civil (CC) vigente à época, serem reduzidas à condição de “incapazes, relativamente a certos atos” (art. 6º, II, CC-1916), mesma posição jurídica dos adolescentes e dos índios, algo que só viria a ser modificado pela Lei nº 4.121, de 1962!

As aberrações legais – comparadas com os ainda não ideias dias de hoje – eram muitas e gritantes, como o direito – exclusivo ao homem – de poder anular o casamento com mulher que viesse a descobrir já ter sido “deflorada” (art. 178, §1º CC-1916); de administrar todos os bens comuns e particulares do casal, ou de autorizar a que a esposa pudesse trabalhar “fora do teto conjugal” (art. 233, II e IV, CC-1916). Isso tudo além do fato de não haver a figura jurídica do divórcio (apenas o malfadado desquite) e o enorme estigma social que recaía sobre a “mulher não virgem”, ou “desquitada”, ou “mãe solteira”.

Tudo isso é abordado de forma direta ou indireta no decorrer da série, na maioria das vezes de maneira bastante competente e elegante. Chega a nos fazer sentir pena das nossas mães mais idosas ou avós pela sociedade opressora em que viviam!

A primeira temporada, aliás, sai-se melhor na abordagem desses temas, apesar de certo anacronismo no trato da sexualidade. As heroínas, aparentemente, são todas muito bem resolvidas nessa área, não tendo problemas com a exposição do corpo, com o orgasmo ou com a experimentação. Evidentemente que a série deseja mostrar o quanto aquelas mulheres se empoderaram numa época e mundo altamente retrógrados, sendo o sexo um componente fundamental da vida adulta, mas – à exceção de Pathy Dejesus, evidentemente protegida contratualmente – todas as demais atrizes exibem sem maiores problemas sua nudez em cena, quase que com frequência excessiva, algo que é bem mais limitado na segunda temporada, na qual apenas Maria Casavedall se dispõe a algumas cenas de sexo. O ponto positivo nisso está na forma como a sexualidade feminina é abordada, colocando peso no prazer delas e não no dos homens.

Foto: Divulgação

Alguns poucos anacronismos também podem ser apontados aqui e acolá – como a dedicação materna de Malu, muito ausente e “moderna” para os anos 50-60 (principalmente porque se trata de um subtema importante para a trama) – mas, no geral, a série – como dito no primeiro parágrafo – é muito feliz na composição do período em que se passa a história.

O que irritou bastante a esse colunista – já que venho da área jurídica – é a dramatização do Tribunal do Júri de certo personagem assassino. Enquanto o cigarro – algo bastante generalizado na época – enquanto elemento de reconstrução de época, é uma constante em praticamente toda cena, dedos e bocas dos personagens, a retratação do julgamento é sofrível! Por mais que pese a necessidade dramatúrgica, a insistência das produções audiovisuais brasileiras em emular o sistema jurídico-processual norte-americano é incompreensível, prestando um desserviço ao seu espectador. Não existe e nunca existiu a figura do “protesto” nos julgamentos brasileiros, nem do “recesso do sessão do júri para deliberação dos jurados”; assim também como as testemunhas de acusação devem ser ouvidas primeiro (em razão do amplo direito de defesa); de não ser possível manifestações do público ou discursos de interrogados durante o julgamento; opressão de testemunhas ou partes por parte de advogados; e, o mais relevante, um processo de homicídio e tentativa de homicídio nunca levaria apenas 3 meses para se desenrolar e resolver no país!

Foto: Divulgação

Tudo bem que a série queria mostrar algo similar ao que ocorreu no famoso julgamento de Doca Street, assassino confesso de Ângela Diniz, em dezembro de 1976, que, em primeira instância, foi absolvido sob a tese da “legítima defesa da honra”, e já também retratada na ficção por Jorge Amado, em Gabriela, quando do julgamento do Coronel Jesuíno Mendonça (inesquecivelmente bem interpretado por José Wilker, na série televisa homônima, de 2012). Mesmo louvando tal iniciativa – culminada com um discurso de Malu que lembra muito o lema “quem ama não mata”, surgido naquele julgamento real – a série poderia ter sido um pouquinho mais realista nessa abordagem.

O que leva a outro ponto que pesa contra o programa: a necessidade de um tom sempre mais leve e de um gancho que dê sequência a uma nova temporada acaba por tornar todas as subtramas muito episódicas, facilmente resolvidas durante os curtos 6 episódios (por exemplo, o diagnóstico de uma doença grave, ou o surgimento de um político mau caráter etc.), e algumas até mesmo repetitivas (como os problemas profissionais e flertes bissexuais de Thereza).

O fechamento da segunda temporada, nesse sentido, acaba ficando bastante manjado para o observador mais atento, ao contrário do verdadeiramente surpreendente e corajoso final da temporada inicial.

Mesmo assim, Coisa Mais Linda está acima da média de muita coisa que é feita por aí, inclusive na Netflix, e as críticas apontadas advêm justamente da qualidade e potencial do programa.

Espera-se que uma suposta 3ª temporada consiga recuperar o nível quase irrepreensível da 1ª, corrigindo os pequenos deslizes da 2ª. Afinal, Coisa Mais Linda é realmente agradável de se assistir, tratando de problemas ainda hoje presentes na sociedade – haja vista essa onda conservadora e reacionária – constituindo-se num retrato de um época de belos vestidos, linda maquiagem, salto alto e boa música, mas na maioria das vezes cruel demais para com as mulheres.

Foto: Divulgação

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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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