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Críticas

CRUELLA | Crítica (tardia) do Neófito

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A crise de criatividade na cultura pop em geral, mas principalmente no cinema, é inquestionável, por mais que haja alguns que insistam em minimizar esse fato.

Não é que não haja ideias novas.

A questão central é se essas ideias, além de novas, sejam comerciáveis, ou seja, atendam às demandas dos estúdios e produtoras, no sentido de serem dotadas de potencial para atrair público o suficiente não apenas para cobrir o seu custo de produção, mas, principalmente, para darem lucro.

O mundo das TVs a cabo e dos streamings, cujos programas podem ser assistidos em grandes telas com ultra-definição, com total segurança e conforto no sofá casa, sem custo extra, certamente afetaram muito o teor das produções cinematográficas.

Nos últimos tempos, o que tem feito as pessoas saírem de suas casas para irem às salas de cinema têm sido grandes produções, normalmente franquias – vide Velozes e Furiosos, Harry Potter, Senhor dos Anéis, MCU, Universo Estendido DC, Invocação do Mal, Uma Noite de Crime etc. – sem que haja muito espaço para o chamado cinema independente, o qual, cada vez mais, tem se direcionado para a “telinha”.

A Disney, sem dúvida a maior produtora cinematográfica a atualidade – dona do MCU, de Star Wars, da Pixar, do acervo da FOX e por aí vai – apesar do seu variado menu de possibilidades, também enfrenta esse mesmo problema. Para correr o mínimo de risco, a casa do Mickey – que em termos de produção própria cresceu em torno de seus personagens animados – tem apostado, desde 2014, com o primeiro Malévola (estrelado por Angelina Jolie), na reciclagem desses personagens em produções live-actions, já que, graças às atuais tecnologias de efeitos visuais e especiais, eles hoje poderem ser vistos em versões de carne e osso sem perda da típica qualidade da fantasia do estúdio.

Desse modo, a Disney lançou dois Malévola’s (2014/2019), focados na vilã do desenho animado A Bela Adormecida (1959); um Cinderela (2015), sobre sua produção animada de 1950; Mogli: O Menino Lobo (2018), que reproduz, com gente e CGI, a história do desenho homônimo de 1967; A Bela e a Fera (2017) que tem a protagonista do vitorioso desenho de 1991 vivida pela graciosa Emma WatsonChristopher Robin: Um Reencontro Inesquecível e sua enorme nostalgia misturando realidade e animação gráfica de primeira qualidade; Dumbo e sua versão mais dark – consequentemente menos emotiva – do clássico de 1941, pelas mãos de Tim Burton; Aladin (2019), cópia com atores reais do bem-sucedido desenho de 1992; O Rei Leão (2019), que abusa da computação gráfica para recontar em 3D a inesquecível animação de 1994; A Dama e o Vagabundo (2020) sobre a produção de 1955; Mulan (2020), que altera pouca coisa da animação de 1998; e está para lançar, ano que vem (2022) uma aguardada versão live-action de A Pequena Sereia (desenho animado de 1989), a ser estrelado por Halle Bailey.

Esses filmes dividiram a crítica e o público. O primeiro Malévola foi aclamado; já o segundo, nem tanto. Cinderela teve produção caprichadíssima e ótima direção, apesar de ter sido acusado de ser muito reverente ao desenho animado cinquentista; mesma crítica, aliás, aplicada ao remake com atores de A Bela e a Fera. Aladin foi muito elogiado, principalmente pela escolha de Will Smith como o Gênio da LâmpadaO Rei Leão e sua concepção 100% digital foi, talvez, o que mais tenha dividido as opiniões até o momento. Já A Dama e o Vagabundo não gerou quase nenhuma repercussão.

(ah, para não dizer que não falamos das flores, a primeira empreitada da Disney veio com os questionáveis Alice no País das Maravilhas (2010), com destaque para a composição de Johnny Depp para o Chapeleiro Louco, que ainda ganhou uma continuação em 2016 – Alice Através do Espelho. Ambas produções propõem uma releitura empoderadora da personagem Alice, mas, para tanto, alteram, em muito. o caráter lúdico e quase lisérgico da obra de Lewis Carrol)

Foto: Divulgação

Nessa jornada de adaptações live action e (ou com) ressignificação de personagens, uma obra merece destaque por sua qualidade excepcional.

Trata-se de Cruella (2021), filme focado na famosa vilã da animação, dos dois filmes live-actions e da série animada Os 101 Dálmatas (respectivamente, 1961, 1996/2003 e 1997).

Quem dá vida à vilã – que nos filmes de 1996 e 2003, acima citados, ganhou o corpo e talento estupendo de Glenn Close – é a também talentosíssima Emma Stone (Espetacular Homem-Aranha), completamente à vontade no papel da estilista-vilã (ou vilã-estilista) que, literalmente, quer arrancar o couro de vários dálmatas para fazer um casaco de peles.

Foto: Montagem em cima dos cartazes da Disney®: desenho clássico (1961) e versão em carne e osso (1996 e 2003)

O filme volta no tempo para contar como a pequena Estella – menina nascida na efervescente Inglaterra da década de 1960, com o defeito genético de ter exatamente metade dos cabelos naturalmente brancos – apesar de ter sido criada com muito amor e carinho pela pobre e dedicada mãe Catherine (Emily Beecham) desenvolveu, desde cedo, personalidade forte e aguerrida, muito talento para a costura, até se tornar a implacável Cruella, inimiga da raça de cães brancos com pintas pretas (que, apesar de muito “fofinhos”, pertencem a uma raça canina bastante agressiva).

Vendo-se órfã, Estella acaba se juntando a dois pequenos malandros, Jasper (Joel Fry) e Horacio (Paul Walter Hauser), com quem cresce e aprende a arte dos ladrões de casaca (roubos de mãos leves e pequenos golpes), mas sempre mantendo aceso seu talento nato para a alta-costura.

Foto: Divulgação (Horacio, Cruella e Jasper em ação)

Já adulta, Estella acaba tendo a oportunidade de ouro de trabalhar para a temida Baronesa, a maior estilista da Europa das duas últimas décadas (1960-1970), vivida com extremo divertimento e gosto pela grande Emma Thompson. Não demora, porém, para que descubra certas conexões da megera da moda com seu passado sofrido.

Com tal premissa, as duas horas do filme passam sem que o espectador sinta, com boas reviravoltas, roteiro bem amarrado, personagens carismáticos e interpretações – mesmo que propositalmente caricatas – acima da média.

O diretor Craig Gillespie – detentor de filmografia irregular – consegue conferir, em Cruella, verossimilhança à tão arquetípica personagem, conhecida por seus esbugalhados olhos, risada sinistra, autoritarismo absurdo, cabelo preto e branco, boca expressiva e manequim magérrimo – quase um estereótipo de zumbi. Muito desse sucesso, claro, vem da composição precisa de Stone, que varia da sincera tentativa de ser humilde à vilania clássica, passando pelo humor e até certo drama com maestria. Se Hollywood não fosse tão seletiva e preconceituosa, a bela e jovem atriz teria que ser indicada e vencedora de vários prêmios de interpretação, pois o seu trabalho é realmente sensacional.

O elenco de apoio também se mostra afiado e “feliz” no seu trabalho de servir de ponte para a protagonista, mas Emma Thompson foge ao papel de coadjuvante para brilhar quase tanto como sua xará Stone.

Foto: Divulgação (glamour e vilania em igual medida na sempre incrível Emma Thompson)

O roteiro consegue conferir camadas à vilã, abordando vários tópicos de sua psicopatia e fixação pelos cãezinhos com pintas pretas, sem forçar a barra e passando tudo com incrível naturalidade. Nessa atual onda de ressignificação ou releitura dos personagens “maus” da cultura pop – que passa pela já citada Malévola, a madrasta de Cinderela, pelo Coringa da DCCruella merece louvor por ter sido, até aqui, a mais bem-sucedida dessa leva, no sentido de haver respeitado todo o cânone em trono da personagem ressignificado, ao mesmo tempo em que propõe novos elementos na sua composição.

Evidente que não se pode exigir cem por cento de coerência em uma obra tão fantasiosa, sobre personagem tão exótica quanto a que é abordada no longa. As coincidências e concessões meio absurdas do roteiro, que são feitas em vários pontos da trama parecem (e realmente são) às vezes infantis e simplórias, mas sem que isso atrapalhe a agradável experiência de lhe assistir.

Por último com relação à roteirização, precisa-se confessar que, como este colunista assistiu à animação Os 101 Dálmatas quando ainda era criança – sem o ter revisitado para esta matéria – bem como não deu muita atenção para sua versão live-action com Glenn Close, é certo que vários easter-eggs passaram desapercebidos. Sorry!

Em termos técnicos, algumas sequências fogem ao comum, com bons jogos de câmera e falsos planos sequências; a fotografia acinzentada ajuda a situar o espectador na chuvosa e fria cena londrina; a reconstrução de época (décadas de 1960 e 1970) é bastante competente, bem como a composição dos cenários típicos das obras anteriores sobre aquele universo. Mas os figurinos de Cruella são destaque absoluto, praticamente rivalizando com o Diabo Veste Prada, filme cuja influência – sem ser plagiadora – é evidente.

Divertido, inteligente, visualmente belo, Cruella é ótima surpresa, realmente fazendo jus a todos os elogios que vem recebido da crítica (74% de aprovação crítica e 97% de público em geral, segundo o Rotten Tomatoes).

Mas um belo gol da poderosa Disney.

Foto: Divulgação (a bela e talentosíssima Emma Stone caprichando no carão)

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Nota: 4 / 5 (ótimo)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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