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Críticas

HOLLYWOOD | Crítica do Neófito

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É preciso ter cuidado para que o comentário crítico não se torne uma chata e enorme “monografia” (o famoso “textão”) quando o material a ser analisado se mostra muito rico.

Este é o caso de Hollywood, minissérie fechada da Netflix (apenas 7 capítulos de rápidos 40 minutos) concebida por Ryan Murphy (American Horror Story) e Ian Brennan.

A princípio, a série parece ser apenas outra ficção despretensiosa a se utilizar de personalidades reais, que constantemente são citadas ou aparecem na tela. Mas, aos poucos, a série começa a mostrar suas verdadeiras pretensões, gravitando na atual onda de reimaginação poética da história, nos moldes do que Quentin Tarantino fez com Bastardos Inglórios e, principalmente, em Era Uma Vez em Hollywood, da qual a série de Murphy parece tirar sua principal inspiração, só que substituindo a ironia e violência características do diretor de Cães de Aluguel, pela nostalgia, leveza e lirismo: ou seja, na construção de um típico conto de fadas hollywoodiano!

Em termos de sinopse, Hollywood conta a saga do ex-soldado aspirante a ator Jack Castello (David Corenswet); do roteirista negro e homossexual, Archie Coleman (Jeremy Pope); do idealista diretor Raymond Ansley (Darren Criss); e da atriz negra à procura de papeis que não fossem de empregada e/ou escrava, Camille Washington (Laura Harrier, de Homem-Aranha de Volta ao Lar). Todos são pessoas que buscam, em pleno pós Segunda Guerra, numa idílica, limpa e bela Hollywood, a concretização do “sonho americano”. Completando esse quarteto, tem-se Jake Picking dando vida ao então desconhecido ator Rock Hudson, numa versão que toma rumos bastante diversos da que o conhecido astro – falecido de AIDS em 1985 – tomou na vida real.

Foto: Divulgação

No caminho (ou “ao” caminho) da concretização dos sonhos dos heróis da trama, surge o fictício ACE Estúdios, de propriedade do hedonista e machista Ace Amberg (Rob Reiner), casado com a ‘dondoca’ Avis Amberg (Patti LuPone), com quem têm a mimadíssima filha Claire Wood (Samara Weaving). Também há o gigolô Ernie West (Dylan McDermott, ótimo) o competentíssimo e severo produtor Dick Samuels (Joe Mantello), a descobridora de talentos, Ellen Kincaid (Holland Taylor) e o desprezível agente (personagem real) Henry Willson (Jim Parsons, numa caracterização extrema para se diferenciar de seu icônico Sheldon Cooper, em The Big Bang Theory).

Foto: Divulgação

A história é envolvente, dinâmica, bem humorada e sensível, tudo em dosagens ideais, bem próximas da ‘perfeição’. Não há como não ser fisgado pelos hiper carismáticos personagens e suas histórias interessantes. A sensação de que os episódios duram bem menos do que seu tempo cronológico é repetida em diversos deles!

Mas, a minissérie consegue impressionar com vários elementos, dentro os quais, o fato de os personagens, em doses equânimes, serem compostos por homossexuais, negros e homens e mulheres de meia-idade, tratados sem estereótipos (uma das críticas do enredo), mas como seres humanos dotados de amor, de empatia, de capacidade produtiva. É belíssimo, por exemplo, o arco de Ellen Kincaid, uma mulher acima dos 70 anos que trabalha ativamente numa função importante e relevante do estúdio cinematográfico da trama e se apaixonando por um homem também acima dos 60, que, apesar de ter tomado decisões pragmáticas para sobreviver em Hollywood, ainda se permitia nutrir sonhos de realização pessoal e profissional. O mesmo se repete com outros personagens, mas não haveria como citar sem dar indesejados spoilers sobre a história.

Os ecos com a vida real são constantes: o arco de Ernie West, por exemplo, lembra casos verídicos, como o do hoje incontestável Anthony Hopkins (82 anos) que só viria a ter verdadeiras oportunidades e reconhecimento de seu enorme talento numa idade em que artistas de cinema costumam amargar ostracismo, aposentadoria forçada ou papeis completamente irrelevantes. Hoje é comum ver astros como Jane Fonda (82 anos), Robert Redford (84 anos), Helen Mirren (75 anos), Harrison Ford (78 anos), Judi Dench (85 anos), Ian McKellen (81 anos e gay assumido), Morgan Freeman (83 anos e negro) entre outros, protagonizarem produções cinematográficas em que são retratados como “pessoas” e não como “velhinhos”.

Mesmo os coadjuvantes – fictícios ou reais –  que apenas esporadicamente aparecem em tela são bem trabalhados. Assim, temos a fictícia Jeanne Crandall, interpretada por Mira Sorvino, num papel que parece ter sido desenhado para redimir a vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por Poderosa Afrodite de Wood Allen, no distante 1995 e que foi sistematicamente boicotada na indústria cinematográfica, graças à influência do ressentido e ignóbil Harvey Weinstein – hoje preso pelos inúmeros assédios contra atrizes – a quem a talentosa artista não quis ceder. O pungente arco dramático da injustiçada atriz real, Anna May Wong (na pele de Michelle Krusiec) é outro que chama a atenção, bem como a breve, porém, emocionante atuação de Queen Latifah como a primeira negra a ganhar um Oscar, Hattie McDaniel, por E O Vento Levou…).

Foto: Divulgação

Hollywood, assim, toca numa infinidade de temas caros ainda hoje – como machismo; homossexualidade; racismo de várias espécies; o gosto pelo poder; a ligação de altos executivos da indústria cinematográfica com a máfia; o “teste do sofá”; a prostituição masculina, feminina e homoafetiva; a disposição para fazer qualquer coisa pelo sucesso; empoderamento feminino e fragilidade masculina – tudo de uma só vez e de forma satisfatoriamente competente, mesmo que retratando um período da história em que era naturalizado a candidata-vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante ser impedida de assistir do auditório à cerimônia que a premiou, pelo fato de o hotel que sediava o evento não permitir a entrada de negros (enquanto seus pares no sul do país ainda eram recorrentemente enforcados e queimados pela famigerada Ku Klux Klan). Ou que atores – como o Rock Hudson real – tinham que manter escondida sua orientação sexual para conseguirem trabalho junto aos estúdios (algo que ainda hoje costuma acontecer).

A série tem o mérito de mostrar a dureza da luta por um lugar ao sol na aparentemente sem chuva cidade de Hollywood e como a indústria cinematográfica norte-americana, ao lado de todo o glamour, holofotes e dinheiro que potencialmente proporciona aos seus rebentos adotados, tem a capacidade de massacrar a índole, a ética e os sonhos daqueles que ali aportam em busca de uma oportunidade. Mas também sugere como o arquétipo hollywoodiano pode ser mágico. Os sonhos e visões – ali – podem ganhar concretude (às vezes com pequenos estouros no orçamento, claro!) e o “Efeito Pigmalião” pode ser muito real, às vezes.

Em termos técnicos, Hollywood é impecável. Não há grandes tomadas da cidade – muito em razão da reconstrução de época – mas a cenografia é ótima, seguindo a estética modernista da era que retrata, contando com fotografia clara e solar. Se a câmera é conservadora em termos de jogos e tomadas, há a utilização de vários recursos cinematográficos, como película envelhecida para retratar as transmissões do período e, principalmente, da metalinguagem, que chega a se tornar um recurso narrativo de fundamental importância para a proposta e mensagem da série (vide o último episódio). A própria abertura da série – com os personagens principais subindo nos letreiros da cidade para olhar a cidade ao longe – é metafórica, ao propor que ali se encontram pessoas que, apesar de “escalarem” Hollywood ao modo “american way of life”, acabam por ser colocar acima dela, vendo tudo por uma nova perspectiva.

Foto: Divulgação

É otimista (e até um pouco ingênuo) imaginar como as coisas poderiam ter sido diferentes se Hollywood e todo seu enorme apelo formador de opinião tivesse tomado decisões diferentes 70 anos atrás, promovendo a diminuição das diferenças sociorraciais e de gênero. Como são belas as cenas em que uma família asiática e outra negra, bem como um solitário homossexual preto, escutam pela rádio a chance de verem alguém de sua raça e condição se sagrarem vencedores em meio a uma realidade adversa! Finalmente se enxergarem de forma esperançosa e igual numa tela de cinema! (daí a importância de Pantera Negra, de Moonlight: Sob a Luz do Luar, de Com Amor, Simon, da vitória como melhor atriz de Hale Barry etc.).

Foto: Divulgação

Sabe-se, por experiência empírica, que o preconceito, a discriminação e o sexismo ainda dominam em muitos setores da arte mainstream, inclusive (e talvez principalmente) no chamado cinemão norte-americano. Percebe-se, em grande medida, a multiplicação de obras hollywoodianas que retratam o desencanto do mundo, as baixas expectativas a respeito do futuro e até alto grau de pessimismo quanto ao futuro humano. E é por isso que é tão bom assistir a uma série otimista, sonhadora e descaradamente pra cima como Hollywood, mesmo que tudo não seja real, somente fruto da “magia do cinema”.

Mas, como diria Paul Valéry: “o que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?”; ao que é emendado pelo grande Manoel de Barros ao afirmar que “as coisas que não existem são mais bonitas”!

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Nota: 4 / 5 (ótimo)

 


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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