Críticas
IT CAPÍTULO II | Crítica do Neófito
A coulrofobia, ou fobia por palhaço, é mais comum do que se possa pensar.
A figura desenhada para ser sinônimo de alegria, descontração, infantilidade pode, pelo contrário, causar terríveis pesadelos em algumas pessoas (como a Riley Andersen de Divertida Mente).
Uma amiga minha, ex-repórter da Rede Alterosa (SBT), de Belo Horizonte, certa vez se escondeu embaixo da sua mesa de trabalho, quando a redação do jornal foi invadida, numa manhã, pelos palhaços Patati, Patatá, que tinham um programa matinal na emissora.
A cultura pop, a literatura e o cinema, logicamente, exploraram esse filão, produzindo obras e cenas aterrorizantes utilizando as figuras espalhafatosas dos palhaços.
Quem não se lembra do assustador palhacinho de Poltergeist: O Fenômeno (1982 / 2015)?
E os alienígenas comedores de gente do trash absoluto: Palhaços Assassinos do Espaço Sideral (1988)?
Foto: Divulgação
Há várias outras obras no mesmo estilo, mas, sem dúvida alguma, a mais icônica de todas é o calhamaço de mil e tantas páginas concebido pelo genial Stephen King. Claro que estamos falando de It: A Coisa, escrito em 1986.
O livro gigantesco de King foi adaptado, primeiramente em 1990, como It: Uma Obra-Prima do Medo, a princípio no formato de série televisiva, convertida posteriormente num telefilme, que contava com Tim Curry na marcante interpretação do palhaço místico assassino, Pennywise. A adaptação se baseou na premissa básica do livro, obtendo certa popularidade cult, mas contava com um orçamento padrão de televisão, sem investimentos suficientes em efeitos especiais (Game Of Thrones ainda não tinha revolucionado as telesséries!).
Foto: Divulgação
Foram necessárias quase 3 décadas para que uma nova versão cinematográfica ganhasse as telas dos cinemas mundiais, o que aconteceu em 2017 com It: A Coisa, dirigida por Andy Muschietti, estrelada por um talentoso grupo de crianças (incluindo Finn Wolfhard, que faz o Mike de Stranger Things), além de contar com Bill Skarsgard, em impressionante atuação na pele do palhaço assassino sobrenatural.
O filme obteve 86% de aprovação no Rotten Tomatoes, críticas positivas pelo mundo afora e uma enorme multidão de fãs, muito em razão da inovadora forma de filmagem de um filme de terror, no qual abriu-se espaço para cenas diurnas, momentos de leveza e romance e situações reais tão ou mais assustadoras do que as investidas macabras e mágicas do palhaço (como bullying pesado e abuso sexual infantil). A utilização, na maioria dos casos, de efeitos práticos em detrimento da computação gráfica utilizada com moderação, também agradou, mostrando-se mais eficaz do que a excessiva pirotecnia costumeiramente utilizada em longas desse tipo.
Para quem conhece a história do livro, percebeu-se claramente que o filme de 2017 abarcou apenas, por assim dizer, a metade da trama, isto é, a parte em que Pennywise é confrontado pelos protagonistas enquanto crianças/adolescentes, faltando a conclusão da obra, passada na maturidade dos personagens, ao ser detectado o retorno da criatura, o que os obriga a cumprirem o juramento de se reunirem para matá-la definitivamente, caso voltasse a assombrar a cidade natal deles, Derry, no Maine.
E, assim, surge It: Capítulo 2, também dirigido por Andy Muschietti, no qual encontramos os agora adultos Bill “gago” (James McAvoy / Jaeden Lieberher), Beverly (Jessica Chastain / Sophia Lillis), Ben (Jay Ryan / Jeremy Ray Taylor), Richie (Bill Hader / Finn Wolfhard), Mike (Isaiah Mustafa / Chosen Jacobs), Eddie (James Ransone / Jack Dylan Grazer), Stanley (Andy Bean / Wyatt Oleff).
Foto: Divulgação
Recrutados por Mike, o único que permaneceu em Derry como bibliotecário e pesquisador sobre Pennywise, após uma nova onda de crimes misteriosos, o antigo Clube dos Perdedores (ou “Otários”) se reúne, um tanto a contragosto, para novo confronto com a Coisa. Cada um carrega um problema, como Beverly, que claramente não superou os abusos de que era vítima do pai na juventude, passando a desenvolver relacionamentos abusivos. Ben supercompensou sua antiga silhueta “gordinha”, tornando-se um bem sucedido e recluso arquiteto, malhado e excêntrico. Bill é um escritor de sucesso, mas constantemente criticado pelo final pessimista de sua obra mais famosa. Eddie continua mais hipocondríaco do que nunca, trabalhando como consultor de riscos. Richie se tornou um comediante de sucesso. Stanley surge casado, mas bastante introspectivo. Além disso, cada um ainda carrega o peso de seus traumas infanto-juvenis, o que, aliás, servirá de prato cheio para as investidas de Pennywise.
Em termos de desenvolvimento, a história segue um caminho previsível, tanto em termos de encadeamento, quanto nas indefectíveis cenas de sustos e horror. Assim, temos um primeiro ato em que se mostra o retorno da Coisa, uma reintrodução dos personagens em sua nova condição e a reunião deles; segundo ato com uma necessária (e forçada) separação do grupo (a regra mais ridícula dos filmes de terror, ironizada, aliás, nos filmes da série Pânico), a fim de que cada um encare seus traumas e medos individualmente, o que, em verdade, serve apenas para o surgimento de Pennywise nas mais diversas formas e circunstâncias, até o arco conclusivo.
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Pelo menos, as cenas individuais invariavelmente se prestam a voltar no tempo, trazendo flashbacks dos personagens, o que presenteia o público com os carismáticos atores-mirins do primeiro filme enfrentando situações bizarras.
Contudo, o filme de quase 3 horas (2 horas e 49 minutos), apesar de prender a atenção e não ser enfadonho quase em nenhum momento, realmente é bastante previsível, utilizando-se de uma trilha sonora altamente denunciadora do clímax do susto e de, ao contrário do primeiro longa, recorrer fartamente à computação gráfica, o que enfraquece grande parte do apelo que a adaptação tinha. A cena dos slides, no primeiro filme, por exemplo, de longe, é muito mais aterrorizante do que praticamente todas cenas de horror desta continuação. Bill Skarsgard, o grande destaque anterior, em função disso, quase não tem o que mostrar a mais do que já havia mostrado na primeira parte da aventura.
O fato de os personagens agora serem adultos talvez exigisse uma abordagem mais pesada, o que não acontece. Todos do clube – à exceção de Mike – podem se dizer bem sucedidos de alguma maneira, mas a mensagem do filme tenta mostrar que isso é apenas uma aparência: no íntimo, eles continuam os mesmos “losers” que eram, apesar de serem os únicos a se colocarem em risco para salvar a cidade e o mundo. Apesar de ser bacana vê-los adolescentes mais uma vez nos flashbacks, enquanto adultos, eles deveriam ter outros traumas que não os da infância a serem resolvidos, não? (menos Beverly, vítima de abuso doméstico).
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Outro ponto que incomoda é que as mortes e desaparecimentos que ocorrem na cidade parecem não causar nenhum impacto naquela sociedade interiorana – e, portanto, pequena e de fácil mobilização – na qual a Polícia inexiste e as mães não saem desesperadas à procura dos filhos subitamente sumidos. A participação do psicopata Henry Bowers (interpretado no primeiro filme por Nicholas Hamilton e agora por Teach Grant) também não contribui em nada para a trama e ainda soa incoerente.
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As piadas introduzidas – principalmente saídas da boca de Bill Hader – servem de alívio para algumas tomadas mais longas e tensas e são bem defendidas pelos atores, mas às vezes soam um pouco deslocadas, haja vista o que estavam enfrentando.
O arco final – invariavelmente focado no confronto direto entre o Clube dos Perdedores e Pennywise – é tenso, grandioso, garante uma surpresa, mas, por causa de tanta computação gráfica, acaba ficando um pouco surreal e “mágico” demais.
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De modo que It: Capítulo 2 é um bom filme de terror, mas sofre com os recorrentes problemas das continuações de longas de sucesso do gênero, que precisam superlativizar tudo, perdendo, com isso, parte da essência e do charme do material original.
Interpretações muito boas – James McAvoy sempre competentíssimo nas suas composições, fazendo um gago com extrema naturalidade; Jessica Chastain transmitindo profunda amargura no olhar da sofrida “Bev” e por aí vai – fotografia corretíssima, direção segura, excelente material de base… mas mesmo assim, o filme não consegue atingir o mesmo nível do primeiro (no Rotten Tomatoes, a avaliação caiu para 79%).
Garanto que quem for assistir ao longa levará uns bons sustos, se divertirá e adorará ver as crianças do Clube dos Perdedores novamente, mas tenho certeza de que ninguém precisará se esconder debaixo da mesa.
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Nota: 3,5 / 5 (muito bom)
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