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Críticas

THE BOYS S01 | Crítica do Neófito

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Qualquer um que conheça um pouquinho de história mundial sabe que a Irlanda do Norte viveu todo o século XX em grandes turbulências políticas graças ao secular domínio britânico e os conflitos respectivos entre nacionalistas (minoria católica que reivindica a independência do país com relação à Inglaterra e posterior união com a República da Irlanda) e unionistas (maioria protestante favorável à permanência pacífica e dependente da Irlanda do Norte à Inglaterra) – além de outros grupos com interesses político-ideológicos distintos, muitas vezes eclodindo na forma de guerra civil.

Em 1972 ocorre o famoso Domingo Sangrento, no qual o exército britânico – da mesma forma que já havia feito em 1916, redundando no surgimento do IRA (Exército Republicano Irlandês) – abriu fogo contra milhares de manifestantes pacíficos e desarmados – alguns pelas costas! – motivando a composição de diversas músicas (Sunday Blody Sunday, do U2, talvez seja a mais icônica) e diversos filmes (recomenda-se Michael Collins: O Preço da Liberdade e Domingo Sangrento, de Paul Greengrass).

Foto: Divulgação

Apenas depois de 1998 e a assinatura do Acordo de Belfast, o país pôde encontrar alguma tranquilidade político-social.

Mas, o que isso tem a ver com The Boys, a série televisa da Amazon Prime Video, que estreou dia 26 de julho de 2019, baseada nos quadrinhos homônimos, cujo enredo gira em torno de um grupo de habilidosas pessoas voltadas para a contenção – preferencialmente por meios violentos – dos super-heróis nada “heroicos” daquele universo?

Foto: Divulgação

Bom, esse contexto sociopolítico norte-irlandês pode ser uma das explicações do porquê de Garth Ennis – a cabeça que concebeu tal universo e premissa – demonstrar, em várias de suas criações como autor de quadrinhos, uma quase obsessiva necessidade de desconstruir a imagem, mitologia e iconicidade dos super-heróis, haja visto seu trabalho em Hellblazer (Vertigo), Hitman (DC), Justiceiro (Marvel), mas, principalmente, em Preacher (obra-prima absoluta, também pelo recém extinto selo Vertigo, da DC).

Foto: Divulgação

Ennis nasceu em Belfast, em 1970, crescendo em meio a todos os conflitos oriundos de posições e ideologias político-religiosas do seu país. Crer num tipo específico de salvação da alma – pelas obras/sacramentos (Catolicismo), ou pela (Protestantismo) – servia de desculpa para segregação, execração pública (até de crianças de uma religião obrigadas a passarem por uma rua destinada a devotos de outra), e de mortes. Deus, portanto, era motivo para se matar outro ser humano.

Figuras míticas de qualquer espécie – sejam elas religiosas ou super-heróicas – parecem representar um modelo falso e pernicioso para Garth Ennis. Desse modo, Hellblazer e Preacher deixam claro que a ética advinda da religião não significam nada para o autor irlandês, cuja filosofia de vida parece se amparar muito mais em princípios como a amizade e companheirismo.

A “ira” de Ennis contra os falsos ídolos ou símbolos no âmbito dos super-heróis dos quadrinhos – que pode ser vista de forma mais sutil em Justiceiro e Hitman – nunca foi tão ácida quanto na série em quadrinhos The Boys (DC Comics / Wildstorm e Dynamite Entertainment, que assumiu após o recuo da DC, chocada com o nível de violência e perversão da série).

Em The Boys (quadrinhos) os super-heróis são celebridades mimadas e absolutamente hedonistas, entregues a todo tipo de excesso e sem qualquer consideração pelos seres humanos “normais”, que servem apenas para atenderem aos caprichos daqueles ou para serem “salvos”, o que justifica a presença e toda a pompa em torno dos super’s.

Foto: Divulgação

Daí, os Octolescentes, por exemplo, que é um grupo de mutantes adolescentes que adoram alugar um prédio lotado de prostitutas por um fim-de-semana inteiro de sexo ininterrupto (afinal, são super-seres!).

Ou os Sete, paródia quase explícita da Liga da Justiça, que, em verdade, trata-se de um grupo de heróis “de elite”, que, na verdade, é apenas voltado para a manutenção da fama e do poder em diversas esferas de influência.

Foto: Divulgação

Este segundo arco acima mencionado é o que serve de base para o enredo da série televisiva da Amazon Prime Video, que adaptou de forma bastante livre os quadrinhos de Ennis para a telinha, mas sem perder o espírito transgressor do quadrinista ou da história em quadrinhos em si, o que pode ser visto pelo capricho na violência gráfica (cabeças explodindo, corpos estraçalhados por visão de calor ou superforça, fraturas expostas etc.), na produção cuidadosa, na escolha dos atores (Jack Quaid, Karl Urban, Elisabeth Shue, Simon Pegg, entre outros), mas um pouco pobre em termos de efeitos especiais (as cenas de voo são circunscritas ao “super-homem” dos Sete, Homelander/Capitão Pátria, interpretado de forma magistral por Antony Starr, e minimizadas ao máximo); bem como na pegada sexual, muito forte nos quadrinhos, mas tratadas com bem mais pudor na televisão.

(aliás, essa filosofia cultural norte-americana – de poder mostrar violência extrema, mas se recusar a mostrar um seio desnudo – merecia um estudo acadêmico!!)

Foto: Divulgação

Partindo do mesmo argumento inicial dos quadrinhos, vê-se a irresponsabilidade dos super-heróis dos Sete, em especial do Trem Bala (A-Train, interpretado por Jessie Usher), que, sem maiores problemas ou dores de consciência, estraçalha a doce Robin (Jess Salgueiro), noiva do pacato cidadão Hughie Campbell, ao passar correndo em supervelocidade pelo corpo dela, por estar “apressado demais” (nos quadrinhos, em razão de estar enfrentando um vilão).

Surge o misterioso Billy Bruto (Karl Urban, à vontade), questionando se Hughie gostaria de se vingar da brutal morte de sua amada noiva. Não demora para que, unidos a dois outros ex-agentes treinados – Leitinho (Laz Alonso) e Francês (Tomer Kapon) – e uma muda assassina selvagem (Fêmea, vivida por Karen Fukuhara, como uma espécie de Wolverine de saias) – eles passem a perseguir e, eventualmente, a eliminar um ou outro super-herói.

Em paralelo – assim como nos quadrinhos – tem-se a trama da super-heroína Starlight/Luz-Estrela (Erin Moriarty) que, após uma vida dedicada ao objetivo de se juntar aos Sete, finalmente é aceita no grupo, para logo descobrir que seus ídolos eram bem diferentes do que havia acreditado, sendo, na realidade, celebridades manipuladas e manipuladoras, ególatras convertidos em produtos das empresas Vought, completamente voltados para a satisfação de seus próprios interesses e chefiados com mão de ferro pela inescrupulosa e ambiciosa empresária Madelyn Stillwell de Elisabeth Shue.

Foto: Divulgação

O Capitão Pátria, por exemplo, dando a entender que seja um alienígena criado em laboratório, trata “esses aí” (humanos sem poderes) com absoluto desprezo, apesar da fachada de bom samaritano, denotando apenas uma aparente dependência erótico-patológica de Stillwell. A sua cena de resgaste do avião é assustadora! Aliás, na concepção do Homelander do programa televisivo há um flerte quase explícito com o Hipérion da série em quadrinhos Poder Supremo, da Marvel (selo Marvel Max), também criado em laboratório e em cuja capa do número 1, aparece enquanto criança enrolado numa bandeira norte-americana (Capitão Pátria usa uma capa com a bandeira dos EUA, além de ter uma relação psicológica com um cobertor infantil). Sem falar que o Black Noir (Nathan Mitchell) é uma cópia quase idêntica do Falcão Noturno.

Foto: Divulgação

Juntando tudo isso, tem-se um programa televiso surtado, no sentido de, nos primeiros capítulos, realmente impressionar com o nível de transgressão de seu roteiro e diálogos. Há muito sangue, perversões sexuais e dinamismo no desenvolvimento da trama. Mas, a partir da metade, o programa – na obrigação de manter enredo e elenco para outras temporadas – começa a dar sinais de um pouco de enrolação, evitando concluir satisfatoriamente certos arcos.

Mas, para compensar essa clara (e até necessária) perda de ritmo, a série reserva algumas boas surpresas ao seu público, como a participação especial de Haley Joel Osment (o menino de O Sexto Sentido), gordo, barbado, mas mostrando que seu enorme talento interpretativo continua intacto, como um ex-super-herói decadente convertido em “subcelebridade” (dando autógrafos ao lado de Billy Zane e Tara Reid! Hilário). Há também, uma subtrama bastante incômoda para os mais religiosos, que ocorre durante um evento evangélico, mas bastante contestadora e ácida.

Foto: Divulgação

O episódio final, para alguns, pode soar meio anticlimático, mas, para o espírito de uma série televisiva – cuja segunda temporada já foi confirmada e a terceira aventada por seu showrunner – faz total sentido, bem como a mudança de personalidade e de história de alguns personagens com relação aos quadrinhos, como Fêmea (que ganha um nome e um passado) e de Billy Bruto (o qual recebe uma história pregressa que justifica seu intenso ódio pelos supers).

No mais, trata-se de um programa que certamente não agradará a todos os públicos, em especial às pessoas com regras ético-morais mais rígidas ou sensíveis à violência gráfica.

Mas, para os fãs de Garth Ennis e/ou de seus quadrinhos, ou de histórias mais adultas e irônicas, será um deleite!

Aplausos para os produtores Eric Kripke, Evan Goldberg e Seth Rogen. Este último, aliás, é evidentemente um fã de carteirinha do norte-irlandês, já tendo tentado – com bem menos sucesso – sua maior obra – Preacher – para as telinhas.

Foto: Divulgação

The Boys é algo inovador de se assistir, bastante autocrítico (porque o integra) ao universo multibilionário das adaptações de quadrinhos. Obrigatório para todo nerd que se preze!!

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Nota: 4 / 5 (ótimo)

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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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