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Críticas

INVENTANDO ANA – “Me engana que eu gosto!” | Crítica (tardia) do Neófito

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Com origens que remontam ao século XIV, o mito de Robin Hood – o nobre que se torna ladrão para roubar dos ricos e dar aos pobres – até hoje mexe com o imaginário popular, gerando contínuas readaptações e inspirações para o cinema, tv, teatro etc. (a última tentativa de modernizar o personagem foi no tenebroso Robin Hood: A origem, de 2018, estrelado por Taron Egerton e Jamie Fox, absolutamente esquecível).

Outro personagem que costumava fascinar a imaginação da criançada da geração deste colunista é a criação de Johnston McCulley, no início do século XIX, Zorro: o “Dom” extremamente habilidoso na espada, chicote e cavalaria, que se disfarça com capa, máscara e sombrero pretos para lutar contra sua própria classe aristocrática em favor dos índios e do subjugado povo mexicano.

Além do hábito de ajudarem os “fracos e oprimidos”, Robin Hood e Zorro têm em comum o fato de ambos serem membros da “nobreza”, que se sensibilizam com a situação injusta dos “homens comuns” e resolvem, do alto de sua magnanimidade, lutar por eles. Aliás, essa característica de a “salvação” do oprimido vir do seio do próprio grupo opressor é traço comum da literatura heroica há até bem pouco tempo, podendo-se citar, também, a mais famosa criação de Edgar Rice Burroughs, no início do século XX, o Tarzan (literalmente “pele branca”), que, em última análise, é o homem branco europeu, que mesmo tendo tudo contra si, torna-se o “Rei da Selva”, dominando os selvagens “macacos” e leões africanos. Mais neocolonialista e eugenista impossível!

Foto: montagem (os nossos “salvadores”)

O fato é que, ao perceber que a “salvação” não virá daqueles que detêm o poder, o inconsciente popular passou a invariavelmente torcer pelo mais fraco, o “outsider”, ou o que consegue, mesmo falsamente, passar a imagem de “gente como a gente” (às vezes – como no recente cenário político nacional – com resultados desastrosos…).

Nessa mesma linha, “passar a perna” em gente rica, poderosa e/ou endinheirada gera certo prazer secreto nas pessoas. Adoram-se filmes em que os espertos conseguem ludibriar os poderosos. Golpe de Mestre (1973); a trilogia Onze/Doze/Treze Homens e Um/Outro/Novo Segredo (2001, 2004, 2007); Truque de Mestre 1 e 2 (2013, 2016); Golpe Duplo (2015) são alguns exemplos do quanto roteiros que exploram essa dinâmica têm potencial para fazer sucesso.

Quando o roteiro das produções se baseia em fatos reais, então, o deleite é duplo! São poucos os que não têm simpatia pela história contada em Prenda-me Se For Capaz (2002) e VIPs (2010), este último, produção nacional sobre o golpista brasileiro Marcelo Nascimento da Rocha que, como o também personagem real Frank Abagnale, interpretado com maestria por Leonardo DiCaprio no filme citado anteriormente, passou-se por várias pessoas, incluindo um dos co-fundadores da companhia aérea Gol, dando o que hoje é considerada a hilária entrevista cedida a um deslumbradamente enganado Amaury Jr., em 2001.

Por mais que tenham cometido vários crimes, há certa simpatia por essas figuras, haja vista terem agido como espécie de Robin Hood de si mesmos.

Dentre esses personagens, quase sempre masculinos, destaca-se a figura de Anna Sorokin – ou, mais especificamente, Anna Vadimovna Sorokina – a jovem moça, hoje com 31 anos, de origem humilde e russa, que enganou banqueiros, milionários e celebridades novaiorquinas durante quase toda a década de 2010, passando-se pela persona de Anna Delvey, que seria uma rica alemã detentora de milionário fundo de pensão deixado por seus pais.

Em maio de 2018, já presa pelos golpes sucessivos em hotéis e pessoas ricas, Anna Sorokin foi personagem do artigo “Maybe She Had So Much Money She Just Lost Track of It”, de autoria da repórter Jessica Pressler, na New York Magazine.

Foto: Divulgação (as duas Anna’s: à esquerda, a ficcional; à direita, a real)

Essa reportagem foi o suficiente para que a antenada roteirista e produtora Shonda Rhimes – responsável pelos roteiros/produção de Crossroads (2002); O Diário da Princesa 2 (2004); Grey’s Anatomy (2005-2022…); Scandal (2012-2018); How to Get Away with Murder (2014-2020) e (nada mais, nada menos) Bridgerton (2020 / 2022…) – visse potencial para transformar a quase inacreditável história de Anna Sorokin na minissérie Inventando Anna, produzida com capricho pela poderosa Netflix.

Foto: REUTERS/Danny Moloshok/File Photo (a verdadeira “poderosa”, Shonda Rhimes)

Acrescentando alguma dose de ficção na história real – algo repetidamente lembrado no início de cada um dos 9 episódios da minissérie – o programa fez enorme sucesso, despertando um até então inesperado interesse tanto pelo entretenimento televisivo, quanto pela trajetória de fato de Anna Sorokin. Quem quiser saber mais sobre a tragicômica personagem encontrará farto material no Google.

No tocante ao que nos interessa aqui – ou seja, à minissérie – a produção é criteriosamente caprichada e cuidadosa, como seria de esperar do trabalho de Rhimes. Figurinos de babar, cenografia e locações lindíssimas. Fotografia adequada à atmosfera da cena/cenário e bastante clara e definida. A direção, apesar de dividida entre vários nomes, é coesa e segura. O roteiro é esperto, sem muita enrolação. Os atores principais – Julia Garner (incrível como Anna Delvey) e Anna Chlumsky (a agora crescida garotinha de Meu Primeiro Amor, no papel de Vivian Kent amálgama de repórteres reais e ficcionais) – estão ótimos em seus papeis.

Foto: Divulgação (a criação ficcional Vivian Kent, ao lado de sua inspiração real, Jessica Pressler)

Mais especificamente no que diz respeito ao roteiro, Inventando Anna recorre à narrativa linear intermeada com flashbacks, para mostrar os fatos ocorridos da perspectiva dos demais personagens que gravitaram o universo fictício criado por Anna Delvey. Namorados, alpinistas sociais, amigas interesseiras, banqueiros ‘pedindo’ para serem enganados, socialites esnobes e yuppies empoderados desfilam pela tela, sempre pensando em novas formas de ganhar (dinheiro, fama, status, conforto, regalias etc.) seja com ou sobre os outros.

Anna, nesse mundo, é pintada ora como inescrupulosa fria e determinada a passar por cima de quem seja necessário para conquistar seus objetivos (e o modo como, de dentro da prisão, trata seu advogado, Todd Spodek Arian Moayed – e a repórter Julia Garner é exemplo notório disso); ora é apresentada como jovem sonhadora, empreendedora e apenas mais uma vítima do sonho americano (quando, por exemplo, descortina-se seu passado na Rússia ou mostra seu afeto pela amiga Neff Davis, personagem interpretada por Alexis Floyd). Isso é interessante em termos de construção de personagem, afinal, ninguém é cem por cento mal ou bom, mas a média desses dois componentes psíquicos, às vezes, com pequena (ou grande!) inclinação para um ou outro lado.

A crítica do programa é bastante condescendente com o aclamado ideal de liberdade norte-americana, mas ainda assim toca de leve no sexismo e no machismo da sociedade estadunidense, principalmente aquela do eixo novaiorquino.

Somando todos esses elementos – mais a fórmula comercial típica do audiovisual norte-americano – Inventando Anna é ótimo programa para maratonar, sendo de fácil consumo, entretendo com qualidade e, ainda por cima, até se arriscando em estabelecer alguma reflexão crítica quanto à frivolidade do mundo realmente rico, da desigualdade social e de gênero que ainda é incrivelmente presente nas relações sociais.

Uma boa pedida!

Foto: Divulgação (ah, como seria bom ser rico…)


Nota: 3,5 / 5 (muito bom)


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Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

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