Connect with us

Críticas

UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA | Crítica (tardia) do Neófito

Publicado

em

Antes de mais nada, preciso confessar que não conhecia a figura pública de Fred Rogers, o personagem cinebiografado no filme Um Lindo Dia na Vizinhança, dirigido por Marielle Heller (Poderia me Perdoar?) e protagonizado por Tom “papa Oscar” Hanks. Foto: Divulgação (Marielle Heller)

Fred Rogers (1928-2003) era um homem bastante comum, sem grande beleza física, mas com um olhar verdadeira terno, sorriso sincero e magnetismo impressionante (percebe-se isso facilmente no documentário Won’t You Be My Neighbor?. Pastor evangélico presbiteriano, vegetariano, pianista, exímio nadador, pedagogo honoris causa, abstêmio de tabaco e álcool, poderia facilmente recair no arquétipo do norte-americano religioso e conservador, mas, ao contrário, tornou-se o carismático apresentador do programa infantil Mister Rogers’ Neighborhood, que teve a incrível duração de 33 anos no ar (1968-2001).

Foto: Divulgação (o verdadeiro Fred Rogers no documentário sobre sua vida e obra e na divulgação de seu programa infantil)

Detentor de uma fala positivamente mansa e suave, transparecendo uma inabalável calma e serenidade, tratava, segundo consta de sua biografia e documentário, de temas espinhosos em seus programas, como divórcio, morte e doenças, sempre de forma pedagógica e muita simplicidade. Sua conexão com crianças e adultos sempre parecia genuína, até mesmo quando recorria às suas marionetes.

Aqui no Brasil, acostumamo-nos às figuras icônicas de apresentadoras televisivas infantis supersexualizadas e loiras, encabeçadas pela Xuxa e seguidas por Angélica e Eliana, por exemplo; esquecendo-nos de programas mais educativos, como o setentista Vila Sésamo (que chegou a ser apresentado por Sônia Braga). Em Belo Horizonte teve até um programa que fugia do “padrão Marlene Mattos (a diretora de Xuxa por muitos anos), chamado Clubinho da Tia Dulce e, neste tenebroso ano de 2020, tivemos a triste e melancólica morte do criador da saudosa Turma do Lambe-Lambe, o multiartista Daniel Azulay, outro que também se diferenciou do modelo acima, com programas bem mais pedagógicos, cujo comando ficava a cargo de figuras sem muito apelo estético, mas dotados de grande carisma, simpatia e sincero interesse pelas crianças-alvo.

De modo que Um Lindo Dia na Vizinhança parte da premissa de que o personagem a ser ali retratado já é plenamente conhecido do público. Não há nenhuma apresentação ‘formal’ de Fred Rogers/Tom Hanks: ele surge em tela já na primeira cena, num simulacro da abertura de seu famoso programa, dando o tom do que será o filme: uma cineobigrafia nada convencional. Afinal, ficamos conhecendo Rogers não porque o filme se debruça sobre sua história e jornada, mas pelo impacto que ele parecia causar e de fato causava nas pessoas ao seu redor. Na verdade, o Fred Rogers do longa de Heller é quase um totem, um arquétipo ambulante do “velho-sábio” (do xamã). Incrível perceber que ele era assim mesmo na vida real!

Foto: Divulgação

O filme, desse modo, acompanha mesmo é o recorte de vida do bem sucedido, porém amargo repórter investigativo da revista Esquire, Lloyd Vogel (Matthew Rhys, convincente), designado, contra sua vontade, para traçar o perfil do apresentador infantil. Talvez em nome de uma maior liberdade narrativa, o personagem é fictício, mas baseado no verdadeiro autor sobre uma matéria sobre Fred Rogers para a citada publicação, o jornalista Tom Junod, o qual afirmou que seus encontros com o apresentador, mudaram completamente sua perspectiva de vida.

Foto: Divulgação (Matthew Rhys em dois momentos como Lloyd Vogel e, no canto inferior direito, o verdadeiro Tom Junod)

Rogers transita naquele momento da vida de Vogel – vivendo uma pequena crise no casamento, após o filho recém nascido e uma antiga mágoa com o pai – como algo completamente inesperado, um elemento capaz de quebrar todos os paradigmas do cético e temido repórter.

Foto: Divulgação (Matthew Rhys e Susan Kelechi Watson)

A trama – até demasiadamente simples – é contada por Heller de forma inusitada em alguns momentos – recorrendo, por exemplo, a momentos oníricos – e tremendamente convencional (até simplória) em outros, que pode ser citado como um dos poucos pontos negativos do filme, que acaba oscilando um pouco mais do que o desejável.

Evidentemente, o longa acaba se escorando nos ombros de Tom Hanks, que consegue transmitir toda o magnetismo quase irreal de Fred Rogers, mas sem deixar transparecer que se tratava de um ser humano – especial, na verdade – mas também constituído de carne e osso.

Matthew Rhys também segura bem as pontas, mas sua composição é um pouco mais “perigosa” da de Hanks, pois ele faz um personagem fictício baseado num personagem real, numa trama que tem relação com a realidade, mas que também é ficcional. O risco de enveredar para o estereótipo ronda o ator a cada segundo em tela, mas o resultado acaba sendo positivo.

A bela Susan Kelechi Watson (Andre Vogel, esposa de Lloyd) não compromete, mas também não brilha. Já Chris Cooper entrega outra interpretação marcante na sua já consistente carreira, com a composição de seu Jerry Vogel (pai complicado, arrependido e doente de Lloyd Vogel), conseguindo ombrear com a performance de Hanks, algo que não é pouco.

Foto: Divulgação

Tendo como alicerce narrativo a figura de um personagem tão peculiar como Fred Rogers, e uma história de transformação, Um Lindo Dia na Vizinhança poderia facilmente se tornar um daqueles açucarados filmes “edificantes”, mas Marielle Heller consegue imprimir um tom diferenciado ao seu longa, imprimindo algumas camadas a mais no enredo simples, por meio de elipses narrativas e pela boa utilização da persona praticamente mítica de Rogers.

Ao final do filme – e não tem como não dar esta dica – na passagem dos letreiros, somos presenteados com a aparição do verdadeiro Fred Rogers para que percebamos o quanto ele era verdadeiramente uma pessoa de quem adoraríamos ser vizinhos!

Foto: Divulgação

_______________________________________________________________________________________________________________________________________

Nota: 3,5 / 5 (muito bom)

_______________________________________________________________________________________________________________________________________

SIGA-NOS nas redes sociais:

FACEBOOK: facebook.com/nerdtripoficial

TWITTER: https://twitter.com/Nerdtripoficia3

INSTAGRAM: https://www.instagram.com/nerdtripoficial/

VISITE NOSSO SITE: www.nerdtrip.com.br


Leia Mais:

CRÍTICA | Cujo – Netflix

VOCÊ NEM IMAGINA | Crítica do Neófito

DIAS SEM FIM | Crítica do Neófito

Resenha | A Passagem – Justin Cronin

RESENHA| O Conto da Aia

Sou um quarentão apaixonado pela cultura pop em geral. Adoro quadrinhos, filmes, séries, bons livros e música de qualidade. Pai de um lindo casal de filhos e ainda encantado por minha esposa, com quem já vivo há 19 bons anos, trabalho como Oficial de Justiça do TJMG, num país ainda repleto de injustiças. E creio na educação e na cultura como "salvação" para nossa sociedade!!

Comente aqui!

Mais lidos da semana